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Crítica | O Segredo de seus Olhos

Em certo momento de O Segredo de Seus Olhos, Sandoval afirma a Esposito como um homem pode mudar tudo na sua vida, sua casa, sua família, seu emprego, seu Deus, mas “não pode mudar sua paixão“. É ela quem nos move para a frente e nos prende ao passado, atemporal, cega a pecados, com ou sem um rosto, como uma mulher, um time de futebol ou a vingança.

Uma paixão pelo cinema que o diretor Joan José Campanella acende no coração de todos os espectadores neste soberbo exemplar do rico cinema argentino ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro. Esposito (Ricardo Darín) é um homem de terceira idade que na aposentadoria resolve escrever um livro sobre um misterioso caso que acompanhou ao longo dos últimos 25 anos. Este projeto pessoal o reaproxima da promotora Irene (Soledad Villamil), por quem tem nutrido uma paixão não tão platônica ao longo de um quarto de século.

Desenvolvendo a narrativa em duas linhas temporais, Campanella apresenta, com ares de reverência, o notório caso Morales através do olhar incólume de Irene (no presente) e do espanto e pavor no rosto de Esposito (no passado). A brutalidade daquele momento, e de certa forma, aliado a tortura de dois homens inocentes na prisão, funciona como combustível para que Esposito, um mero contador, desenvolva sua própria investigação paralela ao lado do amigo Sandoval (Guillermo Francella).

Genuinamente admirando Esposito, Sandoval não é apenas um homem preso ao fantasma do alcoolismo, e diante disso, o seu monólogo sobre paixão citado anteriormente funciona como uma mea culpa. Carinhosamente fotografado por Campanella, Sandoval sempre sorri, age de forma prestativa e ajuda a atenuar as sombras da narrativa com seu senso de humor. E ao mesmo tempo em que ele é quem abre os olhos de Esposito para sua paixão por Irene, uma ação sua de retribuição mostra o tamanho do coração daquele homem.

Mais do que uma mensagem sobre paixões, a narrativa também reafirma que não existem coadjuvantes na vida e se abrirmos bem os olhos, todos são protagonistas de suas paixões: Morales e sua obstinação por justiça (vingança?), Gómez e a cegueira obsessiva por quem nunca o amou.

Demonstrando virtuosismo técnico irrepreensível, Campanella apresenta um dos planos-sequências mais impressionantes do cinema (e a dificuldade de sua realização apenas ratifica sua importância): após um belo plano aéreo de um estágio de futebol em que estão Esposito e Sandoval, Campanella toma a câmera em mãos e retrata de maneira visceral toda a perseguição pelo estádio lotado até a prisão de Gómez. Imediatamente depois, um discreto close no olhar de Gómez, que só é enxergado por Irene, a faz construir brilhantemente o questionamento que leva a convicção de estar em frente a um assassino.

Sem também abandonar a sua dimensão romântica em meio à tragédia, a narrativa é suave e tímida no amor praticamente impossível entre Esposito e Irene, e o embarque em um trem é um dos momentos mais belos e reveladores daquele sujeito ao escancarar de vez seus sentimentos.

Rivalizando com o desfecho de Ilha do Medo com a frase mais forte da narrativa (“diga ao menos para ele falar comigo!“), O Segredo dos seus Olhos prova que o cinema feito com a mesma paixão descrita ao longo de mais de 2 horas de uma gratificante narrativa se traduz sem sombra de dúvida em um grande feito cinematográfico.

Avaliação: 5 estrelas em 5.

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2 comentários em “Crítica | O Segredo de seus Olhos”

  1. Muito boa a crítica! Achei o filme ótimo, tiando o elemento romance. Poderia ter desenvolvido uma amizade entre os dois, e um coleguismo que superava o misoginismo no meio policial… seria um tema mais interessante que um romance que não vingou pq ele tinha medo de se declarar. =p

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