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Crítica | Cisne Negro

Em O Lago dos Cisnes, Odette é uma princesa aprisionada no corpo de um cisne pelo malvado von Rothbart e só o amor do príncipe Siegfried pode desfazer o feitiço. Mas após descobrir o interesse dele em desposar Odette, von Rothbart transforma sua filha Odile na sósia da princesa, distinta somente pelo traje preta. Enganado, Siegfried anuncia o casamento com Odile e leva Odette a cometer suicídio e se livrar da maldição. À sua própria maneira, Cisne Negro adapta o balé, transformando Nina na princesa Odette e reaproveitando de forma inteligente elementos da história original.

Uma boa análise de Cisne Negro tem que discutir a visceral interpretação de Natalie Portman no papel da frágil bailarina Nina. Dona de uma estatura discreta, a atriz emagreceu 10 quilos e que parecem torná-la uma pequena boneca de porcelana em cena. Mas a bravura do desempenho não se resume ao sacrifício pessoal, é a composição da atriz que mais chama atenção. Dona de uma voz vacilante e sussurrada, Nina é uma mulher infantil e retraída – o que se observa na direção de arte do seu quarto, em cor de rosa e tomado por ursinhos de pelúcia -, superprotegida pela mãe Erica (Barbara Hershey), e vivendo em função desta e do balé. Uma moça sexualmente reprimida e potencialmente esquizofrênica.

Coadjuvante na companhia de balé, Nina tem a oportunidade de sua vida ao assumir o papel principal no Lago dos Cisnes depois da aposentadoria de Beth (Winona Ryder). Porém, se Nina é digna em retratar a suavidade e a perfeição de movimentos de Odette, ela tem dificuldades ao personificar Odile, o Cisne Negro, que exige uma sensualidade e imprevisibilidade que a garota não possui. Eis que aparece Lily (Mila Kumis), uma bailarina menos técnica, mas que surpreende o diretor do balé Thomas Leroy (Vincent Cassel) com a intensidade de seus movimentos. Incapaz de suportar a pressão e extenuada emocionalmente, Nina exibe sinais de estresse e insanidade revelados nos reflexos no espelho, alucinações e em uma alergia a pele que não cicatriza.

Realizando uma abordagem similar ao do ótimo O Lutador, no tom documental da narrativa, seguindo-a de costa e criando um ar de familiaridade com o espectador, e aproveitando elementos de Pi e Réquiem para um Sonho em retratar a progressiva insanidade da protagonista, o diretor Darren Aronofsky parece fascinado com o universo do balé… mas, não por razões estéticas, embora inegavelmente retrate momentos belíssimos nos ensaios e na apresentação do Lago dos Cisnes. Não, o diretor está interessado em expor o mundo competitivo e “violento” e para isto, usa o tempo ilustrando o esforço em amaciar as sandálias e revelando os ferimentos nos dedos e contusões sofridos em ensaio em busca da perfeição.

Utilizando superfícies reflexivas em praticamente todos os quadros, Aronofsky usa os espelhos como metáforas para expor as duas faces de Nina competindo na busca por libertação, Odette e Odile. E pensando no roteiro, é impossível não enxergar a genialidade dos autores Mark Heyman, Andres Heinz e John J. McLaughlin ao criar paralelos entre a história e o balé: Leroy age como Siegfried ao chamar Nina de “minha princesinha” e ao apresentar a moça aos patrocinadores o faz como se estivesse em uma corte real; Lily, por outro lado, é imediatamente associada a Odile, seduzindo o príncipe Leroy e assumindo as feições de Nina no espelho; aliás, observe como Lily sempre frustra (acidentalmente?) momentos pessoais de Nina, seja em uma entrada barulhenta no ensaio e na audível gargalhada durante a apresentação da moça. Mas o mais curioso é a feição variável assumida por von Rothbart, uma alegoria da própria loucura de uma personagem que é o único obstáculo existente no seu próprio caminho.

Se a atuação inesquecível de Natalie Portman e a direção comprometida de Aronofsky são motivos suficientes para transformar Cisne Negro em uma obra prima, a obra é tecnicamente arrebatadora. A fotografia de Matthew Libatique é extraordinária no uso das sombras que em determinados momentos dominam a cena quase como em uma obra de terror. A trilha sonora de Clint Mansell é angustiante e tensa, especialmente porque nada mais é do que uma variação da obra de Tchaikovsky tocada de trás para frente e distorcida.

Funcionando em diversos níveis, a jornada autodestrutiva de Nina rumo à perfeição e abdicando da sanidade é uma montanha-russa de emoções, um filme de terror além de um estudo de personagens formidável. A melhor representação do balé como arte e sacrifício pessoal já vista no cinema.

5 estrelas em 5.

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10 comentários em “Crítica | Cisne Negro”

  1. Gostei muito da sua crítica, eu costumo ler suas criticas, para depois ir a uma sala e assistir. Ainda não assistí Cisne Negro, mas esta semana estou indo ao cinema.
    Sei que não vem muito ao asunto da temporada dos Oscar, mas gostaría de saber a sua opinião sobre o filme “A fonte da vida” tambem de Aronofsky. Tenho entendido que é un filme que dividiu muito a crítica, e eu gostaría de saber a sua opinião personal ao respeito.
    Abraço e não entendo bem sobre critica de cinema,por isso passo sempre em face pra ler algo sobre o assunto…
    Parabens pelo blog

  2. Na minha opinião, Fonte da Vida é o menos bom – se posso me expressar assim – dos filmes do Aronofsky. Mas isto se explica porque neste, o diretor teve enormes dificuldades financeiras, cortes de orçamento, saída de astros (Brad Pitt esteve vinculado ao projeto até determinado momento), e ameaça de cancelamento.

    Dito isto, é um ótimo filme, belo em poesia nas rimas visuais e narrativas que ligam passado, presente e futuro. Além disso, tem um dos terceiros atos mais empolgantes da década passada, algo que é especialidade do diretor (como você poderá ver em Cisne Negro).

    Eu daria 4/5 pra Fonte da Vida.

  3. Este é o melhor filme deste ano que vi de momento, espero que cheguem mais filmes como este. Já estava a sentir a falta de qualidade dos filmes desta época, até aparecer este filme. Fiquei surpreendida pela positiva. Boa critica 🙂

  4. Bom, eu amo esse filme, de todos os indicados ao oscar, que alias vi todos, esse realmente é oq mais me tocou, e se como leiga em balet já o amava depois dessa critica passei a amar mais, porém se tudo é tão premeditado como explicar o desejo de nina por lily? Qual seria a relação disto para o paralelo feito com o Lago dos cisne?

  5. O desejo de Nina por Lily pode ser lido como o flerte de nossa essência alva e pura, previsível e pálida, ao corromper-se em sombras e escuridão, se tornando livre das amarras da perfeição. É uma maneira de enxergar também o conflito entre super-ego e id. Existem diversas leituras, todas válidas se bem elaboradas.

  6. Então, achei uma explicação bem plausivel durante minhas andanças pela net, e foi a própria natalie quem a deu, foi apenas um artifício usado para chamar o publico para as salas, haja vista que é um tema atual bastante discutido alias esse ano no oscar, deixa as pessoas curiosas, enfim, marketing, e apenas para constar não acho lesbianismo um conflito do super-ego com o id, e não há base psicológica para essa argumentação.

  7. Mas não disse que Lesbianismo é um confronto Super-Ego x Id. Trata-se de uma garota que desde criança tem sido infantilizada e sequer consegue expressar a própria voz. Uma pessoa "treinada" para ser racional e perfeita. Logo, o relacionamento (imaginário) com Lily não apenas seria uma maneira dela de romper quaisquer amarras com o "Eu" de antes como um grito à impulsividade. Portanto, sim, de uma certa forma (não me referindo ao lesbianismo, novamente), é um confronto de super-ego e id, o qual a personagem de Nina acaba por bem enxergando no relacionamento imaginário dela.

  8. OK, mas permita-me discordar, pela a explicação a respeito da repressão, mas não há estudos científicos que embasem essa afirmativa por meio de experiências sexuais, convenhamos ela imaginou com riqueza de detalhes, enfim, melhor deixarmos isto de lado, afinal vim e continuo voltando ao seu blog por que realmente gostei! Bom, você me faria uma gentileza? rs, me indique alguns filmes bons para baixar? Desde já agradeço!

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