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Crítica | Esposa de Mentirinha

Desde 1999 a produtora de Adam Sandler, a Happy Madison Productions, despeja atrocidades autointituladas comédias para a família nos cinemas e que revelam, invariavelmente, o mau gosto do fundador e da sua trupe de diretores, roteiristas e atores. Assim, para cada aceitável Como se Fosse a Primeira Vez são produzidas uma meia dúzia de bobagens como Tratamento de Choque, Click e Gente Grande e outra meia dúzia de calamidades como Little Nicky, Gigolô por Acidente, Animal, Joe Sujo, Garota Veneno… e esta última lista é tão grande que não caberia nesta crítica. Apesar de não figurar neste lista, o tolo e insosso Esposa de Mentirinha também está longe de ser uma mudança de ventos no rumo da companhia ou mesmo bonzinho como aquele primeiro título citado.

Refilmagem do engraçado Flor de Cactus de 1969, em que Walther Matthau interpreta um dentista que convencia a enfermeira vivida por Ingrid Bergman a posar de esposa para sustentar a mentira contada à personagem de Goldie Hawn. Transportado para os dias atuais de Dr. Hollywood, o roteiro de Allan Loeb e Timothy Dowling transforma o dentista do original em Danny, um cirurgião plástico bem sucedido de Beverly Hills e ideal para que Adam Sandler crie uma extensa galeria de infames piadas sobre deformidades plásticas, esgotando todas as piadas envolvendo botox e silicone por uma década.

Mas, se a mudança de ofício justifica-se pelo grande nariz de Cyrano de Bergerac, um crime da maquiagem na artificial prótese nasal, outras decisões dos roteiristas evidenciam a completa falta de inteligência da dupla. Katherine (Jennifer Aniston) não tinha filhos na versão original e, apesar de representarem alguns dos melhores momentos cômicos, também denunciam a inabilidade dos roteiristas em tornar verossímil a mentira contada, o que apenas reforça a pergunta da pequena Maggie: “Porque você não conta a verdade?”. Em outro momento, Katherine racionalmente apresenta um argumento interessante, pois se ela é a recepcionista e enfermeira de Danny, é inevitável que Palmer (Brooklyn Decker) descubra a verdade. Porém, Loeb e Downling sequer conseguem vislumbrar a ignorância em um crime que passa desapercebido debaixo de seus olhos, pois se Danny e Palmer desejam se casar no Havaí, como eles o fariam se Danny e Katherine não estão ainda divorciados?

Se todos os deslizes do roteiro denunciam a fraqueza, ou ao menos, a mediocridade, do projeto, o olhar dos roteiristas em enxergar referências é tão profundo quanto à maturidade de Palmer, assídua leitora da revista Seventeen e amante do N’ Sync, o que para uma pedagoga, é quase o homicídio da educação dos nossos jovens. Assim, as piadinhas relativas à Senhor dos Anéis ou Jogos Mortais, ou menções a Californication e Hannah Montana, revelam toda a infantilidade do projeto e explicam o porquê de, após apenas uma breve conversa na praia e uma noite de sexo, Danny se apaixonar perdidamente pela infantiloide Palmer. No entanto, não se esqueçam do nome dos protagonistas, da suposta mensagem passada pelo roteiro e do gênero ao qual a produção pertence antes de imaginar o desfecho clichê da narrativa.

Comandada por Dennis Dugan, cuja maior qualidade é deixar Adam Sandler fazer o que bem entender, a narrativa jamais encontra justificativas para se estender por quase 120 minutos. Temendo alongar-se ainda mais, o diretor insere um epílogo frouxo que pretende fechar as pontas soltas deixadas pela profusão de personagens e deixa a cargo do espectador a ingrata tarefa de imaginar a solução de todos os conflitos. A inspiração e criatividade do cineasta é tamanha que ele se permite não apenas uma, mas três cenas em câmera lenta em que os personagens caminham descompromissadamente em direção à tela.

Mas o que dizer de Jennifer Aniston, cujo timing cômico, talento e o corpo escultural aos 42 anos consegue por no bolso Brooklyn Decker, 20 anos mais nova, em uma cena de biquíni. Aliás, a atriz é hábil ao ilustrar em um breve e sutil olhar, enquanto fecha a porta do quarto de hotel, o arrependimento de quem queria poder declarar seu amor. Já os atores mirins Bailee Madison e Griffin Gluck são engraçadinhos e comprometidos com as caricaturas do roteiro, revelando-se espantoso como a jovem Bailee absorve de maneira consistente a composição britânica (e não me refiro apenas à fonética, e sim a todo o semblante e austeridade). E se Nick Swardson arranca risadas fingindo ser um criador de ovelhas alemão, Nicole Kidman surpreende em um momento inspiradíssimo na dança de hula.

Clichê desde o início nos acordes musicais óbvios ao estilo comédias de sessão da tarde, Esposa de Mentirinha prova que uma dúzia de risadas não faz um grande filme, mas impede, felizmente, que esta produção figure no rol das atrocidades destacadas no primeiro parágrafo da produtora de Adam Sandler.

Avaliação: 2 estrelas em 5.

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1 comentário em “Crítica | Esposa de Mentirinha”

  1. Márcio, quem não te conhece imagina um senhor de uns 45 anos, careca, barba alinhada, roupa engomada, bebendo um dry martini enquanto escreve suas ofensas a despretensiosas comédias românticas. Ah, mal sabem eles o quão diferente disso és. Mas bem, teu palavreado está tão semelhante ao de críticos de arte que já tô com vontade de te espancar. Mas concordo (em parte) com o que escreveste a respeito desse filme, realmente pouco ilustrativo. Realmente não achei o filme tão bom assim. Há uns 10 anos, era eu que aqui em São Paulo, aos fins de semana, saía de uma sessão de cinema e entrava imediatamente em outra. Ainda gosto (e muito) de cinema, mas a minha profissão me impede de fazer uma das coisas que gostava muito, e que deixei de fazer. Bem, realizo-me cinematograficamente em ti, como um pai se realiza em um filho.
    Parabéns pela maturidade na sétiam arte.

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