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Crítica | Sobrenatural


Fazer terror nas terras ianques tem se restringido ao pobre espectro das refilmagens dos clássicos de décadas passadas e ao formato de fita encontrada, vide Rec e Atividade Paranormal. Esta visão limitada, apesar de frustrar terrivelmente os fãs do gênero, abre espaço para o surgimento de obras que se destacam mais facilmente quando comparadas com os exemplares banais. Basta um menor comprometimento do diretor para retornar à época em que terror era sinônimo de dormir com a luz acesa e a porta do quarto aberta. Assim, o maior mérito de Sobrenatural é ser capaz de enviar o espectador apavorado para casa, ou pelo menos, inseguro, e mesmo não sendo um novo clássico no gênero, é competente o suficiente para se destacar.

Na primeira metade uma obra-prima menor do subgênero de casa mal assombrada, do qual fazem parte O Iluminado e Os Outros, o roteiro de Sobrenatural acompanha o cotidiano da família Lambert, de mudança para uma nova casa depois do filho Dalton entrar em coma. Concomitantemente, eventos estranhos se desenrolam na casa, e vozes, sussurros, rangidos e aparições se tornam mais frequentes como de praxe na produção do gênero. Céticos, porém sem ignorar os acontecimentos, os Lambert tomam uma decisão pouquíssimas vezes vista no subgênero: eles realmente saem da casa ao invés de esperar pelo pior acontecer. Neste instante, no começo da segunda metade, que a narrativa substitui a sutileza pelo fantástico (no estilo Além da Imaginação), tensão e sustos perdendo, infelizmente, boa parte do que o diferencia dos demais.

Dirigido por James Wan, a narrativa reduz a profundidade de campo e se aproxima dos personagens, convidando o espectador a interagir com aquela família e a testemunhar os eventos sobrenaturais à medida que estes ocorrem. Com a fotografia dessaturada de David M. Brewer e John R. Leonetti, que mergulha a narrativa em cores sem vida e pérfidas sombras, a trilha sonora incômoda de Joseph Bishara e seus acordes agudos e desafinados e a câmera cautelosa em um primeiro momento, crescendo em inquietação com o passar do tempo, James Wan transforma o espectador em vítima, não mero observador, dos acontecimentos na casa. Um envolvimento que existe desde o momento em que o título do filme toma toda a tela quase como se a estivesse possuindo.

Investindo nos personagens, o roteiro de Leigh Whannell (que também atua) torna imprescindível a sobrevivência de cada membro da família – embora os demais filhos do casal simplesmente sumam a partir de certo momento. Assim, Josh (Patrick Wilson) se mostra um pai atencioso no presente que leva ao filho e amável na despretensiosa conversa antes de dormir. Fugindo dos clichês ao ignorar o bom-senso e atender os pedidos da esposa, uma vez que não havia testemunhado nenhuma manifestação sobrenatural, Josh, mesmo incrédulo, verdadeiramente confia na esposa e isso faz toda a diferença na narrativa. Ela, Renai (Rose Byrne), sofrendo diariamente com os eventos aflitivos é a mais afetada emocionalmente e é fácil observar a sua fragilização contínua diante de nossos olhos. Até as crianças fogem do esteriótipo padrão e enfim têm medo de escuro e sonham apenas em ser super-heróis.

Apesar de James Wan não conseguir superar o vício de antecipar cada susto com acordes na trilha sonora – observe como seus melhores sustos são os mais despretensiosos -, o espectador completamente imerso no contexto diegético acaba encarando a aparição do rosto diabólico sobre o ombro de Josh e a imagem surgindo detrás do véu de um berço da mesma maneira que aqueles personagens fariam. O que acaba perdoando a juvenilidade de sustos telegrafados (alguém sempre está correndo no segundo plano) e inexplicáveis (a abundância de fantasmas com o único propósito de assustar cansa).

Entretanto, Leigh Whannell ao tentar justificar racionalmente o mal presente através de uma baboseira enorme acaba diminuindo irremediavelmente o impacto do longa. Dessa maneira, começamos uma viagem, literalmente, acerca de projeção astral, Além, visitantes e fotos sobrenaturais que introduzem ghostbusters caricatos e bugigangas, mas que ao menos não apelam demais para virarem só personagens engraçadinhos. A cena envolvendo a comunicação de uma médium é eficiente, entretanto, o sucesso até então garantido na primeira metade cede espaço ao juízo de aceitação do espectador do que está vendo. Pior, revela não tão irrelevantes furos do roteiro (não continue lendo se ainda não assistiu ao filme), pois se o objetivo dos visitantes era possuir o corpo vazio de Dalton porque as vozes surgem no rádio do quarto do bebê? Por que as aparições aterrorizam Renai? E como Josh e Renai poderiam ter ignorado os desenhos de Dalton?

Com um clímax fantasioso destoante do restante da projeção, Sobrenatural ainda é angustiante e macabro para ser muito acima da média da produção de terror.

Avaliação: 4 estrelas em 5.

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5 comentários em “Crítica | Sobrenatural”

  1. Não esqueçam de assitir "O Assassino em Mim". Este tem um clima denso, lento, mas tem um bom roteiro. As cenas de violencia são necessárias para mostrar a personalidade do protagonista. Muito bom.

  2. Eu assisti e gostei bastante do filme e confesso que não prestei atenção em tais furos. Achei ele, em certo ponto, "inovador" dentro do genero, por exemplo, familia que muda de casa, corpo mal assombrado, viagens astrais. E o melhor, SPOILER GIGANTE A SEGUIR, SE NÃO VIU O FILME E DESEJA VE-LO NÃO LEIA, eu jurava que o menino não tinha voltado para o corpo por ter mostrado só a aproximação da camera quando na verdade foi o pai que não voltou.

    Nota 9 em 10.

  3. Achei fantástica a ótica adotada nessa produção, ah, não se esqueçam da TRILHA que também é excepcional. Para mim este filme, juntamente com SKELETON KEY (no Brasil: A Chave Mestra) já são CLÁSSICOS.

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