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Crítica | Namorados para Sempre


Namorados para Sempre (Blue Valentine, Estados Unidos, 2010). Direção: Derek Cianfrance. Roteiro: Derek Cianfrance, Cami Delavigne, Joey Curtis. Elenco: Ryan Gosling, Michelle Williams, Mike Vogal. Duração: 112 minutos. Cotação: 4 estrelas em 5.

Antes um parêntese: a divulgação de um lançamento revela diariamente uma natureza mais predatória e uma certa ignorância e desonestidade somente voltada aos lucros. Veja no pôster ao lado como a publicidade pensou em tudo para vender este filme no dia dos namorados: o casal se beija apaixonadamente e domina a imagem, o título é rabiscado com um coração e a tagline “quando o amor estava se perdendo, a paixão voltou para atraí-los”. Não teria problema algum se este fosse um romance água com açúcar, mas não é! Trabalho denso, reflexivo e deprimente, Namorado para Sempre parece convidar os casais a terminar imediatamente seus relacionamentos após os créditos finais, em uma versão nada engraçada de outro filme sobre o mesmo tema, Separados pelo Casamento.

Chamado de Blue Valentine (algo como “Namorado Triste” e jamais volta a me referir ao título nacional), o roteiro escrito a seis mãos acompanha o desgaste do casamento de Dean e Cindy causado não por nenhum grande acontecimento (como, por exemplo, uma traição), mas vítima da rotina, de oportunidades perdidas, de palavras não ditas ou daquelas que deviam ter sido evitadas, da inação em provar o amor e do excesso também. Em suma, Blue Valentine não está interessado nas causas que provocaram o estado atual do relacionamento de um casal que se uniu jovem demais, mas em expôr o ressentimento de um para com o outro e os passos que conduzirão aquele outrora casal feliz a um trágico e abrupto fim.

Ironicamente, o diretor Derek Cianfrance acentua os problemas do casal introduzindo flashbacks que revelam como Dean e Cindy se conheceram. A paixão avassaladora, as brincadeiras no meio da rua e o amor incondicional que surgiu através do nascimento de Frankie. Esses contrastes funcionam também como espécie de humor negro que remonta àqueles momentos felizes apenas para, no plano seguinte, nos forçar a testemunhar abusos e ofensas. Eventualmente, as agressões mútuas, na forma de um simples olhar indiferente e do sarcasmo, acabam se transformando em um subproduto de Foi Apenas um Sonho, anestesiando o espectador e convertendo-o em um observador a distância e não alguém visceralmente envolvido na lenta e dolorosa morte daquele casal.

Nesse sentido, as opções de Derek Cianfrance por quadros mais fechados e uma abordagem intimista e próxima aos personagens ressaltam o tom documental auxiliado pela paleta azulada e depressiva da fotografia de Andrij Parekh, a trilha sonora melancólica de Grizzly Bear e a direção de arte de Inbal Weinberg banhada em formas desinteressantes e monótonas, auxiliando a reforçar aquilo que o diretor só insinua. Quando Dean convida Cindy a reviver os momentos de amor e paixão do casal em um motel, observe como as cores absorvem a nobre intenção, transformando o sexo em uma experiência mecânica, sem vida, deixada à cabo da inércia.

Muito embora o olhar analítico acabe roubando a emoção de acompanhar essa triste história de amor, Blue Valentine se beneficia bastante dos seus protagonistas, desglamourizando a situação e assumindo as feições do vizinho ao lado. Ryan Gosling, um dos atores mais interessantes da nova geração, aproveita a simbologia da calvície do seu personagem para representar a perda da masculinidade e a insegurança. As suas ações convergem em uma mistura de euforia e impulsividade, como nos eventos dentro de um hospital e nas reações de um ciúme no carro. E, apesar do rapaz continuar apaixonado por Cindy, algo inquestionável na narrativa, ele não consegue mais penetrar na fria barreira que ela impôs em todas as suas ações.

Similarmente, Michelle Williams tem uma atuação exemplar e calma, um oposto às ações de seu marido. Merecidamente indicada ao Oscar, a atriz se despe, literalmente, da vergonha, e exibe um corpo longe das curvas esculturais de Hollywood e maltratado por anos domesticada na função de mãe, esposa dedicada, dona de casa e principal fonte de provento da família. Admitindo os flertes recebidos de outros homens em uma espécie de escapismo do acúmulo da carga emocional que leva desde a adolescência, na figura do pai abusivo, ela parece sentir prazer em omitir o real teor de uma conversa com o ex-namorado, só para ter uma sensação ínfima de poder em relação a Dean.

Assumem-se muitas explicações para a indiferença e a falta de diálogo entre Cindy e Dean, e Blue Valentine acolhe as pequenas coisas do dia a dia até chegado o momento da saturação quando simplesmente nem a pequena Katie é suficiente para segurar e unir aquela família. Um retrato pessimista e extremamente real e destrutivo de muitas famílias modernas; mas um retrato que, pintado em tristes tons de azuis, não consegue fugir da sua tela, mantendo-se apenas uma obra a ser admirada à distância.

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1 comentário em “Crítica | Namorados para Sempre”

  1. este cartaz realmente foi uma jogada de marketing! saí do cinema abismada com a apelação em torno do dia dos namorados. o título e o cartaz nada têm a ver com o tema mesmo! parabéns pelos comentários!

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