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Crítica | Super 8

Super 8 (Estados Unidos, 2011). Direção: J. J. Abrams. Roteiro: J. J. Abrams. Elenco: Joel Courtney, Kyle Chandler, Elle Fanning, Riley Griffiths, Ryan Lee, Noah Emmerich. Duração: 112 minutos. Cotação: 4 estrelas em 5.

Os entusiastas cineastas Joe e Charles que, com sua câmera super 8 em mãos, decidiram produzir um filme de zumbis, representam com certa clareza o garoto que J. J. Abrams deve ter sido na infância. Nascido em um período rico em avanços tecnológicos, com a chegada do homem na Lua e as especulações relacionadas à alienígenas, e em uma época fértil da ficção científica nos cinemas, especialmente com o lançamento do ícone do gênero Guerra nas Estrelas em 1977, J. J. Abrams está confortável em explorar o gênero que lhe rendeu notoriedade. Depois das séries Lost e Fringe, e da direção de Missão: Impossível III e Jornada nas Estrelas, ele resolveu homenagear filmes como Contatos Imediatos do Terceiros Grau, E. T. – O Extraterrestre e Os Goonies que, não coincidentemente, tiveram o nome de Steven Spielberg associado de alguma forma. Injetando magia na frieza de Abrams, Spielberg ajudou a produzir uma das mais agradáveis surpresas do ano: Super 8.

Reconstruindo o final da década de 70 com satisfatória atenção a detalhes, o diretor de arte Martin Whist adiciona um pôster de Guerra nas Estrelas e uma miniatura da Millenium Falcon no quarto do jovem Joe que surge como uma versão mirim de Stan Winston. Ao mesmo tempo, detalhes como os flares de postes ou lâmpadas e o visual retrô dos figurinos e dos cortes de cabelos transportam a uma época em que os os efeitos especiais capengas e a maquiagem não impediam os cineastas de desenvolver plenamente a sua visão artística.

Nesse contexto de época, a mãe de Joe (Joel Courtney) sofre o acidente que o deixaria praticamente órfão, pois o pai Jackson (Kyle Chandler), apesar da boa vontade e do carinho, acaba incapaz de compreender as necessidade e os anseios do filho. Ao invés de incentivar os seus esforços e valorizar as suas realistas maquetes, Jackson prefere que o filho se inscreva nas férias em uma escola de futebol americano, falhando miseravelmente em manter um diálogo consistente com ele – curiosamente, Abrams parece reeditar o tema mais comum na filmografia de Spielberg: o relacionamento pais e filhos.

A falta de apoio do pai, porém, não impede Joe de se reunir com os amigos Charles (Riley Griffiths), Cary, Martin, e outros, além da talentosa Alice (Elle Fanning), nas filmagens de um filme de zumbis. Interessado em qualidade de produção, o jovem diretor Charles é o mais engraçado da narrativa, inconsequentemente, colocando a vida dos amigos em risco ao expô-los ao gigantesco acidente de trem que mudará toda a rotina dos habitantes de Lilian.

Revelando-se mestre em cenas de ação, J. J. Abrams transforma o acidente de trem em uma tortura ao esperar até o último momento para conceber a plenitude de um colossal acidente. Em primeiro lugar, e com bom humor, acompanhamos a primeira tomada da cena de despedida, enquanto em um terceiro plano vemos uma caminhonete branca acelerando. Depois, Joe observa algo estranho quando o veículo sobe nos trilhos do trem até a inevitável colisão e o acidente, cuja escala é diretamente proporcional à quantidade de vagões na composição. Finalmente, uma misteriosa criatura foge de um dos vagões ao mesmo tempo em que cubos espalham-se por todo o terreno e um destacamento do exército tome conta de toda a situação. Apesar da concepção perfeita, cortes precisos e a mise en scène adequada, a cena peca por um grande furo de continuidade, quando o carro que, anteriormente parecia atingido ou ao menos tinha sua saída bloqueada, tem caminho livre para a escapada.

Erro que J. J. Abrams não comete no excepcional ataque da criatura ao xerife, sua primeira vítima, construído com a destreza e os requintes dos principais cineastas de terror. Do plano aberto da tomada que é seguido da fuga de uma dúzia de cachorros (nunca um bom sinal) ao disparo involuntário da sirene do carro de polícia e à insuportável sineta da porta da loja de conveniências, os efeitos sonoros orgânicos acentuam o incômodo da cena que conclui no ataque da monstruosa criatura, cuja silhueta é sugerida, mas a aparência é convenientemente escondida pelo letreiro “Kevin”.

A habilidade que J. J. Abrams tem na condução da narrativa lhe falta na amarração dos subtítulos apresentados. Não é, por exemplo, que o tema pais e filhos soe piegas, mas que, naquelas circunstâncias ele acaba perdendo o apelo emocional que poderia ter. Da mesma forma, a trama de filme de monstro/alienígena é prejudicada pela dificuldade na compreensão das ações da criatura, como a conexão telepática ou o imã que constrói no subterrâneo da cidade com peças de microondas e de automóveis. Além disto, ele comete o mesmo deslize de Cloverfield, o qual produziu, em não explorar completamente o visual da criatura; e se naquele filme isto encontrava explicação na limitação do formato pseudo-documental, aqui parece contenção orçamentária que nos deixa apenas com silhuetas e suposições sobre a anatomia do alienígena, o que é frustrante.

E se o roteiro é esquemático na inclusão pouco convincente do vídeo da mãe ou na explicação da natureza da criatura e do seu vínculo com o Dr. Woodward, não se pode duvidar que J. J. Abrams encontra as soluções para os questionamento postos pela narrativa. Ele também é maduro não estendendo desnecessariamente o pedido de desculpas no terço final, ou mesclando a ingenuidade daquelas crianças, que embora ajam diversamente ao pregado pelo senso comum naquela situação, têm na amizade irrestrita de uns com os outros o coração do projeto.

Isso até me permite desculpar a trilha sonora pouco inspirada do colaborador habitual Michael Giacchino ou o final muito semelhante a uma versão sombria de E. T. – O Extraterrestre. Porque, muito mais do que um conto sobre alienígenas, esta é uma aventura de quem nasceu apaixonado pela ficção científica das telonas e que sabe muito bem distinguir onde ficam o cérebro e o coração. Falta muito (mesmo) para que Abrams atinja o talento de Spielberg, mas em Super 8 ele comprovou estar no caminho certo.

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2 comentários em “Crítica | Super 8”

  1. Nem percebi esse pôster de Guerra nas Estrelas no quarto haha, J. J. Abrams tem essa jogada de não revelar o monstro e deixa todo mundo (muito) curioso pra saber como ele é, ai no final ele aparece deixando todos surpresos, que nem no cloverfield.
    Boa crítica pia, abraço.

  2. Caramba, é tão bom assim? Poxa, fiquei impressionado com o texto. Imaginei que o filme seria algo mais mediano. Agora sim deu vontade de vê-lo. Amanhã tenho tempo. Vou ver Melancholia e Super 8. Heheheheh

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