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35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 2

8) Era Uma Vez na Anatólia (Bir Zamanlar Anadolu’da, Turquia/Bósnia Herzegovina, 2011). Direção: Nuri Bilge Ceylan. Roteiro: Nuri Bilge Ceylan, Ebru Ceylan, Ercan Kesel. Elenco: Muhammet Uzuner, Yilmaz Erdogan, Taner Birsel, Ahmet Mumtaz Taylan, Firat Tanis. Duração: 150 minutos.
A submissão oficial da Turquia para o Oscar de Filme Estrangeiro de 2012 é uma espécie de faroeste road movie de humor negro, que segue uma equipe composta de policiais, sargentos, médico e promotor que, nas estepes turcas, busca onde está enterrado o corpo de uma vítima. Dessa maneira, dois terços da narrativa acompanham as frustradas tentativas do grupo em se situar em uma paisagem uniformemente igual, estéril e insólita, à noite. Aliás, é bastante pitoresco como todos os locais em que o suspeito Kenan (Tanis) acredita ter desovado o corpo contenham indubitavelmente uma árvore retorcida e uma fonte.
Surpreendendo na forma com que conversas aparentemente banais prolongam-se no tempo e conteúdo e, despretensiosamente, arrancam o riso do espectador, o comissário Naci (Erdogan), ao contabilizar a quinta ida do promotor Nusret (Birsel) às moitas para urinar, começa praticamente uma consulta com o doutor Cemal (Uzuner), na qual o tópico é a próstata. Enquanto isso, a visita a um vilarejo isolado provoca os pedidos desesperados do líder local por um cemitério, mas o mais engraçado são os argumentos expostos pelo sujeito que, combinados com a menção aos problemas de eletricidade, é hilário exatamento por compreenderem aspectos diametralmente opostos uns dos outros. Aliás, parece fácil relembrar como o tom relaxado e trivial da empreitada tem como consequência grandes momentos de humor, como o que envolve a exumação de um corpo, os comentários precisos de um sargento e comparações a Clark Gable, e outro envolvendo melões e um cadáver!
O diretor Nuri Bilge Ceylan estabelece uma eficiente mise-en-scène na qual todos os personagens, sem exceção, especialmente os mais distantes no terceiro plano, realizam alguma tarefa, o que provoca divertimento (lembre-se dos melões) e enriquece cada personagem (Kenan, durante a exumação, jamais torna os olhos para o cadáver, como se estivesse envergonhado e arrependido do ato). Utilizando planos abertos para ilustrar a chegada do comboio há quilômetros na paisagem esquecida, Ceylan opta por encerrar tomadas fechadas, principalmente em Cemal, que se transforma no protagonista da narrativa desde quando testemunha com assombro um rosto esculpido na rocha.
A partir do terço final, onde se assenta na triste e dolorosa vida de Cemal, Era uma Vez na Anatólia perde a banalidade com que me conquistara. Embora Cemal seja trágico justamente por perceber que o ofício que escolheu (chamá-lo de nocivo naquelas circunstâncias sequer parece absurdo), não lhe permitiu salvar um ente querido (registrado com incrível sutileza), é a sua última decisão que finalmente o define; o que para uns soaria corrupto, para outros, piedoso. Mas, aqueles outros personagens, dos escavadores ao motorista guloso Arab, desaparecem por haver cumprido sua função na narrativa e, esse esquematismo realista, diga-se passagem, acabou diminuindo o impacto da narrativa.
Além disso, o ritmo lento da narrativa torna a experiência exaustiva, igual à busca realizada pelos membros do comboio. O que torna Era uma Vez na Anatólia um exemplar de grande qualidade técnica e narrativa, mas enfraquecido e frouxo.

7) Novo Mundo (Shinsekai, China/Japão/Malásia, 2011). Direção: Lim Kah Wai. Roteiro: Lim Kah Wai. Elenco: Shike, Ogawa Takeru, Miyawaki Yan, Tomonaga Komei. Duração: 100 minutos.
Eu nunca gostei de coincidências exageradas no cinema; as vezes, elas até servem aos propósitos do universo diegético da narrativa. Na maioria das vezes, porém, elas são como Novo Mundo, uma tentativa boba e inusitada de unir dois ou mais segmentos e personagens em um núcleo que, normalmente, estariam separados. Portanto, a história de uma garota rica, fútil e mimada da china, Coco, que deseja passar o ano novo em Osaka, falha desde o princípio em estabelecer as motivações da pesonagem principal cujo objetivo é conhecer uma árvore de natal maior que a de Pequim, conforme o motorista do seu esnobe namorado afirma.
Mas, se você pensou que a ida dela a Osaka provocaria um grande choque cultural, enganou-se. Afinal de contas, sempre existe alguém próximo que entende chinês e japonês, ou então, a linguagem de sinais é apropriada para transmitir as intenções da moça. E se o esforço do diretor Lim Kah Wai naufragava minuto a minuto, a história desanda de vez quando envolve a máfia chinesa, um gângster cujo destino é mais ridículo do que por uma bola de sorvete na testa e a criança Komei. Nesse momento, a narrativa fragmenta-se, e os personagens divididos em objetivos específicos (conseguir 5 milhões de ienes para pagar um resgate ou fugir de um sujeito suspeito) acabam esbarrando-se praticamente em uma ridícula perseguição nas ruas de Osaka (desconfio que Osaka tenha apenas 100 habitantes, o que explica como Ivy encontra Coco perambulando a noite no meio da rua).
Lim Kah Wai é tão ingênuo nas tentativas que, mesmo quando evita o encontro por questão de segundos, não consegue deixar de confirmar que sua única tentativa era fazer uma piadinha infame com o acaso. O roteiro, também de sua autoria, parece encontrar, convenientemente, um guarda-costas para resolver todos os problemas, um deus ex machina inconfundível e grosseiro. Finalmente, é inegável que o diretor perde a mão ao jogar Coco em uma realidade distinta da sua, esperando que a garota aprenda sobre as mazelas do mundo (ela achava que o Japão era mais desenvolvido por ter mais roupas de grife), assim como se situe adequadamente no contexto econômico chinês e na crise japonesa.
Fazê-lo no contexto de natal e de forma atabalhoada é mais grave ainda. E nem o hilário mendigo comunista – a única coisa boa que a narrativa possui – conseguiria salvar.
6) O Caminho para Casa (La Strada verso Casa, Itália, 2011). Direção: Samuele Rossi. Roteiro: Samuele Rossi, Daniela Mitta, Francesca Galli. Elenco: Cecília Albertini, Roberta Caronia, Giorgio Colangeli, Alessandro Marveti, Rita Montes. Duração: 81 minutos.
Anjos da guarda existem, e nem precisam de asas para nos resgatar da dor e amargura provocada pela perda ou doença de um ente querido. Me pareceu este o tema deste belo O Caminho para Casa, que acompanha três histórias distintas cada qual com o seu respectivo anjo da guarda e que, segundo a lógica de Iñaritu, se encontrarão no momento oportuno da narrativa.
A primeira destas histórias é a de Michelangelo, escritor que abandonou o ofício após a morte do pai. Introvertido, exceto no relacionamento com a irmã, a sensível Chiara, que é aquela que jamais hesitará de ver a felicidade do irmão de novo, ele acaba aceitando a proposta de emprego de Antônio, dono da fábrica onde trabalhava o seu pai. Por sua vez, Antônio tem seus próprios problemas em lidar com a perda da lucidez da esposa Marta, provocada pela morte prematura da jovem filha. Finalmente, Giulia é uma mulher que abandonou a filha recém nascida – que sequer nome tem – para cuidar do marido Massimo, em coma após um acidente. Morando no mesmo quarto em que ele se encontra e transformando aquele recôndito em um lar, Giulia dedica-se unicamente à recuperação do marido, acrescentando fotos, jornais e elaborando uma bucket list para quando (se) Massimo acordar do coma.
O roteiro de Samuele Rossi encontra um ponto de interseção das histórias nos corredores de um hospital e acaba pecando pelo excesso de exposição – era dedutível saber o que ocorrera com a filha de Antônio, por exemplo -, muito embora esta ocorra de maneira controlada e diegética na narrativa. Com a boa montagem de Giuseppe Cassaro e a direção simples de Rossi, as histórias desenvolvem-se de forma segura, fincando raízes nos corações do público (especialmente aqueles que lidaram com a perda), e encerrando com um epílogo bastante otimista e bem vindo como a luz de um novo dia.
O segredo de um bom filme, mais do que o caráter experimental ou inovador, é saber onde está o coração e deixar que o desenvolvimento honesto da narrativa e a naturalidade dos personagens, interpretados por atores homogeneamente bons, conquiste o público. Parece que Samuele Rossi descobriu rápido a lição!
5) Pater (Idem, França, 2011). Direção: Alain Cavalier. Roteiro: Alain Cavalier, Vincent Lindon. Elenco: Alain Cavalier, Vincent Lindon, Bernard Bureau. Duração: 105 minutos.
“Se é um filme, é real”. Experimentando (e brincando) com o público, Alain Cavalier e Vincent Lindon elaboram um ensaio sobre a política no oportuno e curioso Pater. Longe de ser uma unanimidade os dois não disfarçam a artificialidade da narrativa no sorriso descompromissado de Cavalier para o público, nos espelhos que denunciam quando um dos dois (Cavalier ou Lindon) atua como cinegrafista, e finalmente, no plano e contra-plano desenvolvido de maneira bem humorada, inclusive com atenção aos detalhes de decupagem e continuidade.
Por que eles fizeram isto? Associando o cinema à política e denunciando a ficcionalização desta, a narrativa encontra espaço para um conto moralista sobre a lealdade política e a tentativa de um homem idealista de superar os vícios do dinheiro que repercutem na sociedade moderna e sedimentam todas as diferenças as quais estamos carecas de conhecer. O roteiro de autoria de Cavalier e Lindon divide-se em dois momentos díspares, àqueles em que claramente os atores brincam de cineastas e outros em que a história é movida adiante. Consequentemente, é interessante como após decidirem fazer um filme sobre o poder político em um jantar descontraído regado a vinhos de Bordeaux, os dois possam se transformar em adversários políticos e divergirem em muitos institutos, como na proporcionalidade que julgam adequada do salário-máximo.
Assumidamente faux, o roteiro assume sua posição socialista, oriundo de bons franceses, no momento em que questiona a dependência do capital no mundo contemporâneo. Da mesma maneira, o relato de um jogador de futebol sobre “jogo de equipe” acaba construindo uma idéia que juro, jamais havia pensado antes, a de que mesmo nos treinos, jogadores de um time propositadamente machucassem outros para ganhar uma vaga no time titular e ascender mais rapidamente na cadeia alimentar capitalista.
Outro bom aspecto é a direção de arte que encontra espaço para inserir tacos de golfe na casa do Presidente (Cavalier), que afirma não deter quaisquer propriedades. Aliás, para um homem idealista como o Primeiro-Ministro (Lindon), é curioso sua predileção por jantares exóticos e vinhos caros. Portanto, são caricaturas divertidas dos políticos franceses (e de nossos, porque não?), construindo um relacionamento afetuoso que acabará transformando-se em um jogo de poder, cujo ponto mais alto é o pedido do Presidente de ao menos poder ligar para o amigo Primeiro-Ministro após tornarem-se adversários.
Ficcional, como todos os outros filmes do cinema, mesmo os baseados em fatos verídicos; e simultaneamente real, pois tudo o é, simplesmente por ser, um imperativo categórico filosófico. Você pode não gostar de Pater pelo que não é, mas duvido muito que torça o nariz para o que é, pois falar mal de política é quase uma paixão nacional e nesse sentido, Cavalier e Lindon estão de parabéns em por o dedo na ferida…
… nem que esta seja apenas de mentirinha!

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