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35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 6

25) O Levante (La Sublevacion, Argentina/Brasil, 2011). Direção: Raphael Aguinaga. Roteiro: Raphael Aguinaga. Elenco: Marilu Marini, Arturo Goetz, Luis Margani, Lidia Catalano. Duração: 90 minutos.

Idealizado como uma trilogia, frisado pelo diretor e roteirista Raphael Aguinaga no bate-papo após a sessão, O Levante é um doce, delicado e divertido trabalho de visitação à terceira idade e a derrubada dos medos e mitos que rodeiam este momento que virá para todos.
Assim, bastam 5 minutos para que Aguinaga contextualize o significado do asilo La Milagrosa para seus habitantes, com três elementos decisivos: o caixão, o abandono de Alícia (Marini) pela nora no meio da noite e a nostalgia do cheiro de um perfume ou do som de uma música saudosa. Não é difícil observar a ponta de melancólica daqueles homens e mulheres esquecidos por aqueles que deveriam acolhê-los incondicionalmente.
Estruturado em capítulos, a narrativa não opta por um fio condutor específico, buscando como catalisadores dois momentos fundamentais, as férias da bondosa e gentil enfermeira substituída por seu filho, apelidado de Bruxa, e os eventos envolvendo a clonagem de Jesus, a negação do Papa (retrucada com genialidade em determinado momento, “o Vaticano é capaz de qualquer coisa”) e a descoberta de que Ele está namorando uma mulher portadora do vírus da AIDS. Partindo dessa alegoria, O Levante é um trabalho sobre a fé e a esperança observado no entusiasmo daqueles(as) adoráveis velhinhos(as) diante da descoberta de um marco que é um divisor de águas nas suas vidas.
Reduzindo o universo da narrativa ao asilo, o isolamento transforma os personagens em uma enorme família, cada qual com características próprias: Juan (Goetz), genial e recatado em um quarto escuro e com a porta coberta por jornais; Miguel (Margani), conciliador e amigo de todos; e outros que o tamanho desta resenha previne de mencionar. Além disso, presos naquele lugar, o recebimento de notícias do mundo de fora é praticamente restrito a uma televisão, objeto de adoração na sala de estar, ou de um pequeno rádio com péssima recepção, o que torna a descoberta bizarra propulsora da narrativa em algo sujeito à descrença.
Recheado de tiradas que nascem espontaneamente, a leitura de um testamento diverte primeiramente por seu teor, e sobretudo, pela pessoa que o lê, uma religiosa fanática. As fofocas e os comentários dos corredores também provocam bons momentos, sobretudo quando envolvem algum aspecto da senilidade ou da terceira idade, especialmente na brincadeira com comprimidos de ecstasy (“não podem fazer mal se têm um sorriso em cima”).
Inteligentemente fotografado por Martin Legrand, usando uma paleta de cores que desbota e absorve as cores dos recintos do asilo, tornando-o com um aspecto envelhecido, e acentuando a iluminação na chegada de Alícia no local, o marco de muitas mudanças naquele lugar (o nome dela é suficiente para provocar alusões óbvias com a obra de Lewis Carroll).
Dirigido com sensibilidade e delicadeza, este é um belo trabalho de estréia de Aguinaga e, a contar pela sua simpatia e acolhimento ao término da exibição de seu filme, só me faz torcer para que ele consiga completar sua almejada trilogia. Pessoalmente, adoraria revisitar o asilo La Milagrosa e todos os seus adoráveis habitantes.

24) A Alma das Moscas (El Alma de las Mosas, Espanha, 2010). Direção: Jonathan Cenzuel Burley. Roteiro: Jonathan Cenzuel Burley. Elenco: Andrea Calabrese, Javier Sáez. Duração: 80 minutos. 

A Alma das Moscas é uma bobagem amadora da pior espécie possível, e basta observar que Jonathan Cenzuel Burley dirige, escreve, fotografa, monta e produz. É uma espécie de walk trip onde dois irmãos, Miguel (Sáez) e Nero (Calabrese) encontram-se pela primeira vez para o funeral do seu pai, poeticamente descrito e apresentado no belo prólogo como alguém “entristecido por ter visto tudo e não ter sentido nada”.

Com exceção dos 2-3 minutos iniciais e a linda fotografia em contra luz do pôr do sul, absolutamente nada se salva neste pretensioso nada cinematográfico. Pois, por um lado é um clichê absurdo e mal contado, por outro por não fazer o menor sentido na frouxa lógica narrativa.

A começar pela dupla de protagonistas, diametralmente opostos e cuja interação surge em diálogos enfadonhos e infantis. Em um deles, Nero deseja saber do irmão o cheiro e o gosto de sua esposa. Em outro, a palavra basílico é usada meia dúzia de vezes, e desde a primeira sem a menor graça possível. Assim, diante de um encontro implausível, e de um relacionamento muito mais, inexiste a âncora narrativa necessária para justificar a produção.

O roteiro, por sua vez, não faz o menor sentido e não é incomum ver os personagens caminhando em paisagens isoladas sem nada para comer ou beber. Pior é aceitar que os dois personagens iriam adentrar nesta roubada da maneira inocente e despreparada, pois mal sabiam da (in)existência de um trem para a cidade (porque não alugaram um táxi e me livraram desta tortura foi um questionamento incessante). Aliás, por que razões o carro de um carona fica no prego se, 1 minuto depois, ele volta a pegar com um empurrãozinho dos irmãos?
E, como todo road movie, a narrativa é episódica e tão interessante quanto os coadjuvantes que cruzam o caminho de Miguel e Néro. Nesse sentido, um narcoléptico, ladrões que não roubam pessoas de luto e a mulher do girassol (apresentada em uma sequência onírica plasticamente bela, mas sem qualquer propósito narrativo, o que fica claro quando Nero afirma estar varrejando os papéis deixados sem saber realmente o porquê de fazê-lo) não conseguem entreter ou serem razoavelmente importantes para a jornada, o que frustra as quase inexistentes expectativas.
Apresentando situações e elementos bizarros (um sofá vermelho) e falhando grosseiramente na continuidade de algumas sequências (a água turva rapidamente torna-se cristalina, ou a moto depois de algum tempo sem gasolina simplesmente começa a funcionar novamente), A Alma das Moscas nem explica para o que veio resumindo-se em uma grande perda de tempo.
Algo que é imperdoável e inadmissível em uma Mostra repleta de bons e mais importantes filmes.
23) Acorazado (Idem,  México/Espanha/França, 2010). Direção: Álvaro Curiel de Icaza. Roteiro: Álvaro Curiel de Icaza. Elenco: Silvério Palácios, Laura de la Uz, Enrique Molina. Duração: 97 minutos.
Silvério Palácios é um daqueles sujeitos inesquecíveis: baixinho, gorducho e com um bigode inconfundível, ele anda de ônibus na capital mexicana declamando um discurso proletário marxista e arrancando pesos dos gringos que são imediatamente gastos em jogos de azar com seus amigos locais. Habitando em uma família de cetáceos, piada que falha em compreender, Silvério passa as noites em casa decorando seu discurso ou furtando dinheiro escondido nos seios de sua esposa ou saindo com Rúben ou Manoela, um amigo travesti de infância. É um figura!

Seduzido a emigrar para os Estados Unidos, usando uma retórica de que é um fugitivo político do regime de Castro, o cara monta uma jangada usando um fusca velho, bóias e uma churrasqueira (!) para atingir a Flórida. Porém, Silvério segue o caminho errado e acaba na capital cubana, Havana, onde é absorvido como um herói pelo comunismo, ao afirmar justamente o oposto daquilo que ensaiara fazer na Flórida.

Acorazado é uma grande brincadeira pitoresca e curiosa que sobrevive exclusivamente em função do charme atrapalhado e bobo do seu protagonista. Mas, tecnicamente é um exemplar interessante graças à fotografia de Germán Lammers e da direção de arte que ajudam a apresentação da miséria mexicana e cubana e correlacionando-as. Aliás, considerando as habilidades de Silvério na lábia, parece natural não apenas que ele monte uma rede de amizade vasta – todos gostam de um bom bobo da corte, especialmente de bom coração -, mas também que se transforme em um muambeiro, numa linha narrativa que infelizmente acaba não levando a lugar nenhum.
E este é o maior problema de Acorazado, buscar um roteiro que seja suficientemente interessante para o seu protagonista. Logo, as tentativas de abandonar o bom humor e investir em um tom sombrio surtem ineptas, provocando um contraste preocupante no tom da história. Algumas piadas também já nascem fadadas ao fracasso, como àquele que ele faz a uma moça que confunde ser uma prostituta.
Embora aos trancos e barrancos, e abusando demais da simpatia de Silvério Palácios, este um exemplar mexicano bonitinho e engraçadinho, com um final satírico que podemos ver a léguas de distância.
22) Respirar (Atmen, Aústria, 2011). Direção: Karl Markovics. Roteiro: Karl Markovics. Elenco: Thomas Schubert, Karin Lischka, Gerhard Liebmann, Georg Friedrich, Stefan Matousch. Duração: 90 minutos.
A submissão austríaca para o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2012 é dos exemplares mais difíceis de se escrever. Não provoca suspiros e nem impressiona por algum aspecto narrativo ou técnico relevante, nem tampouco é decepcionante e descartável. Em outras palavras, é um filme que segue rigorosamente a cartilha da Academia, apresentando uma história bem feitinha, amarradinha e muito nhé e blá blá blá.
Roman (Schubert) é um adulto de 19 anos, abandonado pela mãe quando criança e que passou a vida entre orfanato, internato juvenil e, finalmente, no Centro de Detenção Juvenil, por um crime cometido há alguns anos. Introvertido e incapaz de se integrar na sociedade, Roman é admitido em um emprego no necrotério de Viena onde, com bom comportamento, poderá obter sua liberdade condicional. No entanto, um cadáver que leva o seu nome de família, Kogler, o leva a se indagar sobre o seu passado e a iniciar uma busca por sua mãe.
De certa forma, este trabalho assemelha-se a O Garoto da Bicicleta, exclusivamente no tocante às consequências do abandono de uma criança. Se no longa dos irmãos Dardenne, a personalidade delinquente de Cyril está a um passo de desabrochar, neste Respirar ela assumiu as últimas consequências que aparentemente sepultaram as chances de uma reabilitação satisfatória. As similaridades terminam aí, e o trabalho de direção de Karl Markovics é apenas adequado, construindo através de planos fechados e longos o desconforto de Roman em lidar com outros seres humanos.
O roteiro também de Marvokics procura explorar um paralelo entre a piscina, reduto onde Roman isola-se do mundo e dos seus conflitos, e a incapacidade do rapaz em respirar na sociedade, o que se mostra óbvio quando é praticamente induzido a beber uma cerveja no trem de volta à casa de detenção, mesmo sabendo ser proibida aquela ação.
Compondo Roman como um homem incapaz de posicionar-se corretamente ou de se impor, Thomas Schubert acaba empalidecendo diante de Georg Friedrich (Rodolf), colega de serviço cuja grosseria e estupidez é inversamente proporcional à maneira gentil com que trata os cadáveres, o que o tranforma em um mosaico de contradições, pouco exploradas pelo roteiro também.
Apesar de não ter visto os demais títulos austríacos que competiram com Respirar para representar as cores do país no Oscar, a verdade é que, diante de um estudo de personagem apenas correto, não é difícil imaginar que exemplares melhores eventualmente poderiam ter sido escolhidos para aquela honraria.

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