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35ª Mostra de Cinema em São Paulo – Dia 9

40) O Dominador (Haunters, Coréia do Sul, 2010). Direção: Kim Min-suk. Roteiro: Kim Min-suk. Elenco: Go Soo, Kang Dong-won, Choi Deok-Moon. Duração: 100 minutos.

O diretor e roteirista Kim Min-suk parece compreender em O Dominador que o segredo do sucesso dos grandes filmes de super-heróis reside na ameaça apresentada por seu nêmesis, o vilão. Assim, a narrativa deste longa confere um peso diferenciado à história de origem do ameaçador e frágil Cho-in (Dong-won), que descobriu ter o poder de controlar a mente dos outros olhando diretamente nos seus olhos. Munido deste, ele mata o abusivo padrasto e livra-se da mãe para viver uma existência isolada. Diante disso, é importante o plano que o coloca diante de um cardume de peixes, remontando a sua incapacidade de existir em seu próprio cardume, a sociedade.

Certo dia, ele invade a loja de penhores na qual Gyoo-nan (Soo) trabalha, apenas para descobrir que este não é suscetível a sua capacidade de controlar mentes. Além disso, Gyoo-nan apresenta um poder de cura surpreendente, algo que ele parece incapaz de compreender, o transformando no herói responsável para impedir Cho-in… evidentemente, que com um toque sul-coreano de ser!

Dessa maneira, ao mesmo tempo em que cria momentos memoráveis, como aquele em que Cho-in controla um prédio inteiro ou outro em um metrô, Kim Min-suk parece exagerar nos planos inclinados, que perdem toda a sua eficiência ao serem usados sem propósito narrativo. O diretor também exagera no aspecto trash da narrativa, logo, os closes sucessivos nos olhos de Cho-in enviaram-me diretamente a O Grito, enquanto o senso de humor exagerado parece incapaz de reconhecer a urgência da narrativa e o destino de alguns personagens bastante importantes.

Por outro lado, o filme evita vilanizar excessivamente Cho-in no restante do tempo em que não está focando os seus olhos, e o transforma em um sujeito trágico que, na figura de um boneco sorridente, esconde um sonho de poder ser igual a todos os outros. Ao mesmo tempo, a narrativa funciona como gênese de um super-herói falho, cujas as ações poderão render consequências interessantes no seu caráter em possíveis continuações vindouras.

Sobretudo, apresentando a dimensão dos poderes de Cho-in de maneira inteligente, levando-nos a temer pelo sucesso do herói, e culminando em um clímax empolgante, O Dominador é inequivocamente irregular, mas convence exatamente na obstinação clássica existente em todo super-herói de nunca desistir.


39) Habemus Papam (Idem, Itália/França, 2011). Direção: Nanni Moretti. Roteiro: Nanni Moretti, Francesco Piccolo, Federica Pontremoli. Elenco: Michel Piccoli, Nanni Moretti, Jerzy Stuhr. Duração: 102 minutos.

Nanni Moretti é um dos autores mais interessantes do cinema italiano, urgentemente precisando diminuir a sua vaidade e narcisismo. Afinal de contas, apesar de contar com uma premissa genial, Habemus Papam acaba vítima justamente da insistência do diretor, roteirista e ator em estar em cena nos instantes em que sua presença era desnecessária, sabotando diretamente os ótimos momentos de Michel Piccoli que, sempre que buscava refinar o excepcional personagem, é interrompido por uma sequência prescindível protagonizada por Moretti.

Durante o conclave para escolha do novo papa, o cardeal escolhido (Piccoli) parece não pronto para suportar a responsabilidade de carregar uma legião de católicos, sofrendo de depressão, crise nervosa ou, mais apropriadamente, “déficit de afetividade”. Incapaz de buscar uma solução internamente, o Vaticano convoca um psicoanalista (Moretti) para diagnosticar e ajudar o papa a lidar com a ansiedade e seus problemas. No entanto, prevenido de não mencionar sexo, o relacionamento com a mãe ou sonhos, em uma divertida passagem que ironicamente resume a profissão de psicólogo, o sujeito fica sem armas para lidar com a situação do papa. Pior é que, enquanto não conseguir retomar o estado de espírito do papa, o psicoanalista não poderá sair do palácio do Vaticano.

Com bastante bom humor, Moretti apresenta o conclave como uma enfadonha obrigação e honraria que ninguém que receber. Além disso, a falta de luz e a espiada discreta do voto do cardeal vizinho provocam fartos risos justamente por humanizar os cardeais e o Vaticano como um todo. Além disso, é inegável o esforço de Moretti em transformar aqueles homens de batina em seres doces e amáveis, especialmente o portavoz (Stuhr).

Todavia, uma decisão na metade da produção, apesar de conferir peso dramático ao papa e permitir uma decisão interessante e audaciosa do portavoz, prejudica irreparavelmente o ritmo principalmente porque Moretti continua-se julgando importante e imprescindível para a continuidade narrativa, quando não o era mais. Portanto, um campeonato de vôlei entre cardeais, divertidinho e bobinho, não tem absolutamente qualquer relevância à história contada.

Isso porque, Habemus Papam é muito melhor quando exclusivamente centrado em Michel Piccoli, com uma excepcional e feliz atuação. Diminuído no trono papal desde o momento em que foi escolhido, o papa é prisioneiro no seu próprio palácio, o frustrando por impossibilitá-lo de lidar com sua incapacidade de lidar com a responsabilidade. Reconhecendo uma juventude frustrada, por não ter seguido o sonho que traçara para si mesmo, Piccoli é especial justamente transformando aquele frágil e vulnerável homem em alguém bondoso, generoso e falho, o que, imediatamente poderia convertê-lo em um papa piedoso e justo.

Encerrando a narrativa corajosamente, Habemus Papam é um grande filme e uma comédia original, que é prejudicada pela vaidade de um Moretti incapaz de reconhecer a sua condição de coadjuvante.

38) A Casa (Dom, República Tcheca/Eslováquia, 2011). Direção: Zuzana Liová. Roteiro: Zuzana Liová. Elenco: Judit Bárdos, Miroslav Krobot, Marián Mitaš, Lucia Jasková. Duração: 97 minutos.

A Casa é um drama familiar lugar-comum acerca de Inrich (Krobot), um pai de família rigoroso, que constrói uma casa no quintal de sua casa para sua filha Eva (Bárdos). Obrigada a trabalhar na construção do seu próprio presente de 18 anos, Eva sonha em morar em Londes, envolve-se com um homem casado Jakub (Mitas) e acompanha o retorno da família de sua irmã Jana (Jasková) às proximidades do convívio.

O roteiro e a direção de Zuzana Liová pouco diferenciam este de muitos outros dramalhões recentes e mais interessantes. A metáfora da construção da casa e da fixação de uma residência não é suficiente atraente para entender o significado daquela garota de tornar-se independente do poder pátrio familiar. Nem mesmo os problemas financeiros vividos pelos personagens parecem obstáculos para o desenvolvimento narrativo, bastando ver que eles surgem em situações pontuais como um sapato que não pode ser comprado ou o não pagamento de um aluguel.

Para funcionar, Eva deveria ser minimamente interessante, e não o é. Parte pela descrição desta no roteiro, parte pela atuação de Judit Bárdos, que apesar de bela, é pouco expressiva e não consegue convergir os sentimentos de indignação, raiva, angústia, tristeza e alegria, parecendo uniforme durante toda a narrativa. Miroslav Krobot saí-se um pouco melhor, apesar da cara de poucos amigos determinar a sua atuação, transformando no clichê do homem duro e exigente que esconde um bom coração.

Comum, inclusive no retrato das roupas surradas e sujas de Inrich, ou na fotografia opressiva que esconde uma mudança sutil no plano final, A Casa é apenas um coadjuvante, incapaz de provocar sentimentos mais ferozes e distintos.

37) A Maleta Mexicana (The Mexican Suitcases, México/Espanha/Estados Unidos, 2011). Direção: Trisha Ziff. Roteiro: Trisha Ziff. Duração: 86 minutos.


A descoberta de três maletas, contendo 4.500 negativos, dos famosos fotógrafos de guerra Robert Capa, Gerda Taro e David Seymour (Chim), tirados durante a Guerra Civil Espanhola, é um dos marcos mais importantes para a história da fotografia e uma relato de coragem de três homens cujas armas usadas para batalhar o facismo do general Franco foram apenas a ousadia e as câmeras. Mais, esses três inauguraram o fotojornalismo de guerra, no qual fotógrafos colocam-se em linha de fogo, no meio dos combates, para buscar a verdade nua e crua dos fatos.

Nesse sentido, o documentário de Trisha Ziff não apenas converte aqueles homens em heróis e apresenta algumas dessas várias fotografias, como também discute a importância e a capacidade das fotos em mudar o mundo (imediatamente, me veio à cabeça a imagem da garotinha nua, correndo durante a guerra no Vietnã). Contando com bastante emoção e poder narrativa, a descoberta e luta pela guarda desses negativos, Trisha Ziff parabeniza os mexicanos pela decisão de abrir as portas do seu país para os refugiados espanhóis buscando uma nova casa e uma chance de recomeçar (inegavelmente, por contraste, isso critica a atual postura de fronteiras do governo norte-americano).

O documentário é enriquecido por depoimentos, por citações proferidas pelos heróis, “Se a fotografia não está boa, você não está perto o bastante”, e pela metáfora que diz que as memórias estão enterradas, refletindo na descoberta da maleta e, sobretudo, nos corpos exumados descobertos na Espanha, de pais e avós de cidadãos que apenas conhecem aquilo que lhes foi transmitido. Além disso, as fotografias são importantes por revelar a natureza cruel do governo franquista, e é de um cinismo revoltante como alguns países são incapazes de reconhecer as tragédias que eles mesmos provocaram.

Apresentando uma linda trilha sonora que confere a dramaticidade e a importância necessárias à história contada, as maletas mexicanas e a reinserção das fotos em contexto, glorificando o trabalho de Capa, Chim e Taro, transformam este documentário em um poderoso e envolvente retrato (com o perdão do trocadilho) da importância de se reconciliar e recordar o passado.

36) Tudo pelo Poder (The Ides of March, Estados Unidos, 2011). Direção: George Clooney. Roteiro: George Clooney, Grant Heslov, Beau Willimon (baseado na peça de Beau Willimon). Elenco: Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood, Jeffrey Wright. Duração: 101 minutos.

George Clooney é uma das personalidades mais interessantes do cinema norte-americano. Como ator, o solteirão cinquentenário opta por trabalhos desafiadores e distintos uns dos outros, enriquecendo seu currículo e conferindo-o relevância artística (é o caso de Um Homem Misterioso, Amor sem Escalas, apenas para citar os mais recentes). Como diretor, ele demonstra ter aprendido demais com Steven Soderbergh e os irmãos Coen, desenvolvendo narrativas envolventes, e sutil e visualmente inteligentes, privilegiando diálogos ágeis e o desenvolvimento apropriado dos personagens. Tudo pelo Poder, dessa maneira, comprova a qualidade de Clooney como ator, e especialmente como diretor, naquele que é o melhor drama político lançado em 2011.
Acompanhando as primárias do partido democrático no decisivo estado de Ohio, o roteiro escrito a três mãos apresenta o governador Mike Morris (Clooney) através de sua negação em submeter-se às alianças políticas com um senador corrupto (Wright) e, especialmente, nos seus discursos que parecem reproduzir fielmente as palavras Constituição e democracia. Dessa maneira, observamo-os defendendo a liberdade religiosa, o fim da pena de morte, pois “a sociedade é melhor do que o indivíduo” e criticando a invasão norte-americana a países do Oriente Médio. Esta aparente integridade política leva o jovem idealista Stephen Meyers (Gosling), secretário da campanha, a defender veementemente Morris. Porém, Stephen gradualmente mudará para lidar com as mazelas políticas e com a frustração de descobrir que seu candidato é um homem falho como os demais.
Desconstruindo alguns passos do sistema político norte-americano, é apresentado o esquema de votos no qual republicanos e independentes podem votar contra o candidato democrato que julgarem mais forte para disputar a corrida presidencial no final do ano. Também, a disputa por alianças estaduais e votos dos delegados transforma-se em uma guerra nos bastidores, e a venda de cargos públicos é lugar-comum como é no Brasil. A corrupção atinge os meios de comunicação, ilustrados na figura da repórter Ida Horowicz (Tomei), e sua voracidade por um furo de reportagem. 
É, todavia, nos bastidores que o cabo de guerra é disputado, e a batalha de assessorias é o ápice de Tudo pelo Poder. Apresentando um duelo restrito a poucos diálogos, infelizmente, Paul Zara (Hoffman) e Tom Duffy (Giamatti) mastigam seus pequenos, mas importantes, papéis. Este, retrata com fidelidade o político contemporâneo, não hesitando em manobras que, embora não lhe rendam lucros, provocam prejuízos a seu concorrente; por sua vez, Hoffman é quem tem nas mãos o personagem mais trágico, pois sua crença exacerbada no ideal de lealdade, é deveras incompatível com o cargo que desempenha. E, no tom manso alternado com a intensidade habitual de Hoffman, não é difícil enxergar as dores de uma punhalada invisível.
Por sua vez, se Clooney mantém-se às sombras, corretamente vendendo inequivocamente sua imagem, como o que faz qualquer político, Ryan Gosling apresenta um arco dramático melancólico, justamente por descobrir quão infectado pode-se estar pelo vírus da política Do olhar bondoso e esperançoso ao sarcasmo quando profere a “única regra que não pode ser quebrada” e ao olhar cínico, seu Stephen Meyers carrega um peso enorme nas costas, agindo determinado conforme julga necessário, apesar das consequências trágicas de alguns de seus atos. Finalmente, Evan Rachel Wood comprova porque ela, diferentemente de sua sósia Kristen Stewart, tem tanto potencial dramático.
Dirigido por segurança por Clooney, Tudo pelo Poder apresenta uma narrativa que, após posicionar as peças nos seus devidos lugares no tabuleiros, é ágil, fluida e intensa. Compondo quadros que parecem contradizer e descrever melhor os personagens, observe como o sutil reflexo do monitor de televisão com o discurso de Mike Morris é o bastante para começarmos a questionar a integridade do sujeito. Por falar em reflexos, Clooney os usa muito bem, como na cena em que apresenta Hoffman refletido na janela detrás de Gosling, como se acompanhasse cada um dos seus atos. Finalmente, a mise-en-scène estabelecida é crucial, como na confissão no quarto de hotel e saída para o segundo plano de um auxiliar.
Enfatizando, de maneira melancólica, a completa transformação de seu herói em um movimento de câmera genial, Tudo pelo Poder apresenta-se como um dos raros filmes em Hollywood que entretém e faz pensar. Sobretudo, um drama político maiúsculo com um elenco excepcional e um diretor no auge de sua forma.

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