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Não Tenha Medo do Escuro

Não Tenha Medo do Escuro (Don’t Be Afraid of the Dark), 2010, Estados Unidos/Austrália/México. Direção: Troy Nixey. Roteiro: Guillermo Del Toro, Matthew Robbins (baseado no roteiro de Nigel McKeand). Elenco: Katie Holmes, Guy Pearce, Bailee Madison. Duração: 99 minutos.
Crianças são as piores protagonistas de histórias de terror e a Sally de Não Tenha Medo do Escuro é mais um exemplo do que acontece quando se mistura a curiosidade e a ingenuidade de uma garotinha com o isolamento proveniente de um trauma, no caso o divórcio dos pais. Agindo com tudo, exceto racionalidade, a jovem, carente de amigos, insiste em libertar as criaturas que habitam nos interiores da mansão onde vai temporariamente morar junto do pai Alex e a madrasta Kim, apenas para descobrir que elas não eram as amigas que ela tanto procurava. As ações de Sally lembram as de Ofélia, de O Labirinto do Fauno, outra protagonista de um filme de Guillermo Del Toro, na busca de uma distração escapista e fantástica de uma realidade da qual não poderia fugir, e na incapacidade de agir conforme regras do bom senso ou seguir instruções, como a de não banquetear de determinadas frutas e iguarias.

A propósito, outra curiosidade liga este a uma obra de Del Toro: a natureza das criaturas que habitam os escuros recônditos da mansão. Se Hellboy 2 sugeriu na sequência inicial o ataque de fadas aladas que devoravam estruturas calcificadas, leia-se dentes; neste, o produtor e roteirista escancara de vez e desenvolve a versão macabra de uma lenda tipicamente norte-americana, a fada dos dentes. Muito emboras as criaturas de Não Tenha Medo do Escuro nada parecerem com as fadas do imaginário popular, e sim, com trolls miniaturizados.

Baseado em um filme feito para televisão em 1973, o roteiro escrito por Del Toro e Matthew Robbins não economiza nos clichês do gênero, como a descrença do pai nas histórias da filha, e esquece de demonstrar sagacidade e inteligência nos momentos pontuais que certamente fariam a diferença, o prólogo simplesmente despedaça quaisqueir chances maiores que a produção tinha.

O roteiro aliás, permite diversos questionamentos a partir de um conceito basilar: a vulnerabilidade das criaturas à iluminação intensa. Logo, por que elas não raptaram Sally no momento em que ela abre a grade, quando estava sozinha e sem proteção? Por que Harry, o guardião do local e conhecedor das histórias, desce para o porão munido de uma única lanterna que não consegue iluminar sequer dois palmos adiante? Finalmente, depois de soltas, porque as criaturas insistem em anunciar sua presença com sussurros ou ataques-solo, e não partem logo para desligar as luzes da casa e cumprir o intento de abduzir Sally? É verdade que essas perguntas são acompanhadas de um bom suspense, mas é impossível ignorar quão óbvias elas são e mergulhar no universo diegético completamente.
Por outro lado, a direção do estreante Troy Nixey, certamente com um dedo de Del Toro, acerta nos elementos inerentes ao gênero e produz interessantes sequências assustadoras, das quais a minha favorita é o desenrolar do lençol da cama que, apesar de óbvia, é eficiente o bastante para arrancar gritos de metade do cinema. Um ataque na banheira, o assédio dos monstros durante um importante jantar e o ataque final também funcionam e compõem o que de melhor há na narrativa. Evidentemente que, não apenas de sustos sobrevive um bom terror, e não consigo compreender como aqueles pequenos seres conseguiam bloquear as portas ou agir como uma versão (ok, macabra de novo) dos habitantes de Liliput. Eu também reluto em admitir que Kim abandonaria a enteada no momento de maior terror ou na desnecessária ida a uma biblioteca municipal que, como de praxe, tem todas as respostas que alguém procura (ao menos, existe uma brincadeira por trás da eficiência do bibliotecário, como se aquele lote fosse o mais buscado).

Atmosférica, a fotografia de Oliver Stapleton remonta a imponência da mansão em establishing shots oportunos na luz do luar ou no crepúsculo, e acerta na escassa iluminação de luzes de velas, lanternas e um peculiar abajur. Destaca-se a direção de arte de Roger Ford, cujo pórtico de entrada e o porão destacam-se pelos mistérios que escondem, e os efeitos sonoros, incluindo o incômodo ranger de tábuas ou o andar das criaturas nas tubulações de ar da mansão. 
Finalmente, a intensa e eficiente trilha sonora da dupla Marco Beltrami e Buck Sander tem um ritmo inteligente nas suas notas desafinadas ou nos instrumentos de corda clássicas, povoando a narrativa desde os criativos créditos iniciais. Além disso, Troy Nixey usa-a muito bem e de maneira constante, evitando o aborrecido recurso de antecipar o susto usando um acorde mais alto.
Mas, para que Não Tenha Medo do Escuro funcione, é necessário o envolvimento com aquela que é a maior vítima do ataque: Sally. E é compreensível que a garota aja de forma introvertida o que a jovem Bailee Madison faz com um adorável biquinho escondido debaixo de grandes bochechinhas. No entanto, as ações da garota facilitam demasiadamente os planos das criaturas, especialmente se considerarmos que bastaria acender as luzes de um cômodo para cessar os ataques! Guy Pearce e Katie Holmes não ajudam e acomodam-se nos tipos tradicionais de obras similares: ele, preocupado mais com o trabalho do que com a saúde (física e mental) da filha; ela, esforçando-se para ser uma boa madrasta. Mesmo assim, a decisão de Kim nos minutos finais enriquece a personagem cujo maior defeito é ser interpretada por uma chatinha e cada vez mais inexpressiva Holmes.
Não Tenha Medo do Escuro tem bons sustos e uma atmosfera convincente de terror, justificando a assinatura de Del Toro, mas provoca questionamentos demais das ações dos seus personagens e ultimamente falha por um motivo inevitável: o simples acender de luzes na sala de cinema basta para afugentar os monstruosos trolls do dente de Liliput! 

Eis uma descrição que faz jus à narrativa.


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4 comentários em “Não Tenha Medo do Escuro”

  1. Cara, eu acho que todos os seus questionamentos em relação á implausibilidade do roteiro podem ser respondidos com o fato de a intenção clara dos roteiristas ser a de explorar propositadamente os clichês do gênero "filme de casa mal-assombrada". Isso isenta o longa de sua obviedade? Não. Mas, por outro lado, acaba divertindo em alguns momentos – um processo de auto-paródia que já se repetiu inúmeras vezes na história do horror (daqui a pouco vão ser os mockumentaries, você vai ver).

    Do mais, é isso aí mesmo. Se bem que um filme com cenas medonhas como a do lençol e a da banheira não pode ser considerado ruim, vá! Hahaha.

    Abraço!

  2. Sim, concordo em partes. Mas, por exemplo, Sobrenatural fez um trabalho muito melhor e mais consistente.

    Aliás, nem achei um filme ruim. Apenas não gostei. Tem seus momentos.

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