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O Preço do Amanhã

O Preço do Amanhã (In Time, Estados Unidos, 2011). Direção: Andrew Niccol. Roteiro: Andrew Niccol. Elenco: Justin Timberlake, Amanda Seyfried, Cillian Murphy, Olivia Wilde, Matt Bomer, Alex Pettyfer, Vincent Kartheiser. Duração: 109 minutos.
Abrindo a narrativa com as seguintes palavras de um personagem, “Eu não tenho tempo”, O Preço do Amanhã segue o manual do guru Philip K. Dick para desenvolver uma satisfatória ficção científica: convida o público a conhecer um futuro não tão distante do nosso, sugerindo uma alegoria do mundo contemporâneo a partir da reflexão sobre uma sociedade distópica e desigual confrontada pelo protagonista Will Salas após  perder tudo o que mais amava. Ele também apresenta o fértil conceito do tempo de cada um ser usado como moeda e alicerce da sociedade, provocando salutares questionamentos. Mas, o abastado autor mencionado decepcionaria-se ao descobrir que uma interessantíssima premissa é usada como desculpa de um thriller meia-boca que integraria sem problemas o subgênero dos “filmes premissa“, que neste ano tem como integrantes honoráveis Sem Limites e Os Agentes do Destino. Demonstrando, inclusive, descaso com operações básicas de subtração e divisão, o filme não consegue justificar sua idéia de valorizar cada segundo, pois sequer consegue estabelecer coerentemente quanto dura o seu tempo.

No futuro, a ciência descobriu como interromper o envelhecimento aos 25 anos de idade e o tempo é a principal moeda de troca para sobreviver e cumular riquezas. Depois de receber a doação de mais de um século de vida do misterioso Henry Hamilton (Bomer) e testemunhar o esgotamento do tempo de sua mãe, Will Salas (Timberlake) começa a ser perseguido por agentes do tempo por um crime que não cometeu e, junto com Sylvia Weis (Seyfried), filha de um magnata, parte para combater a organização que controla o futuro das pessoas. Falhando em responder as perguntas basilares que a premissa suscita (o que é o relógio que os habitantes têm no braço?, como ele é instalado em cada um?, por que 25 anos?), o roteiro de Andrew Niccol (Gattaca, O Show de Truman) contenta-se com os curiosos elementos introduzidos, como a mesada dada por Rachel (Wilde) ou a lojinha de 99 segundos, e apresenta a geografia da região em Fusos Horários, espécies de bairros separando ricos dos pobres. Assim, alcançar New Greenwich (fuso 4) é um sonho impossível de concretizar com o escasso tempo que os habitantes do gueto de Dayton dispõe.

Embora pouco lapidado, o roteiro instiga indagações pertinentes e alegorias com a sociedade hodierna que apesar de óbvias, enriquecem a narrativa. Dessa forma, a desigualdade na distribuição de tempo entre os fusos horários, onde uns poucos lucram com o sofrimento de muitos, escancara a ganância de quem detém a riqueza no “capitalismo darwinista” da nossa sociedade consumeirista. Cutucando o culto à vaidade, a partir de personagens sempre jovens e belos apesar da idade avançada, é curioso observar que este Peter Pan às avessas leva-nos a questionar a incapacidade da humanidade de conviver em uma sociedade igualitária e justa. Buscando não se restringir ao universo social, a narrativa adentra na espiritualidade e a aceitação da mortalidade como algo bom e natural ao ser humano é sugerida, apesar de pouco explorada na figura de Henry Hamilton. E como não se maravilhar que a transferência de tempo entre pessoas tenha os mesmos efeitos sonoros de uma batida de coração?
O que apenas aumenta a decepção de verificar que Andrew Niccol rende-se ao tom genérico e expositivo de uma centena de outros exemplares incorretamente chamados de thrillers, observado na necessidade que o agente do tempo Raymond (Murphy) tem de ressaltar o hábito de Will de correr para ganhar tempo (algo que o espectador compreenderia pelo contraste de vê-lo correndo enquanto os outros em New Greenwich caminham despreocupadamente). Acrescentando bobagens como o momento que Will ensina Sylvia a usar uma arma, e diálogos óbvios, especialmente aquele que ele questiona “Como você aguenta ver todo mundo morrendo?”, e ela responde, e consigo imaginar os suspiros, “Nós fechamos os olhos”, Andrew Niccol é incapaz de amarrar o encontro de Fortis (Pettyfer) e Will, valendo-se de uma coincidência improvável e tola. A propósito, a subtrama envolvendo Fortis e os Minute Man (qualquer semelhança com Watchmen é mera coincidência), é completamente desnecessária e poderia ser facilmente abandonada na sala de edição.
Igualmente desinteressante é a direção de Niccol que entre burocráticas cenas de perseguição de carro e perseguições, tem seu ápice em uma queda de braço cujo resultado é telegrafado em uma conversa de Will e Sylvia (como quase todo o resto do roteiro). Incapaz de estabelecer a geografia de Fusos, apesar de orgulhosamente expor o gigantesco mapa da cidade, a viagem de ida de Dayton para New Greenwich não corresponde à de volta estabelecida no clímax, causando confusão sobretudo quando os personagens são cobrados em alguns postos de fronteiros, e em outros não. Igualmente deficiente é a abordagem temporal do longa, e as horas e minutos nos braços de cada um começam a assumir uma lógica própria e incoerente. Assim, após ser deixado com apenas 2 horas no braço pelos agentos do tempo, Will sequestra Sylvia na festa de seu pai à noite e aparece com pouco mais de 1 hora pela manhã; ou, ao pegar a cota diária de uma viatura e dividir com Sylvia, ele continua aparecendo com 1 dia no braço (o correto seria 12 horas).

Por outro lado, a fotografia de Roger Deakins, colaborador habitual dos irmãos Coen, apresenta uma lógica visual inteligente, estourando a imagem para acentuar a vida agitada de Dayton ou investindo em em azul desbotado e sem vida em New Greenwich. Por outro lado, a direção de arte de Alex McDowell apresenta elementos óbvios (a ampulheta na casa de Philippe Weis) e pouco explora o pano de fundo futurísta. Pouco convincente, os efeitos especiais além de grosseiramente apresenta um acidente de carro do ano, momento em que a narrativa começa a desandar, restringe-se a povoar o cenário desinteressante, com edificações analogamente desinteressantes.
Justin Timberlake é competente em trajar a roupa de herói de ação, elemento que prescinde de maiores habilidades artísticas. O mesmo não se pode dizer do seu par romântico interpretado por uma insuportável Amanda Seyfried. Garota mimada cujo arco dramático é acordar do transe da riqueza em que vive, ela despeja pérolas toda vez que abre a boca (“Nós vamos morrer”, “Pare o carro que eu quero descer”) e não consegue acrescentar absolutamente nada, a não ser uma rasa historinha de amor. Prejudicado também toda vez que Alex Pettyfer entra em cena, cuja composição de alguém de 75 anos beira a estupidez de um filhinho-de-papai do colegial, ao menos a narrativa conta com a presença segura de Cillian Murphy, e é uma pena que ele se despeça de uma maneira tão brusca e aclimática da narrativa. Encerrando o elenco, gostei da presença de Vincent Kartheiser (Philippe Weis), na figura de um homem inerte e apático, mais condizente com a idade que possui.
Falhando em responder as diversas perguntas de sua narrativa, e interessado exclusivamente em ser mais um filme de ação do que explorar plenamente a sua premissa (basta observar que apenas é sugerido Fusos mais adiantados que o 4), O Preço do Amanhã é tão genérico quanto o seu título nacional, desprovido da sutil amnbiguidade daquele norte-americano.
Quanto a mim, melhor seria complementar a frase de abertura do longa: “Eu não tenho tempo… para tanta besteira”.

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8 comentários em “O Preço do Amanhã”

  1. Quando vi o filme, tive a impressão que, quando ele entra no cassino, aposta mais tempo do que tem. Ia escrever isso na minha crítica, mas não tive certeza e por isso deixei de lado. E mesmo se ele tivesse todo aquele tempo para apostar, é ridiculamente improvável que, apostando uma "quantidade de tempo" redonda (isto é, 100 ou 200 anos), lhe sobrasse apenas segundos.
    O interessante é que eu fui sendo levado pelo filme… Só lá pro fim que comecei a me dar conta como tava inconsistente tudo que tinha sido apresentado até então. Não chego a achar a Seyfried irritante, mas é um completo zero à esquerda.

    Abraço

  2. Eduardo, essa foi uma das coisas que eu ia comentar na crítica e deixei passar. Realmente a cena do pôquer é muito mal feita, aliás, tudo no filme é feito com muita preguiça, muito desleixo. Como se jogar o conceito e a premissa bastassem. Mas, para mim, nada superar o Will ter 2 horas, sofrer aquele acidente, passar o dia desacordado e acordar com 1 hora.

    Quanto a Amanda, eu achava ela fofa e encantadora em Mamma Mia, mas comecei a rever meus conceitos, ela é uma espécie de Sid da Era do Gelo loira 🙂

    João, ultimamente me sinto o Pablo na época que ele era atacado por Crepusculetes rsrs. Ossos do ofício? Segue a dica do honorável mestre? Caderninho na mão, esqueleto da crítica no BLOG e depois só rechear! As vezes a inspiração vem e tá lá no ponto!

  3. Então, mas além dessa dos clássicos, só conversamos sobre um projeto, que foi aquele para juntarmos o pessoal de cinema e compartilharmos os espaços, etc. É que depois tivemos a Mostra, e eu tive 3 viagens seguidas uma da outra, e nem falamos mais.Podemos voltar com esse. E gostei do Nahud também.

    Mas vamos fazer isso para o próximo ano? Estou mudando algumas coisas nas estruturas do blog e os projetos mais ousados poderíamos deixar para 2012. O que acha?

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