Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

Sugestões: Tarde Demais

Tarde Demais (Beautiful Boy, 2010, Estados Unidos). Direção: Shawn Ku. Roteiro: Shawn Ku, Michael Armbruster. Elenco: Michael Sheen, Maria Bello, Kyle Gallner, Alan Tudyk. Duração: 100 minutos.
Até onde se estende a responsabilidade dos pais pelas atrocidades cometidas pelo filho universitário? O que levou o garotinho que brincava entusiasticamente na praia nos vídeos caseiros da família a se transformar em um jovem niilista, abatido e emocionalmente derrotado? A rígida educação e o envolvimento da família nos afazeres diários do filho não são suficientes para o desenvolvimento pleno desse no âmbito social, urgindo o preenchimento de uma variável inominada, de cunho exclusivamente sentimental, capaz de agregar a dimensão humanitária essencial para superar as mazelas da vida moderna e do convívio em sociedade. Esses são algumas questões e posicionamentos que o diretor e co-roteirista Shawn Ku propõe-se a explorar no drama intimista Tarde Demais.

Bill (Sheen) e Kate (Bello) são um casal à beira da separação, surpreendidos com a notícia de que o filho único Sammy (Gallner) cometeu um assassinato em massa na universidade onde estudava antes de tirar a sua própria vida. Muito mais do que digerir a perda do filho e lidar com as pressões internas e externas, Bill e Kate meditam acerca dos percalços nos 18 anos de vida de Sammy que o transformaram em um autêntico monstro. De quem é a culpa: de Bill, emocionalmente distante e calado, incapaz de expor seus sentimentos e amor; ou de Kate, exageradamente superprotetora e sensível? Nesse dilema imposto por Ku, as palavras são inexoravelmente desnecessárias, abrindo espaço para a contemplação daquela tragédia familiar e social. Assim, os diálogos e embates verbais materializam a dor da perda e a frustração de não terem conseguido cumprir as obrigações da paternidade. No entanto, diálogos jamais conseguiriam captar o desespero de um atônito Bill, no segundo plano, ao observar a reação da esposa enquanto recebe as más notícias.

Nesse sentido, é louvável o esforço de Ku de afastar a hipocrisia quando os pais reconhecem, dada as suas ressalvas, a natureza monstruosa das ações do filho. Envergonhados, apesar de amarem incondicionalmente a memória de Sammy, Bill e Kate não hesitam em apresentar suas desculpas em rede nacional e abaixar a cabeça nos comentários de ódio retratados em diversas mídias da sociedade, afugentando conflitos inúteis e admitindo a sua responsabilidade. O perfil da rede social é inundado de mensagens raivosas e ofensivas, os telejornais expõem uma visão banhada em animosidade, os planos detalhe de jornais, vídeos na internet e comentários sobre a personalidade “quieta e reservada” de Sammy, não permitem que Bill e Kate consigam esquecer (se é que isto é possível).

Refugiando-se na casa de Eric (Tudyk), irmão de Kate, por determinado período de tempo, e viajando a Miami para as férias marcadas antes do incidente, o microuniverso estabelecido é reduzidíssimo (como deve ser) com a predominância de planos fechados. A separação auto-imposta na vida do casal, que sequer dividia o mesmo quarto, prenúncio de um divórcio inevitável, acaba cedendo lugar a união e apego e, uma pequena janela se abre, na sugestão de uma possível reconciliação.

Assim, é correto que a fotografia de Michael Fimognari invista na superexposição da imagem, adentrando a sua luz na intimidade de Bill e Kate, e explorando minuciosamente pequenas fraturas fruto de décadas de uma união amargurada. Simultaneamente, a predominância de tons azuis (muitas vezes proporcionado pelos raios emanados da televisão) e o grão grosso da fotografia conferem, respectivamente, a tristeza e o aspecto praticamente documental no relato dos acontecimento. Este, eventualmente, é fortalecido pela câmera em mãos registrando no trepidamente da imagem a urgência e as menores mudanças no semblate paterno: o abatimento e as olheiras de Kate ou os ombros caídos e a palidez de Bill.
A composição de quadros também é rica em detalhes, e a presença de um porta-retratos, no canto inferior esquerdo, distante do ponto de fuga, justifica o porquê dos pais buscarem uma luz, nem que seja aquela artificial de dois abajures na cabeceira da cama. Outrossim, a escolha de nomes tão comuns para os protagonistas reforça a ordinariedade daquela família, igual a qualquer outra suburbana norte-americana, na dimensão ampla e apelo universal da narrativa.
  

(pequenos SPOILERS adiante)
Infelizmente, Shawn Ku comete alguns tropeços de iniciante – é o primeiro longa metragem do diretor, bem como a primeira narrativa escrita por ele e o co-roteirisita  Michael Armbruster -, e a presença de um jornalista sugerindo alguma espécie de retribuição amorosa da fragilizada Kate ou o abraço de uma vizinha cujo filho sobreviveu à tragédia (como informa o diálogo mais desnecessário do roteiro) ilustram o receio do roteirista em aprofundar-se em temas difíceis. E me pergunto, seria a vizinha capaz de reproduzir a mesma ação se o seu filho estivesse entre as fatalidades?
Mesmo pecando pontualmente, Tarde Demais é um esforço genuinamente dramático, evitando entregar-se ao maniqueísmo manipulativo, e trazendo uma conclusão estarrecedora consequente à destruição do vídeo post mortem de Sammy: é injustificável as ações do jovem, porém suas últimas palavras traduzem a ânsia dele por perdão.
Para essa demonstração de humanidade e abnegação, nunca é tarde demais.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

3 comentários em “Sugestões: Tarde Demais”

  1. Desde que o trailer desse filme foi divulgado, fiquei bem interessado sobre a história. Queria ver qual seria o posicionamento do roteiro. Concordo quando diz que o diretor comete alguns tropeços, para mim faltou um pouco de "conflito". Contudo, isso também permitiu que o longa fosse totalmente focado nos personagens de Bello e Sheen, ambos em grande momento.

  2. Já tinha lido umas coisas esparsas a respeito desse filme, mas nenhuma resenha com tanta propriedade. Fiquei verdadeiramente interessado no que você resenhou e com certeza vou me informar a respeito desse filme, justamente para conferir o que, pelo que entendi, pode ser uma obra dramático-reflexiva muito válida!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Rolar para cima