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Grandes Diretores: Michael Mann

Gosto de imaginar Michael Mann como um estusiasmado fã dos faroestes clássicos das décadas de 50 e 60, matando aula com os amigos na sexta-feira para assistir à matinê do novo lançamento de John Wayne ou Gary Cooper. As inspirações do popular gênero são evidentes no amadurecimento artístico do diretor, roteirista e produtor Michael Mann como os contornos muito bem delimitados dos seus personagens, cujas nuances não os permitem assumir posições intermediárias e facetas acizentadas, e o inevitável conflito de mocinhos e bandidos representados na sua filmografia, respectivamente, por policiais e criminosos. Do agente do FBI Will Graham (Manhunter, 86), ao lendário Vincent Hanna (Al Pacino, Fogo contra Fogo, 95) e a dupla de detetives Sonny Crocket e Ricardo Tubbs (respectivamente, Colin Farrell e Jamie Fox, Miami Vice, 2006), os mocinhos de Michael Mann são homens tão obcecados por seu trabalho, que o que os propele torna-se um vício que os impede de usufruir a vida distante dos meticulosos procedimentos policiais, das perícias forenses e da adrenalina da perigosa e poluída selva urbana. 
Muito parecido também são os bandidos: competentes no que fazem, eles são homens solitários e distantes, ocasionalmente buscando uma válvula de escape emocional que acaba não se revelando suficiente para saciar o extremo estilo de vida; dessa forma, o monstruoso serial killer dragão vermelho Francis Dollarhyde (Tom Noonan, Manhunter) e Neil McCauley (Robert De Niro, Fogo contra Fogo) até encontram conforto e paz nos romances vividos, porém incapazes de os afastar da vida de crimes. Parece existir uma inevitabilidade universal que os prende ao ofício, e mesmo quando Frank (James Caan, Profissão Ladrão, 81) completa um grande serviço para um poderoso chefão do crime, o bastante para sua aposentadoria dos crimes, ele não consegue se desvencilhar por motivos completamente alheios a sua vontade. 
O determinismo dos seus personagem é uma constante na filmografia de Michael Mann. Seus heróis agem como heróis não por altruísmo ou bondade, mas porque está em sua natureza fazê-lo, e nem mesmo o falastrão taxista Max (Jamie Foxx em Colateral, 2004), o mais improvável dos heróis, ignora o perigoso fardo de impedir a onda de assassinatos cometidas por Vincent (Tom Cruise, no mesmo filme). Seus vilões também nascem nessa condição, e apesar de John Dillinger (Johhny Depp, Inimigos Públicos, 2009) soar como uma exceção nas ações exacerbadamente egoísticas, ninguém poderia olvidar de que seus talentos no crime sejam provenientes desde o berço! Na verdade heróis e vilões na filmografia de Michael Mann são indivíduos práticos, competentes e determinados, separados somente por terem escolhido um lado diferente no jogo do crime. Dessa forma, os bandidos não planejam conquistar a simpatia do público, e quando o fazem, é justamente porque astros como Tom Cruise, Johnny Depp ou Robert De Niro lhe dão vida. A exceção à regra é o ladrão de bancos Frank de James Caan, cujo analfabetismo e impulsividade o transformam no simpático e comovente anti-herói de Profissão Ladrão (o monólogo no restaurante é poderoso), o que inclusive faz os policiais deste longa se comportarem como bandidos.

Perfeccionista, Michael Mann frequentemente trabalha com policiais e ex-criminosos, cuja consultoria acrescenta camada de verossimilhança nas meticulosas e detalhistas narrativas. Essa característica acompanha Mann desde o seu primeiro filme nos cinemas, Profissão Ladrão, e mais importante do que os esforços de Frank em arrombar o banco da Califórnia é a logística e planejamento antecedentes. Noutro momento, em Manhunter, Mann atém-se também à dimensão psicológica do seu vilão nos pertinentes questionamentos de Will Graham, hábil em ler as mentes criminosas. Seguindo a rígida cartilha do realismo, seus exemplares policiais prescindem da artificialidade de grandes perseguições de carros e tiroteios (elas existem, mas moderadamente), em prol da disciplina no desenvolvimento das investigações e planejamento dos crimes (não a toa, a fama de Michael Mann consolidou-se na televisão, com as cinco temporadas do popular seriado Miami Vice).
A verossimilhança dos seus filmes é acentuada pela abordagem quase documental que acompanha as suas narrativas, normalmente filmadas com a câmera em mãos. Foi assim no registro do intrincado e pegajoso interior de uma gigante da comunicação e do jornalismo, a CBS, na sua obra-prima, O Informante (99). Triplamente injustiçado no Oscar de 2000, quando fora derrotado por Beleza Americana, Sam Mendes e Kevin Spacey, respectivamente, na premiação de melhor filme, diretor e ator, o longa sobre a revelação do maior segredo da indústria tabagista também teve esnobadas as atuações perfeitas de Al Pacino e Christopher Plummer, os notórios Lowell Bergman e Mark Wallace do programa “60 Minutos”. Deslocando a violência das ruas para os bastidores das salas de reunião e das ilhas de direção, bem como nos tribunais, Michael Mann realiza um trabalho memorável esmiuçando o contexto político vivenciado pela CBS e questionando a (falta de) ética jornalística fundada no receio das represálias que a empresa poderia vir a sofrer da Brown & Williamson se divulgasse o conteúdo da entrevista do ex-químico da empresa, o vulnerável e inseguro Jeffrey Wigand (Russel Crowe, na sua melhor atuação, para aqueles que insistem em defendê-lo em Gladiador). 
Hodierno e contemporâneo na crítica apresentada na história real, embora matenha o preto & branco dos personagens, Michael Mann instiga o cidadão a questionar a imparcialidade da imprensa e a ocultação da verdade, assunto que não deixa de sair de moda. Basta fuçar o Twitter nos últimos dois dias para testemunhas os escândalos envolvendo o suposto estupro ocorrido no Big Brother Brasil 12 e a participação da Rede Globo, produtora do programa, no incidente. A moralidade jornalística, representada por uma balança (e nem deveria sê-lo), parece sempre pesar a “importância” da verdade divulgada e os danos particulares que a veiculação dessa poderia causar. Como, portanto, não sofrer com as angústias de Wigand que perdeu tudo na sua vida, família, trabalho e autorespeito, e vê o único sopro de sua existência, a sua honrada confissão, sufocada pela fome de lucros de homens cujo compromisso é o da verdade.

Mas, apesar de ignorado naquele ano, Michael Mann é um dos diretores mais antecipados pela maioria da crítica. É uma pena, consequentemente, que o diretor trabalhe “tão pouco”, e seu último filme, Inimigos Públicos, data do longíquo 2009. Narrando os últimos anos do notório ladrão de bancos John Dillinger e de sua gangue, o filme acompanha os primeiros anos do FBI e a caçada humana realizada pelo obstinado agente Melvin Purvis (Christian Bale). Acompanhando a profissionalização dos métodos investigativos, o que exige que Melvin em determinado momento comece a infiltrar-se no submundo do crime, é interessante observar que a narrativa, ambientada na década de 30, reproduza o interstício evolucionário do gênero faroeste, no embrião que viria a ser o gênero policial. O que permite uma curiosa observação da obra do autor Michael Mann, que se permitiu explorar exaustivamente as diversas facetas do crime, de pontos de vista diversos (ladrão de bancos, assassinos, policiais), em locais e tempos distintos.

Dessa maneira, mesmo o irregular épico O Último dos Moicanos (92) consegue ser uma espécie de faroeste de guerra, que explora os conflitos entre ingleses, franceses, a milícia colonial e os nativos indígenas com contornos claramente típicos do gênero. A honra dos homens, a mulher vista como um ser digno de sacrifício e os conflitos e emboscadas. Remontando a períodos anteriores ao surgimento do Velho Oeste, o expancionismo era uma hipótese ventilada entre os personagens, o trabalho de Mann detrás das câmeras dividiu a opinião da crítica, mesmo que o filme tenha se tornado inesquecível graças à espetacular trilha sonora de Randy Edelman e Trevor Jones. O relativo fracasso artístico se explica em partes porque o diretor escapou de sua zona de conforto – por isso Ali (2001), que exigia maior doçura e sentimentalismo, tornou-se uma promessa não cumprida, apesar da excelente atuação de Will Smith. Contribuiu também a decisão dos produtores que impediram o diretor de concretizar a épica versão planejada de 3 horas e que daria contornos maiores ao romance de Hawkeye (Daniel Day Lewis) e Cora (Madeline Stowe). Essa, porém, não foi a primeira vez que os produtores interferiram na carreira de Michael Mann, e a única bomba da sua carreira, o trash Fortaleza Infernal (83), originalmente um filme de quase 200 minutos, foi retalhado em incompreensíveis 95 minutos que não fazem simplesmente sentido algum.

Colaborando habitualmente com o ótimo diretor de fotografia Dante Spinotti (Inimigos Público, O Informante, Fogo contra Fogo ou O Último dos Moicanos), Michael Mann é um artísta prolífico e “egoísta”, um dos poucos diretores a operar as câmerase captar a própria fotografia dos seus longas. Além disso, ele é um eterno acadêmico, experimentando novos formatos e frisando a importância da linguagem cinematográfica nos seus quadros imponentes (a mise-en-scène e o ângulo adotado são exaustivamente pensados). Ele também foi um dos primeiros diretores do grande-escalão a usar câmeras digitais nos seus longas, jogando por terra as supostas limitações do formato, obtendo um efeito documental e realista no grão grosso da fotografia e a imagem com um aspecto chuviscado. Assim foi em Colateral que ganha um grau absurdo de realismo nas externas noturnas de Los Angeles, o que fora repetido com maior eficiência em Miami Vice e Inimigos Públicos. Adepto a costumeiramente realizar tomadas noturnas nos seus longas e a utilizar uma fotografia dessaturada com uma paleta de cores em tons frios, Michael Mann é um artista preocupado, diria obcecado (igual a seus personagens), com a perfeição da linguagem cinematográfica.
Michael Mann não é o maior dos cineastas de Hollywood em atividade, mas é um dos que se destacam no meio do joio e um dos poucos que me deixam com sentimento saudosista depois dos créditos finais dos seus filmes. Uma pena, portanto, que o diretor não decidiu seu novo projeto, perpetuando um hiato que começa a incomodar.

Curiosidades:

  • Os filmes do diretor normalmente ultrapassam a duração tradicional de 2 horas: Inimigos Públicos (140 min), Miami Vice (134 min), Ali (157 min), O Informante (157 min), Fogo contra Fogo (170 min).
  • Usualmente, Michael Mann inclui uma tomada na qual um dos seus personagens contempla o amplo horizonte ao fundo, como em Fogo contra Fogo, Miami Vice ou O Últimos dos Moicanos.
  • Foi quem apresentou nos cinemas o icônico Dr. Hannibal Lecter, imortalizado por Anthony Hopkins em O Silêncio dos Inocentes. Foi no filme Manhunter, e na ocasião, o canibal chamava-se Hannibal Lecktor e era interpretado por Brian Cox.
  • Promoveu um dos diálogos mais cultuados do amante do cinema, a conversa no restaurante entre Al Pacino e Robert De Niro, dois grandes atores que antes nunca haviam contracenado.

Filmografia, excluindo os curtas e filmes produzidos para a Televisão:

Inimigos Públicos (2009) *****
Miami Vice (2006) *****
Colateral (2004) ****
Ali (2001) ***
O Informante (1999) *****
Fogo Contra Fogo (1995) *****
O Último dos Moicanos (1992) ***
Manhunter (1986) ****
A Fortaleza Infernal (1983) *
Profissão Ladrão (1981) ****

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3 comentários em “Grandes Diretores: Michael Mann”

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