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J. Edgar

J. Edgar (Idem, Estados Unidos, 2011). Direção: Clint Eastwood. Roteiro: Dustin Lance Black. Elenco: Leonardo DiCaprio, Geoff Pierson, Naomi Watts, Judi Dench, Armie Hammer, Jeffrey Donovan, Dermot Mulroney, Josh Lucas, Christopher Shyer. Duração: 137 minutos.

Coloque-se no lugar dos produtores de J. Edgar: um ícone do cinema norte-americano reunido com um dos atores mais talentosos de sua geração na biografia de um homem controverso e essencial na história contemporânea dos Estados Unidos roteirizada pelo jovem vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado (Milk – A Voz da Igualdade). Você imaginaria ter nas mãos um grande sucesso de público e crítica e um competidor invejável na temporada de premiações, certo? Não necessariamente! “Surpresas” como essa ocorrem com certa frequência no celeiro de lançamentos da meca do cinema, e bastam detalhes fora do lugar para arruinar terminantemente uma produção. Não que J. Edgar seja um filme ruim (não é), mas  seus esforços não fazem jus à mítica aura que reveste o personagem-título, desde a péssima maquiagem que transforma Leonardo DiCaprio e, principalmente, Armie Hammer em dois grosseiros bonecos de látex, até a malsucedida estrutura narrativa escrita por Dustin Lance Black e as decisões narrativas imprecisas e pouco fiéis de Clint Eastwood que evitam revelar o lado mais obscuro da personalidade de John Edgar Hoover.



Inovador e visionário, Edgar, como gostava de ser chamado, modernizou o FBI com a introdução de  métodos científicos nos processos criminalísticos investigativos. Ele também retocou a trivial imagem que o departamento tinha com a opinião público e, politicamente, lutou no congresso por direitos que facilitariam o trabalho dos agentes federais e permitiriam resultados mais relevantes e imediatos (antes de Edgar, os agentes não poderiam sequer portar armas). Visto por esse prisma, Edgar aproxima-se do homem predestinado sonhado pela sua mãe Anne Marie (Dench) e do heroísmo altruísta ilustrado nos populares quadrinhos “G-Men” (como os agentes viriam a ser conhecidos). Mas, não se engane: Edgar era um homem mesquinho e egocêntrico, que usava o FBI para fins pessoais e mantinha um infame arquivo pessoal com dossiês, documentos e gravações de políticos e poderosos para utilizar nas suas práticas manipuladoras e intimidadoras.

Não alheio a isso, Clint Eastwood (sem dirigir um grande filme desde Cartas de Iwo Jima), introduz a espinhosa personalidade de Edgar nas chantagens feitas a Bob Kennedy (Donovan), na ameaça de impedir um médico de exercer sua profissão ou na humilhante grosseria que tratava alguns de seus subalternos, movido primariamente pela maneira com que eles se portavam ou o que eles vestiam e calçavam. Provocando a deportação de centenas de estrangeiros, supostos comunistas e ameaças à segurança nacional, Edgar também era um racista, o que se percebe na inexistência de negros no quadro de agentes federais. Nenhum desses elementos é esquecido no roteiro de Dustin Lance Black, porém a abordagem cartunesca e ocasional de Clint Eastwood os enfraquece. Assim, o ápice do ódio racial de Edgar manifesta-se na prosaica ameaça a Martin Luther King caso este aceitasse o prêmio nobel da paz, entretanto, momentos atrás ele não hesitaria em noticiar a prisão de membros do KKK. De forma análoga, apesar de vislumbrar o comunismo como um câncer que consumiria os Estados Unidos, Edgar critica o pernicioso senador McCarthy taxando-o de “oportunista, não patriota”. Essa tendência em passar a mão na cabeça de Edgar, substituindo o imoral pelo controverso, é acentuada quando o enxergamos como um pária, uma vítima de um sistema político arcaico incapaz de abraçar as mudanças adiante, cuja única defesa era reagir com as poucas armas que possuía (chantagens!).

Mas, vejam a ironia, se Eastwood não conseguiu nos convencer dos aspectos práticos e racionais da narrativa, ele demonstra uma sensibilidade adormecida (basta lembra de Menina de Ouro) na terna análise das inseguranças pessoais e sexuais de Edgar que encontram respaldo na dicção problemática e no gaguejar observado sempre que confrontando. Idolatrando quase que edipamente a sua mãe, a quem deve o hábito de travestir-se (visto aqui como uma excentricidade saudosista), Edgar era inquirido frequentemente pelo seu desprezo pelas mulheres e o beijo forçado na secretária Helen Gandy (Watts) na biblioteca do Congresso ilustra seu traquejo e uma última tentativa de encaixar-se na exigente e conservadora sociedade norte-americana. É comovente a confissão feita a mãe de que “não gosta de dançar, especialmente com mulheres”, esbarrando na condenação dela de que prefere um filho morto a um filho homossexual. Portanto, os tabus da sociedade e as ásperas palavras da mãe lhe impediram de viver o romance idealizado com seu braço direito Clyde Tolson (Hammer). Cientes de que a sociedade jamais aceitaria o seu relacionamento, Hoover e Tolson desenvolvem um amor dissimulado de admiração e amizade, na promessa de que jamais perderiam um almoço e jantar juntos.

Conferindo uma uniformidade à narrativa, o relacionamento Hoover e Tolson é a alma e coração de J. Edgar que, no restante do tempo acompanha episodicamente fatos históricos vivenciados direta ou indiretamente por Edgar, como a participação nas investigações do sequestro do bebê de Lindbergh (Lucas) ou a reação ao assassinato do presidente Kennedy. Desastradamente costurados pela elaboração da autobiografia de Edgar em uma estrutura aborrecida e frouxa que revisita em flashbacks o seu passado e consequentemente o do FBI, enquanto ele narra para nós os eventos vistos em cena, a montagem de Joel Cox e Gary Roach ao menos traduz em belas elipses a passagem do tempo (a minha preferida é o abrir e fechar das portas de um elevador). Além disso, apesar de problemática ao extremo, a narrativa ao menos possibilita a inserção de uma bem vinda ironia nos minutos finais (incapaz, porém, de salvar a produção).

Porém, tecnicamente, J. Edgar é inquestionavelmente infeliz! Fotografado por Tom Stern, o grão grosso e a faca iluminação e uso de sombras (tematicamente compreensíveis, mas exageradamente empregados), escurem demasiadamente os quadros prejudicando muitas das tomadas internas. Mas, é a maquiagem quem deveria se envergonhar do trabalho desastroso. Ameaçando destruir as ambições narrativas do filme sempre que as versões envelhecidas de Hoover e Tolson surgem em cena (não é à toa que a presença deste é sugerida nos primeiros 30 minutos), é inadmissível que profissionais tenham “trabalhado” nas próteses, inferiores inclusive a de peças amadores de colégio. Basta observar como o rosto de Armie Hammer é inchado, com rugas que não acompanham a expressão facial além de um aspecto emborrachado. A de Leonardo DiCaprio é menos pior, porém incapaz de convencer de que existe realmente um senhor escondido ali atrás.

DiCaprio, por sua vez, contorna os problemas aparentes no roteiro com uma atuação milimetricamente estudada. De fala imponente e apressada nos debates do congresso, fazendo jus ao apelido “speed“, ele muda completamente a dicção diante da mãe, dedicando-se a um tom deferente e gentil. Da mesma maneira, a composição do ator permite que, no primeiro momento, Edgar gagueje e mostre-se incapaz de manter contato visual com seus superiores (particularmente, o Procurador Geral), e na medida que ganha confiança no poder que dispõe, exibe um comportamento mais ardiloso, propositadamente inferiorizando-se no jeito subserviente e cauteloso com que lida com Bob Kennedy, por exemplo. Mas é o afeto e olhar sensível a Tolson, retribuídos similarmente pela boa atuação de Armie Hammer, que tornam sua atuação irrepreensível.

Vítima de um tratamento displicente, apesar de ambicioso, J. Edgar acertadamente revela a faceta mais escondida e emocionante do mito, entretanto ofusca o restante do mosaico de sua personalidade, nos deixando apenas com o inovador, inseguro e controverso personagem. Uma pena, pois ele foi muito mais do que isso!

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7 comentários em “J. Edgar”

  1. Eu tinha realmente expectativas para esse filme, mas fiquei aborrecido com as tantas críticas negativas e, mesmo as mais positivas, como a sua, ainda revelam um filme frágil e não tão impactante aos olhos do espectador.

    Cara, queria sugerir um blog do qual participo, chama "Um Oscar por Mês" e, como o nome sugere, analismaos uma edição do Oscar por mês. Atualmente, estamos finalizando os pareceres sobre a 60ª edição, 1988. Acho que seria legal se você conhecesse o blog, opinasse lá.

  2. Impactante não é mesmo Luís, porém repito, não é um filme ruim!

    Quanto ao Oscar por mês, vou passar na página e conferir (apesar de estar começando a ser daqueles caras chatos que não ligam muito para premiações, além da minha pessoal, evidentemente).

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