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Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras

Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows). Direção: Guy Ritchie. Roteiro: Michele Mulroney e Kieran Mulroney baseado nos personagens de Arthur Conan Doyle. Elenco: Robert Downey Jr., Jude Law, Noomi Rapace, Jared Harris, Rachel McAdams, Stephen Fry, Paul Anderson, Kelly Reilly. Duração: 129 minutos.

Antes do começo da sessão de Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras, refleti que não recordava absolutamente nada acerca dos acontecimentos e personagens da nova roupagem do detetive criado por Arthur Conan Doyle, lançada nos cinemas em 2009, apesar da certeza de ter me divertido. Essa imemorabilidade estranhamente não atingiu as decisões criativas do diretor Guy Ritchie em ilustrar a lógica dedutiva de Holmes e sua habilidade de antecipar o movimento dos seus adversários, ou seu poder de observação, visto novamente como uma maldição. Também não me impediram de rememorar a boa química de Robert Downey Jr. e Jude Law. E só! Talvez, o que provocou essa amnésia – algo raro comigo, acredite! – tenha sido a necessidade dos produtores de transformar o detetive em super-herói, na esteira do sucesso de Downey Jr. em Homem de Ferro. Felizmente, essa desvirtuação foi sensivelmente corrigida nessa sequência que, se introduz o brilhante arquiinimigo Professor Moriarty (Blackwood – obrigado ao Google – era um fracasso), peca no interesse exclusivo em repetir o que fora bem sucedido no antecessor.
Buscando dar continuidade ao episódio anterior que sugeria a presença do Professor Moriarty escondido nas sombras, o roteiro de Michele e Kieran Mulroney não perde tempo em ambientar a narrativa em uma Europa ameaçada por atos terroristas frequentes, cuja autoria é imediatamente atribuída ao estimado professor. Tratando-se de um roteiro simplório que consiste meramente em um elegantemente rudimentar jogo de gato e rato, no qual Holmes busca a todo custo frustrar os planos de Moriarty, os roteiristas tentam disfarçar a banalidade da narrativa introduzindo novos e descartáveis personagens, como o divertidinho Mycroft Holmes (Fry), irmão mais velho de Sherlock, ou a cigana Simza (Rapace), e se estabelecendo geopoliticamente ao redor da Europa (visitamos França, Alemanha e Suiça, além da óbvia Inglaterra). Mas, em suma, pouco importa exceto o duelo de intelectos entre Holmes e o “Napoleão do crime”, como ele mesmo afirma a Watson (Law), e sequer a apologia anti-belicista proveniente dos planos de Moriarty em estabelecer uma “guerra em escala industrial”, é suficiente para conferir relevância a um roteiro rasteiro e elementar.
Enquanto isso, limitando-se a reproduzir o que deu certo anteriormente, a direção de Guy Ritchie é pouco inventiva e original e demasiadamente repetitiva. Desde os créditos iniciais até os finais, Ritchie resume-se em reciclar suas decisões criativas, subvertendo-as raramente, porém com ligeira inteligência (ver Moriarty exibindo o mesmo poder de dedução de Holmes em um duelo é um alívio). Todavia, esse sopro de genialidade sucumbe às excessivas vezes em que Ritchie ilustra a habilidade de Holmes em antecipar os movimentos do seu adversário, julgando necessário inclusive a introdução de diversos flashbacks desnecessários (o da Ópera na França é o ápice disto), para deixar tudo mastigado para o espectador. Além disso, é frustrante observar que Ritchie não evoluiu como realizador repetindo os mesmos maneirismos estilísticos vistos no seu primeiro filme – Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. Dessa forma, Ritchie revisita a Londres suja e escura a que está habituado nas suas produções e abusa do uso da câmera lenta, de tomadas subjetivas, de planos-detalhe e montagens que revelam meticulosamente o funcionamento de engenhocas e de sucessivos cortes secos que misturados com tudo isso que acabei de falar fazem a incompreensível salada que é a fuga de Holmes e seus comparsas das florestas na Alemanha.
O mais alarmante é que Guy Ritchie é um bom diretor que precisa apenas de uns puxões de orelha para, juntamente com o montador James Herbert (colaborador habitual), dosar os seus excessos. Basta observar a excepcional montagem entrecortada dos atos terroristas ocorridos durante a ópera Don Giovanni ou a escapada dos heróis de um trem, e dessa vez, a dupla merece aplausos pelo uso certeiro do raccord de um projétil e o flashback com fins cômicos. Ademais, embora a montagem alternada dos closes no rosto de Holmes durante suas observações com os planos-detalhe frutos da aplicação do método do detetive sejam óbvios, eles conferem um ritmo desejavelmente ágil a uma narrativa de mais de 120 minutos.
Contando com a boa fotografia de Philippe Rousselot, especialmente nas externas e nos establishing shots da ópera no fim da tarde ou de um castelo encravado nos alpes suiços, é importante observar como as sombras surgem naturalmente na narrativa (indicando os inúmeros recursos de Moriarty), que transcorre mormente durante o período noturno e mal iluminado. Também é competente a direção de arte de Sarah Greenwood, reproduzindo a Londres vitoriana de maneira exuberante sem perder o ar ameaçador que a metrópole deve apresentar. Arrematando com a excelente trilha sonora de Hans Zimmer, aproveitando melodias e sons tipicamente gauleses e britânicos e as adições bem vindas de Ennio Morricone, Schubert e, o já mencionado Don Giovanni, Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras compensa boa parte de seus defeitos narrativos nos irrepreensíveis aspectos técnicos.
Mostrando-se novamente o ponto alto do projeto, a dupla Robert Downey Jr. e Jude Law tem uma química invejável e um excelente timing cômico, tornando ainda mais palpável e natural a dinâmica de Holmes e Watson. É difícil não se divertir com o jeito aborrecido e desinteressado de Watson ao descobrir a fauna e flora mantidas no quarto de Holmes, como se aquela fosse uma extravagância menor do detetivo, ou a constatação igualmente ordinária de que o amigo estava tomando um copo de formol. Nesse sentido, a excêntrica presença de Mycroft acaba diluindo as intempéries e loucuras do irmão mais novo e seu hábito de camuflar-se ou de usar disfarces esdrúxulos.

E vejam como bastam duas boas atuações e a compreensão dos peronsagens para que briguinhas no estilo Batman e Robin escapem do embaraçoso e inconveniente e tornem-se divertidas e enriquecedoras: dessa forma, as reclamações de Watson do narcisismo de Holmes provêm casualmente das características intrínsecas desse, tornando o autossacrifício de Watson e sua lealdade irrestrita e admiração mais críveis graças a ótima atuação de Jude Law. Por sua vez, Robert Downey Jr. diverte-se com o personagem, como o tem feito ultimamente nos seus últimos filmes, e parece estranho que ninguém tenha comparado a composição de seus personagens com a de outra figuraça dos cinemas: Johnny Depp. Apesar disso, o ator reserva seu talento a um momento dramático, ao velar a morte de uma personagem, ou ao registrar seu misto de admiração e desprezo mútuos pelo seu adversário. Fechando o bom elenco – a presença de Noomi Rapace não é relevante para ser mencionada -, o ator britânico Jared Harris e sua voz anasalada e comedida conferem a vilania e intelecto esperados de um homem como Moriarty. Observem como o sujeito repreende suas emoções mesmo em momentos de vitória ou adversidade, exibindo uma leve inflexão no rosto (genialmente registrada por Ritchie) em um momento relevante.

Apresentando um desfecho que alguns julgarão aclimático – o que eu discordo -, os minutos finais sedimentam a verdadeira natureza da narrativa de Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras. Pois, embora busque diversos disfarces e contornos inusitados, ela é realmente um enorme jogo de xadrez entre Sherlock Holmes e o Professor Moriarty, um dos mais divertidos e empolgantes.

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4 comentários em “Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras”

  1. Concordo, o Guy Ritchie vem se repetindo de forma excessiva em sua carreira, abusando da utilização do slow-motion – o que, por muitas vezes, irrita profundamente. Dito isto, é difícil não mencionar que, Sherlock prevendo seus passos a cada batalha, apesar de reforçar seu intelecto e contribuir para a construção do personagem, quebra muito da ação, tornando-o um tanto quanto cansativa e menos empolgante do que o esperado. No entanto, o duelo intelectual entre ele e seu inimigo é, de fato, um ponto alto. Sem dúvidas, é divertido. Mas nada que surpreenda, talvez por ser mais do mesmo, com alguns melhoramentos!

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