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A Invenção de Hugo Cabret

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, Estados Unidos, 2011). Direção: Martin Scorsese. Roteiro: John Logan baseado no livro de Brian Selznick. Elenco: Asa Butterfield, Chloe Grace Moretz, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Jude Law, Ray Winstone, Emily Mortiner, Christopher Lee, Helen McCrory, Michael Stuhlbarg. Duração: 126 minutos.

Não tem jeito: por mais injusto que soe, é inevitável que a maioria dos cinéfilos antes da sessão de A Invenção de Hugo Cabret tenha uma expectativa hercúlea em volta do novo trabalho de Martin Scorsese. Quem pode julgá-los? É o novo trabalho de um dos diretores mais celebrados do cinema, o humilde e simpático conhecedor e amante da história da sétima arte, acerca de George Méliès, um dos primeiros cineastas, que no começo do milênio passado, após a invenção dos irmãos Lumière, dirigiu, escreveu, atuou, produziu e desenvolveu 500 filmes. Mais, é o primeiro encontro de Scorsese com a tecnologia 3D, e depois de Avatar, o segundo verdadeiro e essencial motivo para o espectador gastar uns trocados a mais e usufruir da experiência plena. Finalmente, embora não determinante, é a produção mais indicada a prêmios da Academia neste ano (são 11 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme). Todas essas razões, somadas à viagem nostálgica à Paris pós-primeira guerra mundial, derrubam todos os muros erguidos por crítico e cinéfilos para se blindar das expectativas. Infelizmente, apesar de estética e tecnicamente irrepreensível e ter um contexto histórico esclarecedor e original, A Invenção de Hugo Cabaret é emocionalmente aquém às possibilidades criadas ao longo da narrativa; um ótimo filme, porém muitos passos atrás da obra-prima que muitos (incluindo eu) sonharam e desejaram que fosse.

A história acompanha o jovem Hugo (Butterfield), órfão após a morte do amoroso pai relojeiro (Law) e do desaparecimento do tio beberrão (Winstone), cujo trabalho consistia em manter e sincronizar os relógios de uma estação de trem. Levado a descobrir o mistério detrás de um autômato, uma “herança” deixada por seu pai, Hugo pratica pequenos furtos de ferramentas e engrenagens da loja do reservado Papa George (Kingsley), padrinho da aventureira Isabelle (Moretz). Surpreendido por Papa George e tendo perdido seu caderno de anotações, o qual continha as instruções de montagem do autômato, Hugo une-se a Isabelle em uma aventura que o leva as raízes do cinema e a descoberta de um segredo escondido e empoeirado há anos.
Fundamentalmente, o ambicioso filme leva o eterno estudante Martin Scorsese a dialogar a técnica 3D na história de um dos precursores da sétima arte e o pai dos efeitos especiais, George Méliès. Dado como morto após a primeira guerra mundial, o ilusionista e cineasta esconde-se detrás de uma pequeno  lojinha de brinquedos na estação de brinquedos, magoado e ferido com o descaso dos sobreviventes da grande guerra que, depois de ver tamanha brutalidade e violência, simplesmente não tinham mais tempo para visitar o “castelo encantado” de magia e aventura de Méliès. De posse desta agridoce história, e revelando alguns truques do mago para criar seus filmes, Scorsese questiona o oportunismo narrativo e comercial do 3D, toma a dianteira de James Cameron (o único, até então, a fazer um 3D genuinamente interessante), e expõe a novatos porque é um dos cineastas mais admirados do cinema contemporâneo usando a técnica não para capitalizar mais dinheiro de bilheteria (como George Lucas fez com sua “amada” épica guerra nas estrelas), mas sim com propósitos narrativos bastante claros e específicos.
Concebendo um mundo de grande e dilatada profundidade de campo, rapidamente nos inserimos dentro da narrativa, nos movimentos ágeis de Hugo por entre os acessos e escadarias dos relógios na estação de trem onde habita, no travelling de embarque na estação de trem e uma visita à imponente biblioteca da academia de cinema revelada em um plano aberto simplesmente magnífico. Ambientado no inverno parisiense da década de 30, Scorsese também não tem dificuldade para enviar o espectador àquele frio, mas docemente nostálgico universo, nos flocos de neve que caem nos nossos rostos e na ótima direção de arte de Dante Ferretti conferindo personalidade à estação de trem e os seus grandes relógios e convidando a uma viagem à produção dos primeiros filmes ou a uma sessão de exibição da Chegada do Trem na Estação, dos irmãos Lumière, o qual provoca a divertida e assustada reação da plateia. Além disso, em determinados momentos, Scorsese parece usar os vícios de alguns cineastas no 3D de maneira inteligente e, não demora para que o inspetor da estação (Cohen, excelente) revele, literalmente, a sua autoridade, dominando o quadro e subjugando os espectadores.
De um rigor técnico hipnotizante, a narrativa nos surpreende desde a edição de som que acrescenta o característico som de um projetor antes de Hugo relembrar seu passado em um flashback. Hábil na linguagem visual, a montagem de Thelma Schoonmaker aposta em raccords inteligentes, sobretudo o que associa a elegante e charmosa Paris a uma grande engenhoca, embora confunda eventualmente o bom ritmo paciente por outro mais frouxo e indulgente. Algo perdoável quando nos deparamos com o melancólico semblante de um autômato destinado a uma única tarefa o qual reflete imediatamente o ar triste e ligeiramente deprimido de Hugo, encerrado nos tons azulados e opressivos da fotografia de Robert Richardson. O que, no entanto, não é a estética visual do filme, apostando no sépia dourado, conveniente a retratar o período áureo do nascimento do cinema (e o caloroso interior da loja de Papa George é o primeiro passo nesse sentido). 
Contudo, embora embevecido e maravilhado com o imaginário retratado em cena, é triste constatar que o roteiro de John Logan baseado no livro de Brian Selznick revele-se esquemático, enfraquecido por coincidências e revelações não menos absurdas do que o autômato produzindo desenhos abruptamente após o choro derrotista de Hugo. Assim, o roteiro não se esforça em buscar uma maneira mais honesta de revisitar a história de Méliès senão na confissão de um personagem que, conquista o coração mais pelo seu peso histórico do que necessariamente pelo envolvimento emocional que deveríamos ter com aquele homem. Similarmente, o filme abandona a linha narrativa de conciliação com as memórias do pai (enxergadas na Viagem à Lua) e investe em um panorama mais amplo, envolvendo a restauração do passado cinematográfico, de maneira desleixada e apressada, despreocupado com a harmonia para que essas duas porções narrativas sejam unidas (envolve mais coincidências, encontros, sorte).
O que se estende ao elenco e aos dramas pessoais existente na estação de trem. É unicamente prosaica a paquera de Monsieur Frick (Griffiths) e Madame Emilie (de la Tour) separados pela ferocidade canina do acompanhante dela; o que acontece novamente no amor platônico do inspetor da estação por uma florista (Mortimer). Eficiente em transformar Hugo em um garoto de sonhos destruídos e esperanças dilaceradas, Asa Butterfield tem um triste olhar azul e uma docilidade cativante, equilibrada pelo charme de Chloe Grace-Moretz e a rigidez embrutecida e compungida de Ben Kingsley. 
Aproveitando-se de um objeto cenográfico naturalmente sentimental, mas perfeitamente admissível nos fins narrativos (a chave em forma de coração), é apenas irônico e lamentável que seja logo essa chave a peça restante para o espectador encontrar em A Invenção de Hugo Cabaret a obra de arte buscada. Ao fim, estamos diante de um monumento de amor ao cinema, um mecanismo defeituoso similar ao autômato, surpreendente tecnicamente, mas emocionalmente rígido.

… e dessa vez, nem posso culpar as expectativas.

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5 comentários em “A Invenção de Hugo Cabret”

  1. Muito bem feita a crítica, Márcio. Você conseguiu dosar sensatez com sensibilidade, suas críticas são excelentes. Parabéns!

    Ps.: Gostei do logotipo, mais alguns ajustes e com certeza seu blog vai longe.

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