Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

A Mulher do Lado

(La femme d’à côté), França, 1981. Direção: François Truffaut. Roteiro: François Truffaut, Suzanne Schiffman e Jean Aurel. Elenco: Gérard Depardieu, Fanny Ardant, Henri Garcin, Michèle Baumgartner, Roger van Hool, Véronique Silver. Duração: 106 minutos.



A infidelidade sempre ousou penetrar pelas frestas da filmografia de François Truffaut contaminando os personagens com uma paixão irrefreável, dolorosa e trágica, como em Jules & Jim, Um Só Pecado e As Duas Inglesas e o Amor, ou questionando superficialmente e com bom humor valores morais incrustados na sociedade burguesa francesa, como nos episódios da cinessérie de Antoine Doinel. Integrante do primeiro grupo, A Mulher do Lado é mais uma demonstração da singular franqueza com a qual Truffaut enxergava os tórridos relacionamentos cujas consequências, invariavelmente danosas, aproximam-se da brutal ebulição provocada pelas paixões proibidas.

Na pequena cidade de Grenoble, de círculo social restrito aos conhecidos rostos dos frequentadores do clube de tênis amadrinhado por Odile Jouve (Silver), as fundações matrimoniais de Bernard (Dépardieu) e Arlette (Baumgartner) abalam-se com a chegada dos vizinhos Philippe (Garcin) e Mathilde (Ardant) na casa do lado. Ela foi amante de Bernard há cerca de 7-8 anos, informação julgada imprescindível por ambos, porém não compartilhada com os respectivos cônjuges, talvez pelo receio de provocar uma briga desnecessária ou na crença de que o determinismo é suficiente para vencer o impulso e esconder debaixo do tapete uma história marcada por instabilidade amorosa.

Separados por uma pequena ruela, Bernard e Mathilde reagem diversamente ao reencontro, marcado por um olhar enigmático prenúncio do que esta a vir. Ele, fugidio, esquiva-se das desinteressadas perguntas da esposa e ignora os telefonemas e avanços de Mathilde que, por sua vez, não compreende a conduta do antigo amante. Depois de se encontrarem no mercado local, os dois decidem beijar-se pela última vez, reacendendo um transtorno obsessivo-compulsivo de posse materializado nos furtivos encontros em um pequeno hotel. A culpa, entretanto, os persegue, especialmente Mathilde, decidida a não mais ver o amante; sonho este irrealizável nos romances trágicos.

Distanciando-se do melodrama sentimentalista comum nas paixões impossíveis, a direção de François Truffaut privilegia um formalismo rigoroso documentando as tensões emocionais dos personagens de forma calculada (algo que seu ídolo Alfred Hitchcock entendia muito bem). Adotando o voyeurismo característico dos filmes do mestre do suspense, os enquadramentos remetem às barreiras existentes na concretização da paixão, e as janelas que os separam, embora transponíveis, jamais olvidam de evidenciar as cicatrizes causadas pela transgressão. Ademais, a remoção das camadas de terra, sob as quais está sepultado o antigo romance de Bernard e Mathilde, revela a inconstância do antigo amor do casal que “não podia viver sem o outro, nem com o outro” com uma frieza incomum em relação aos outros filmes de Truffaut.

Encarnando Bernard como um sujeito atormentado pela presença de Mathilde, Gérard Depardieu (antes de engolir um mamute e urinar no corredor de um avião) é convincente no fastio gradativo do âmbito familiar embora compreenda a necessidade de portar a máscara de bom marido. E o ator é cuidadoso no boa noite a Arlette, aproximando-se da sua testa, mas hesitando no último momento e beijando-a na boca. Já Fanny Ardant transforma Mathilde em uma mulher cuja insegurança na presença de Bernard é apenas menor do que a saciedade que a toma nos reencontros, transformando uma mentira contada ao marido Phillippe a respeito de uma foto na confissão jamais mencionada de seu amor.

Mais convincente do que o fraco Um Só Pecado, este outro trabalho sobre infidelidade e arrebatadora paixão com víeis trágicos escorrega apenas nos momentos de boba imaturidade como as ligações simultâneas entre Bernard e Mathilde ou o vestido rasgado em uma festa, a desculpa justificadora de um momento de fúria. Mesmo assim, A Mulher ao Lado é um ótimo estudo psicológico de como nem sempre a felicidade é o bem máximo almejado no seio de um relacionamento. As vezes, o desejo se mascara de estupor, e ferir-se mutuamente, figurativa e literalmente, a última recompensa e lembrança da força da paixão.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

3 comentários em “A Mulher do Lado”

  1. Convido você a participar do mais novo agregador de links da web, o TOAKY.net mande seus posts e torne essa rede cada vez maior, para ter suas postagens na home é bem simples basta ser parceiro do site.

    Atualizamos diariamente, não perca essa oportunidade.

    Toaky – Agregador de Links.
    http://www.toaky.net

    Eu tô aqui e você?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Anjos da Lei

(21 Jump Street), Estados Unidos, 2012. Direção: Phil

Rolar para cima