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Anderson Silva – Como Água

(Like Water), Estados Unidos, 2011. Direção: Pablo Croce. Roteiro: Lyoto Machida, Ed Soares, Ramon Lemos e Damaso Pereira. Elenco: Anderson Silva, Chael Sonnen, Steven Seagal, José Aldo, Junior dos Santos, Ramon Lemos, Lyoto Machida, Damaso Pereira. Duração: 76 minutos.

Invicto há 14 lutas na defesa do cinturão de peso médio do UFC, Anderson Silva dispensa apresentações ao público brasileiro, diariamente mais apaixonado pelas artes marciais mistas, o MMA. O documentário “Anderson Silva – Como Água”, logo, apenas sedimenta a condição de ídolo nacional do lutador, embora não deixe de decepcionar e incomodar que tenha sido uma produção norte-americana, e não nacional, a dar a devida atenção à carreira e história do simpático lutador, o que já havia ocorrido no ano passado quando “Senna” foi às telas pelas mãos do documentarista inglês Asif Kapadia. Despeito à parte, sem adentrar no debate acerca da valorização de nossos ídolos e respeitadas as devidas proporções no comparativo entre Ayrton Senna e Anderson Silva, o diretor Pablo Croce lança um olhar revelador sobre os bastidores dos violentos confrontos no octógono e, no processo, humaniza aqueles brutamontes e gladiadores modernos a partir de seu principal campeão.

Restringindo-se a um período específico na carreira de Anderson Silva, o que não significa que este seja só um episódio simplório e pontual na sua vida, o documentário traça os passos imediatamente posteriores à luta contra Damian Maia em Abu Dhabi, depois das vaias do público e acusações de conduta antidesportiva atinentes ao descaso e falta de combatividade na luta (o que, infelizmente, é muito mal explorado, mantendo covardemente suspensa a dúvida do que houve de fato naquela ocasião). Após as ameaças do presidente da UFC, Dana White, de exclusão do quadro da sociedade, e a árdua luta de seu empresário Ed Soares para restabelecer sua imagem pública, ele se muda para os Estados Unidos para se preparar para um novo combate, contra o desbocado Chael Sonnen. E, enquanto acompanhamos seu árduo treinamento e cotidiano, reconhecemos seu esforço de se manter concentrado longe da família durante os aborrecidos preparativos.
Mas, disciplina, determinação e perseverança são palavras facilmente associáveis a Anderson: comparado ao lendário Bruce Lee, na orientação de ser “como água”, adaptando-se às circunstâncias e adversários, ele também encontra um significado pessoal na expressão, denotando uma pureza e sinceridade irreconhecíveis nos demais concorrentes. Verdadeiro peixe fora d’água no meio intrinsecamente comercial, ele parece não conferir importância à promoção dos combates ou os porquês de estar lutando para milhões de espectadores, o que automaticamente provoca a desconfiança daqueles que o cercam e a antipatia dos aspirantes ao título do peso médio. Aliás, mesmo os aspectos físicos o distanciam dos demais competidores, desde a sua constituição relativamente franzina, a orelha sem o formato couve-flor e a voz de timbre suave, sereno e inabalável até mesmo as roupas que traja.

Assumindo-se como “um cara legal”, imagem satisfatoriamente reforçada pelo documentário, Anderson parece não ligar para às ofensas de ser chamado de câncer para o esporte, embora resista bravamente a explodir nas “perguntas estúpidas” realizadas durante uma teleconferência, seguidas repetidamente de um seco e divertido “sim” ou “não”. Aliás, como não esboçar um enorme sorriso na sua presença de espírito na coletiva de imprensa, trajando uma roupa rosa, supostamente sugerida pela esposa, e contrariando as instruções de Dana de virar para frente (ao invés, ele permanece encarando Sonnen, que por muito pouco ou não contém a raiva ou não se esvai em gargalhadas). Por outro lado, há uma dimensão agridoce no distanciamento obrigatório da família e no relacionamento fraterno proveniente do convívio ininterrupto com os demais lutadores, sobretudo seu amigo Minotauro ou o pupilo Damaso Pereira.
Já Sonnen é um show a parte no documentário. Encarnando o “vilão”, mesmo acreditando ser um a espécie de salvador do esporte, o lutador norte-americano não poupa sequer o ciclista Lance Armstrong de suas injúrias e ofensas. Abusando da xenofobia – como criticar a língua portuguesa não foi o bastante, sua enganosa tradução e um “habla español” são suficientes para infartar o brasileiro menos patriótico -, Sonnen não demora para (propositadamente) transformar-se em uma autêntica caricatura de personagem, alguém careca de saber seu papel no “roteiro” da luta e um lutador não menos habilidoso do que Anderson, cujos contrastes provêm desde os ambientes de treinamento: enquanto Sonnen opta pelo sofisticado e impessoal espaço da Nike, Anderson isola-se na aprazível academia e sua assoberbada rotina de treinos. Logo, é uma pena que, após vermos Sonnen treinando jovens promessas, o documentário inclua o descartável letreiro a a respeito de seu afastamento da UFC em razão do uso de esteroides anabolizantes.
Mas, falhas a parte, como argumentar em desfavor de um documentário cujo clímax (a luta de Anderson e Sonnen) tem a felicidade de ser natural e automaticamente cinematográfico, mantendo, ao menos o público que não viu a luta, apreensivo em relação ao resultado final ao mesmo tempo em que satisfeito por colher pistas deixadas ao longo da narrativa, como a ênfase à resistência aos golpes nos treinos e a imobilização no solo. 
Contando também com uma trilha sonora energética que flui do hip-hop para a balada eletrônica de Moby, “Anderson Silva – Como Água” atenua a imagem violenta associada ao MMA e desmistifica a figura de seu maior campeão: um homem comum, nem melhor ou pior do que os outros, em contato com angústias e aflições, alegrias e vitórias, mas cuja mensagem de dedicação e comprometimento com a perfeição é um belo legado deixado para o esporte e a vida de maneira geral.
Parabéns Anderson Silva, você ganhou mais um fã.

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4 comentários em “Anderson Silva – Como Água”

  1. Ótima crítica. Fico em dúvida sobre o letreito final do afastamento de Sonnen seja realmente uma mácula a imagem do lutador ou simplesmente o péssimo hábito do cinema americano de vilanizar ao extremo o antagonista americano de qualquer forma, por uma necessidade de dicotomizar bem e mal e não de o reconhecer nos dois lados da luta.

    De qualquer forma, concordo. Um bom documentário, divertido e tocante.

  2. Não gostei muito do filme, achei meio repetitivo e "desnecessário".
    Focar apenas na preparação da luta contra sonnen foi um desperdício de momentos grandiosos do lutador, como no UFC Rio, na luta contra Vitor Belfort e também coisas sobre a vida dele como a infância e as primeiras lutas.
    Podia ter sido muito melhor…

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