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O Último Metrô

(Le dernier métro), França, 1980. Direção: François Truffaut. Roteiro: François Truffaut e Suzanne Schiffman. Elenco: Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Jean Poiret, Andréa Ferréol, Paulette Dubost, Jean-Louis Richard, Heinz Bennent, Sabrine Haudepin. Duração: 131 minutos.

Durante a ocupação nazista na França, o teatro tornou-se entretenimento obrigatório para disfarçar a insegurança e mascarar em uma tragicomédia farsesca a tensa vida social da população. Era como se o vermelho das cortinas de teatro confundisse-se com os tons da bandeira nazista e, aquele aparato que encerrava a separação da ilusão e da realidade também fosse instrumento de aceitação e permanência da máquina bélica germânica na 2ª guerra mundial. 


Metalinguisticamente similar a ‘A Noite mericana’, ‘O Último Metrô’ explora o processo criativo teatral, a preparação do texto, a elaboração dos cenários e figurinos e os ensaios de maneira muito mais comedida que a obra-prima de François Truffaut, o que não é uma desvantagem, pois a ambição do cineasta foca-se na reprodução do estilo de vida francês em 1942 e a influência decisiva da arte no resgate aos ideais de liberdade, igualdade e, sobretudo, fraternidade (não obstante, de cor vermelha). 

O título refere-se ao último trem antes do toque de recolher e o fiapo de esperança de fugir à zona livre desocupada de nazistas nos departamentos do sul. Neste clima, o judeu Lucas Steiner (Bennent), antigo diretor do teatro Montmartre, debanda à América e no seu lugar sua esposa Marion (Deneuve) assume a gestão. Tendo contratado o popular ator Bernard (Dépardieu)  para o papel principal da montagem de ‘A Desaparecida’, Marion adota medidas rigorosas para manter abertas as portas do teatro: certificados arianos são exigidos dos integrantes e ela não hesita em manipular o crítico teatral Daxiat (Richard), embora o despreze, para obter a aprovação do texto no comitê de censura. Mal sua equipe sabe, porém, que Lucas está escondido no porão do teatro, numa inusitada correspondência ao título da peça.

Longe de ser um filme necessariamente trágico sobre o nazismo, ‘O Último Metrô’ é uma experiência agridoce que, no clima de desconfiança generalizado no qual cabe personagem parece esconder alguma segunda intenção, estabelece uma relação de confraternização despida de vaidade entre os integrantes da equipe teatral. Preocupado em estabelecer consequências daquele período na vida de cada um, o roteiro de François Truffaut e a colaboradora habitual Suzanne Schiffman pertinentemente valoriza o ofício artístico e a sua importância em manter a sanidade escapista de um povo à beira de uma catástrofe. Retumba mais alto que as bombas e a ameaça de invasão, o sucesso da noite de estreia da peça; é mais importante angariar críticas positivas do que prestar devido cuidado a inspetores da Gestapo. 

Nesse sentido, aliás, François Truffaut faz uma crítica ferrenha na figura do crítico Daxiat. Jornalista do jornal ‘Je suis partout’ (traduzindo-se, fica algo como, ‘eu estou em todas a partes’) e antissemita, Daxiat afirma inquebrantavelmente amar o teatro, apesar de desrespeitosamente atrasar-se na noite de estreia. Ademais, dedicado a um ‘acerto de contas’ e redigindo uma crítica negativa apenas para manchar a reputação de Lucas Steiger, o homem se revela a antítese da profissão de crítico. Um ser mesquinho que, tão absorto com sua apregoada importância no meio, esquece da transitoriedade de sua existência em detrimento da secular manifestação teatral, revelando-se facilmente no vilão da narrativa. Paralelamente, Lucas Steiger revela o oposto no forçado confinamento que o leva a uma perfeccionista dedicação com a arte teatral para manter a lucidez, e a montagem de Martine Barraqué é competente na fluidez do ensaio e na participação indireta de Lucas, ‘dirigindo o espetáculo’.

Apresentando uma ‘mise en scène’ peculiar a qual revela comportamentos suspeitos dos integrantes do elenco, como o do contador do teatro maliciosamente acompanhada o decorrer da peça nas escadarias internas ou um misterioso companheiro de Bernard, cujo propósito revolucionário é ligeiramente maior do que o cometimento artístico. E se Gérard Depardieu é competente, flutuando entre o galanteador e o desagradável fluentemente, Catherine Deneuve brilha na pele de uma atriz famosa que se vê, da noite para o dia, com a responsabilidade de gerir um teatro, dedicar-se ao marido e vender uma fachada de antissemitismo. Aliás, as faíscas entre os dois são o único ponto negativo do longa que nunca consegue convencer quando insinua os flertes românticos do casal.

Transformando as frequentes quedas de energia nos momentos em que a cortina cerra para apresentar um novo ato no teatro da vida, ‘O Último Metrô’ também conta com uma excelente direção de arte de Jean-Pierre Kohut-Svelko transformando o grande teatro Montmartre em um imponente personagem que apenas rivaliza com a ostensividade do quartel general nazista, adornada por uma águia ameaçadora e dezenas de suásticas. 

Com uma mistura de realidade e ilusão, insinuada no breve desconforto das janelas no segundo plano, Truffaut depois de homenagear a literatura (‘Fahrenheit 451’) e o cinema (‘A Noite Americana’) encerra sua ‘trilogia’ artística com um belo e sensível estudo o desejo inerente de sobrevivência do ser humano e como ele achou na arte a chave de manter-se livre, ao menos intelectualmente, do fantasma nazista da opressão. 

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2 comentários em “O Último Metrô”

  1. Truffaut é um bom diretor e sabe muito bem como trabalhar a metalinguagem. Deve ser um bom filme esse, vou anotar para vê-lo, quero conheer essa perspectiva agridoce que você comentou sobre o nazismo. E A Noite Americana é simplesmente maravilhoso, adorei que você mencionou.

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