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12 Horas

(Gone), Estados Unidos, 2012. Direção: Heitor Dhalia. Roteiro: Allison Burnett. Elenco: Amanda Seyfried, Daniel Sunjata, Jennifer Carpenter, Sebastian Stan, Wes Bentley, Nick Searcy, Socratis Otto, Emily Wickersham. Duração: 94 minutos.

Por mais pedestre e convencional que seja a narrativa de 12 Horas, a estreia em Hollywood do diretor brasileiro Heitor Dhalia, do ótimo O Cheiro do Ralo e do mediano À Deriva, curiosamente me despertou uma agradável nostalgia adolescente das noites de sábado a noite acompanhando, despretensiosamente, o Supercine. Filme perfeitamente adequado ao horário noturno em que o cérebro parece funcionar abaixo da normalidade e a única coisa que o espectador deseja antes de cerrar os olhos é descobrir a identidade do assassino, independentemente desta revelação ser a mais estapafúrdia possível, existe algum charme nesses exemplares, nem que este venha no sentimento de frustração provocado por descobrir que os realizadores não são tão inteligentes quanto nós.

Lembranças de lado, a história escrita por Allison Burnett apresenta Jill (Seyfried), garçonete que há alguns anos fora a única sobrevivente de um serial killer, o que deixou marcas no psicológico da garota e a levou a ser internada durante dois meses em uma instituição psiquiátrica. Obcecada e desconfiada, o que justifica as aulas de defesa pessoal e os quatro trincos na porta da sua casa, Jill tem um zelo quase obsessivo pela irmã mais nova Molly (Wickersham), dedicada estudante e alcoólica em recuperação. Certa noite, ao voltar do trabalho, Jill descobre que Molly desapareceu, mesmo esta tendo uma importante prova no dia seguinte. Ignorada pela polícia (“adultos têm o direito de desaparecer”) que enxerga nela uma lunática ambulante, Jill empreende uma busca implacável pelo paradeiro de Molly antes que seja tarde demais.

A fórmula, portanto, é simples e prescinde do raciocínio e envolvimento do espectador. Jill, no melhor estilo investigadora particular, obstinadamente segue pista após pista, refazendo os passos do serial killer e, com isso, ignorando os apelos dos detetives Powers (Sunjata) e Hood (Bentley). Assim, sob o escuro céu de Portland, portando uma pistola, Jill identifica uma van suspeita depois de questionar o taciturno e misterioso vizinho defronte e descobre o abandonado apartamento do criminoso numa conversa despretensiosa com o simpático dono de uma loja de ferramentas. Tudo isso, sem muito comprometimento com a verossimilhança, pois, aparentemente, todos acreditam nas elaboradas histórias de como alguém roubara a sua bicicleta ou do avô, acometido de Alzheimer, que saiu para pescar com um amigo, e estão dispostos a, com pouca ou nenhuma resistência, fornecerem as informações necessárias para que Jill siga adiante.

Fiapo de narrativa episódico e mal desenvolvido, não é surpresa que os “personagens” no caminho de Jill sejam caricaturas descartáveis e, na maior parte das vezes, hostis apenas para que desconfiemos serem assassinos em potencial. Entre sujeitos ameaçadores que não hesitam encarar de baixo para cima e outros de dentes podres e amarelados e intenções dúbias, a angelical Jill destaca-se no submundo por todas as razões erradas na busca daquele com “olhos de estuprador“, como alguém lhe afirma certo momento. O que, porém, a jovem não parece cogitar é que, embora ela não se recorde das feições do serial killer, ele certamente se lembra dela, o que começa a minar o fraco roteiro na medida em que pensamos nele em retrospecto.

Se é escusável esse rombo na lógica narrativa, é impossível relevar a inexistência de correlação entre os passos da investigação de Jill e o evento fortuito que inaugura o terceiro ato (no caso, a descoberta de um número telefônico). De que adianta o investimento emocional na jornada se particularidades como o carro cor de vinho e invadir determinado apartamento não interferem concreta e decisivamente em nada no desfecho? Basta pôr as engrenagens mentais para funcionar com um pouco de discernimento para identificar colossais furos na narrativa, os quais não vou revelar sob pena de estragar as surpresas (?) narrativas, que culminam no desapontante, patético e anti-climático final.

Dessa maneira, não há muito que o diretor Heitor Dhalia possa fazer para reduzir o estrago provocado pelo péssimo roteiro. Introduzindo flashbacks das traumáticas memórias de Jill a conta-gotas, o diretor acerta no ambiente frio e opressivo empregado na narrativa, destacado pela boa fotografia de Michael Grady, além de se mostra hábil na tensão sugerida ao longo do trajeto nos caminhos vicinais de uma floresta. Mas, os ingratos closes com que leva o espectador a induzir a desaprovação e/ou ofensividade de praticamente todo o restante do elenco e o sumiço de um importante personagem que retorna, sem abrir a boca, num plano-médio no final demonstram um nervosismo de Heitor Dhalia, o qual ninguém poderia suspeitar depois de ter visto seus outros filmes nacionais.

Perdida nas incongruências de alguém que não hesita caminhar sozinha a noite, embora vítima recente de um sequestro traumático, Amanda Seyfried grita seus diálogos desesperadamente e age desprovida da menor sutileza, o que parece se justificar na desculpa de que estamos acompanhando uma jovem no exercício imperfeito de suas funções mentais. Junto a ela, um apático elenco incluindo Wes Bentley, Jennifer Carpenter (irmã do Dexter, que no cinema virou coadjuvante de luxo), Sebastian Stan e Daniel Sunjata que não se esforçam em conferir tridimensionalidade a bem definidos esteriótipos, o policial bonzinho, a melhor amiga.

Quem sabe 12 Horas funcione melhor com os notívagos daqui a uns 4, 5 anos nas telas do Supercine. Porque precisa estar com muito sono para se convencer com esse thriller!

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3 comentários em “12 Horas”

  1. E aí, Márcio

    Tudo bem? Como vai a família? A esposa? Os meninos?
    Devem estar grandes, né!

    Então tudo bem.

    Por que você não faz a crítica do filme nacional "Os 3". Saiu esta semana nas locadoras. É um ótimo filme sobre relacionamento e amizade entre três jovens. Misturado um pouco com o tema de "reality show" pra bagunçar a vida deles, mas o principal é a amizade entre o triângulo.

    Abraço,

    Mauricio.

    Só mais uma coisa. Essas duas letras "L" no "Sallem" é aquele lance de numerologia?
    Acho que vou tirar o "u" do meu nome pra ficar " Mallricio.

  2. Realmente, o filme nem tenta esconder as inúmeras falhas, mas não vou negar que em alguns momentos me fez esquecer delas em função de algumas cenas a meu ver bem conduzidas, inverossimilhanças à parte, como na longa jornada que a personagem de Seyfried percorre de carro no escuro e sozinha, falando com o algoz no telefone — que me deixou muito tenso –, e para depois culminar num clímax, como você diz, totalmente anti-climático, o que devo dizer que achei ousado por parte de Dhalia ou dos produtores (possivelmente eles devem ter posto a mão no corte final).

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