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Espelho, Espelho Meu

(Mirror Mirror), Estados Unidos, 2012. Direção: Tarsem Singh. Roteiro: Jason Keller baseado na estória de Jacob Grimm e Wilhelm Grimm. Elenco: Julia Roberts, Lily Collins, Armie Hammer, Nathan Lane, Jordan Prentice, Mark Povinelli, Joe Gnoffo, Danny Woodburn, Sebastian Saraceno, Martin Klebba, Ronald Lee Clark, Michael Lerner, Sean Benn. Duração: 106 minutos.

Apesar de escancarar a crise de criatividade que assola o mercado cinematográfico norte-americano, uma adaptação live action do conto de fadas da Branca de Neve não me parecia uma má ideia. A animação clássica da Disney, a primeira do estúdio, já tem 75 anos de idade e, mesmo que permaneça jovem, a repaginação da princesa respeitaria o maior ativismo feminino nos dias atuais sem abdicar do tom de fábula. Contudo, se ideias originais já renderam filmes decepcionantes, reciclagens tendem a ser mais preocupantes pois, obrigadas a respeitar e honrar o original, elas devem ainda justificar o porquê de existir. Nesse sentido, Espelho, Espelho Meu, atraente para o restrito público-alvo, garotas na fase de princesa, frustra o espectador mais exigente e os relutantes pais que deverão, provavelmente, assistir a uma cópia dublada que amputa a melhor coisa do filme: sua vilã.

Baseado no conto dos irmãos Grimm e mesclando elementos da animação da Disney, o roteiro de Jason Keller não esquece o tradicional “Era uma vez…”, pronunciado pela Rainha Má (Roberts), para contar a história da princesa de tez branca como a neve, lábios vermelhos como o sangue e o cabelo preto como ébano, Branca de Neve (Collins). Após completar 18 anos, ela escapa da prisão domiciliar na torre mais alta do palácio e, surpresa, testemunha que os cidadãos não cantam e dançam como antes, sofrendo a miséria provocada pelos impostos. Enviada para morrer na tenebrosa floresta vizinha pelas mãos do lacaio Brandt (Lane), Branca de Neve encontra abrigo com sete “adoráveis” anões ladrões e se apaixona pelo príncipe Alcott (Hammer), também disputado pela Rainha por motivos exclusivamente financeiros. Nada distante do popular, embora Jason Keller use a licença criativa para excluir o personagem do Caçador e rearranjar certos elementos, uns bem sucedidos (a maçã envenenada) e outros não (o beijo).

Se certas decisões contribuem para eficiência da narrativa, o roteiro apresenta maior parcela de erros do que acertos. Rebatizar os anões e remover a engessada personalidade da versão animada é uma boa sacada e os intérpretes dão conta do recado, o mesmo não se pode afirmar dos outros aborrecidos coadjuvantes. Além disso, se é divertida a batalha naval disputada no salão do palácio, remetendo a vilã à Rainha de Copas de Alice, porque incluir minutos depois um desnecessário tratamento de beleza para um baile de máscaras onde a majestosa Rainha mal consegue identificar a misteriosa acompanhante de Alcott? Com relação ao príncipe, transformá-lo num bobão rende risos envergonhados pontuais, mas não convence no encanto provocado em Branca de Neve e o romance água com açúcar desprovido da menor química ou energia. Apresentá-lo sem camisa também não ajuda e atesta a incapacidade da narrativa em dialogar com o público, julgando ser o bastante mostrar o tórax nu de Armie Hammer.

Por sua vez, Branca de Neve acertadamente se esquiva da passividade, fragilidade e dependência do príncipe encantado, porém conserva um charme prendado com que conquista o coração dos anões, o que a transforma em uma amálgama curiosa da jovem independente presa a paradigmas conservadores. Furtando características de outros personagens, como a de roubar dos ricos (leia-se: da rainha) e dar aos pobres e as habilidades da personagem título de Deu a louca na chapeuzinho!, as quais demonstra burocraticamente na luta contra marionetes e na desafortunada “briguinha” com o príncipe Alcott, a modernização da Branca de Neve é razoavelmente bem sucedida, apesar de evidentes as limitações provocadas pelo roteiro. Assim, não é difícil que a Rainha sobressaía-se, roubando a cena nas tiradas sarcásticas (ao se referir ao pretensioso nome de Branca de Neve) ou vaidosas (ao se autointitular a mais bela e inteligente) e na presença de cena de Julia Roberts e sua estatura imponente, o que a direção de Tarsem Singh ressalta nos quadros, sobretudo nos encontros dela e a pequena Lily Collins.

Depois de amargurar um ostracismo de atuações decepcionantes em filmes igualmente abaixo da média, Julia Roberts diverte-se com sua personalidade diabolicamente manipuladora e narcisística, seduzindo o espectador a se encantar por sua sibilina Rainha. O que provoca a desilusão, nos 30 minutos finais, de que não estamos diante de um filme da vilã, mas da não-tão interessante Branca de Neve, e caso fosse um espelho mágico honesto, certamente não escutaríamos que Lily Collins é a mais bela do reino! Ela com suas destacadas sobrancelhas, não justifica plenamente a amizade dos sete anões nem a paixão de Alcott interpretado por Armie Hammer (de A Rede Social e J. Edgar), preso a uma atuação campy constrangedora onde se transforma, figurativamente, em um cachorro, com direito a uivos e lambidas.

O que, porém, parece não render maiores preocupações à produção cujos interesses passam longe de estabelecer personagens secundários minimamente interessantes e uma química satisfatória entre eles. Acomodando-se no rótulo de subproduto feminino e investindo mais na estética do que no conteúdo, a direção de Tarsem Singh (de A Cela e Os Imortais) aposta em figurinos suntuosos e um design de produção encantador e farto em detalhes, da maçaneta incrustada de pedras preciosas à majestosa imagem do castelo pairando no horizonte. Festim para os olhos que disfarçam a narrativa preguiçosa e covarde com relativo sucesso.

Ademais, no inspirado conceito do espelho mágico – ao invés da imagem fantasmagórica, um portal que leva a Rainha a um mundo pouco funcional, porém lúdico e sombrio -, o cineasta esconde uma menção a O Retrato de Dorian Gray e uma discreta crítica à vaidade no temor da vilã em envelhecer.

A bela fotografia de Brendan Galvin, cujo horizonte de papel de cor destaca cores, texturas e contornos dos luxuosos figurinos também ajuda a estabelecer o fantástico mundo do faz de conta. Já a trilha de Alan Menken aproveita sons tipicamente cartunescos, rendendo-se a um final Bollywoodiano que, ao mesmo tempo em que homenageia a nacionalidade de Tarsem Singh, apresenta um número musical cafona, incapaz de esconder a expressão embaraçada de Sean Benn.

Lindo de se ver e dono de um ritmo adequadamente ágil, Espelho, Espelho Meu é apenas um filme de princesa, quando poderia ousar e ser o filme de uma rainha, ou melhor, da Rainha.

Confira também o termômetro do Kritz.

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