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A Morte

La commare secca, Itália, 1962. Direção: Bernardo Bertolucci. Roteiro: Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci e Sergio Citti. Elenco: Francesco Ruiu, Giancarlo de Rosa, Vincenzo Ciccora, Alfrego Leggi, Gabriella Giorgelli, Santina Lisio, Carlotta Barilli, Ada Peragostini, Allen Midgette, Renato Troiani, Wanda Rocci, Alvaro D’Ercole, Romano Labate. Duração: 88 minutos.


Um dos prazeres de visitar clássicos do cinema é reconhecer nas inspirações do seu realizador e nas influências do contexto da época sua posição na história do cinema. Assim, este A Morte marca o início da carreira de um dos grandes cineastas da Itália, Bernardo Bertolucci, apoiado no movimento neorrealista e respirando o mesmo ar de Akira Kurosawa quando este desenvolvera Rashomon (1950). Este trabalho além de aproximar a ficção da realidade de Roma, onde malandros praticavam pequenos delitos e o despropósito parecia ser a bússola da vida de muitos, também apresenta uma estrutura narrativa não menos envolvente nos colocando na pele de um detetive de polícia buscando descobrir o assassino de uma prostituta.

Escrito a seis mão, com destaque a Pier Paolo Pasolini, o roteiro nos reconduz a uma praça em Roma, onde a prostituta havia sido avistada pela última vez, na esperança de descobrir o assassino a partir dos depoimentos de cerca de meia dúzia de transeuntes. Diferentemente, porém, do clássico japonês, onde existia um esforço intelectual para afastar a verdade da mentira, esta narrativa é menos rebuscada, o detetive muito mais onisciente e o desenrolar é linear, praticamente repetindo a mesma fórmula para cada um dos depoentes: personagem revisita o período vespertino e o que o levou a estar na praça naquele momento da noite apontando, se existir, algum outro suspeito que tenha tomado nota.

Forma-se praticamente uma antologia de pequenas histórias sobre a realidade marginal italiana: na primeira, Canticchia é um rapaz à procura de emprego e que encontra dois amigos e parte com eles para vagabundar e praticar furtos; na outra, Bostelli é um gigolô vivendo às custas da herança da mãe de Esperia, a sua esposa, e não hesitando de traí-la quando conveniente; há ainda um soldado, Theodoro, abordando mulheres na rua, acompanhando uma visita guiada ao Coliseu e terminando o dia dormindo no banco da praça, além de dois adolescentes, Francolicchio e Pipito, precisando de dinheiro para impressionar duas garotas. Cada um destes flashbacks é intercalado com breves insights do último dia da vida da prostituta no momento em que uma forte e abrupta chuva atinge Roma.

Menos inteligente do que se presumiria ser, a narrativa preocupa-se mais em humanizar os personagens do que em descobrir a identidade do assassino (praticamente um anti-clímax). Contando com, na maioria, atores amadores, alguns relativamente talentosos e outros muito embaraçosos (Allen Midgette, o intérprete do soldado, e Alvaro D’Ercole, o de Francolicchio, decepcionam), Bernardo Bertolucci emula o estilo neorrealista nos planos-sequência e closes desconfortáveis, nos diálogos improvisados e na iluminação natural na fotografia de Giovanni Narzisi. Aliás, assim como em Mamma Roma os planos noturnos têm um charme maior, especialmente o recorrente plano da praça, sob luzes escassas.

E é na praça Paolino, onde todos aqueles desconhecidos eventualmente se esbarrariam, que Bernardo Bertolucci demonstra um enorme talento na concepção de quadros que viria a se solidificar nos seus clássicos O Último Tango em Paris e O Último Imperador. Revelando somente o necessário, o diretor insinua uma presença na caminhada de Canticchia à distância para depois a concretizar na figura de um novo personagem. Da mesma maneira, a decupagem e a mise-en-scène são muito bem elaboradas, pensando nos detalhes da geografia da cena de forma que não existisse qualquer ponta solta, e a presença do soldado é tão discreta num primeiro momento que mal saberíamos se tratar de um novo suspeito.

Este domínio da narrativa, mais do que o conteúdo que acaba sendo desapontante, é o que valid o primeiro esforço de Bernardo Bertolucci na direção. Todos sabemos quem esse jovem italiano viria a se tornar depois.

Esta crítica integra o especial do Cinema com Crítica que celebra o aniversário de clássicos que completaram 50 anos de idade. Na próxima edição, Tempestade sobre Washington.

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2 comentários em “A Morte”

  1. Muito bacana a análise, Márcio. Saber quem seria Bertolucci dali a algum tempo torna a experiência de conferir "A morte" ainda mais interessante. Acredito que o desapontamento referente ao roteiro seja um charme a mais no momento em que decidimos revisitar a carreira desse gênio, ainda que, para o filme em si, seja de fato um problema.

    Abraços!

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