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Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

The Four Horseman of the Apocalypse, Estados Unidos/México, 1962. Direção: Vincente Minnelli. Roteiro: Robert Ardrey e John Gay baseado no livro de Vincente Blasco Ibáñez. Elenco: Glenn Ford, Ingrid Thulin, Charles Boyer, Lee J. Cobb, Paul Lukas, Yvette Mimieux, Karlheinz Böhm, Paul Henreid, Harriet E. MacGibbon e George Dolenz. Duração: 153 minutos.


Assumo ter resistência sobre-humana a melodramas: o pieguismo dos diálogos machuca os ouvidos, os romances impossíveis, beijos sorrateiros e traições inesperadas rivalizam os das novelas mexicanas e os personagens mudam da água para vinho e se sacrificam em nome do amor. Muito açúcar faz mal, diria qualquer médico! Tudo isso, por sua vez, também justifica a minha decepção a cada novo filme que assisto do cineasta Vincente Minnelli. Se gosto de Agora Seremos Felizes (1948), com Judy Garland, primeira esposa do sujeito e mãe de Liza Minnelli, e dos bons O Pai da Noiva (1950) e Gigi (1958), na maior parte do tempo, o diretor apenas me aborrece com a sua visão cafona, melosa e colorida. Características que combinavam com o pós-guerra e a aversão do público norte-americano a narrativas cínicas e contundentes, mas que em 1962 refletem a preguiça de um cineasta em amadurecer. Eis que nasce o épico e chato melodrama Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

Escrito por Robert Ardrey e John Gay a partir do livro de Vincente Blasco Ibáñez, a história apresenta o próspero e festeiro Julio Madariaga (Cobb), o patriarca de uma família heterogênea (um de seus genros é francês; o outro, alemão) e que habita em idílica propriedade na neutra Argentina, “um lugar de paz, alegria e amor“, ele diz. Sobrevivente da primeira guerra e orientando a sua família, seu bem mais precioso, a permanecer imparcial desfrutando a vida, o destino lhe arma uma trágica sequência de eventos no limiar da segunda guerra: o seu querido neto Heinrich (Böhm), supostamente egresso da faculdade de medicina, informa ter se filiado ao partido nazista. Tendo morrido (literalmente) de desgosto e esfacelado os laços familiares, ao menos o avô manteve vivos seus ensinamentos no coração de outro neto, Julio Desnoyers (Ford), um convicto mulherengo valendo-se do seu passaporte argentino para gozar a vida em Paris, apesar da chegada do exército de Hitler.

Superficial, egoísta e fútil, Julio é o típico protagonista à beira de vivenciar um arco dramático (melhor dizendo: sofrer uma metamorfose) graças a feridas provocadas pela guerra naqueles mais próximos. Destilando charme playboy inclusive em mulheres casadas, e Marguerite (Thulin, uma das atrizes mais presentes na obra de Ingmar Bergman) é o novo alvo, e passeando de carros conversíveis em alta velocidade, não existe dúvida de que Julio, eventualmente, se tornará autor de ações heroicas e participará de atos terrorista de um grupo revolucionário francês. Pudera, o ressentimento do pai, Marcelo (Boyer), que jamais defendeu seus ideais e convicções, contamina convenientemente a mais aguda decisão de Julio e o transforma em um protagonista totalmente despersonalizado (se era playboy, devia ao avô; se resolveu agir, deve ao pai). Glenn Ford também não ajuda na composição, atravessando a narrativa com um semblante inflexível e estático que não convence nem como garotão (seu figurino, porém, sim!), nem como revolucionário.

Mas, como desenvolver apropriadamente um personagem entre retratos maniqueístas, onde nazistas abraçam a caricatura vilanesca, surgindo incomodados com os menores atrasos ou narcisistas no topo do mundo suficientemente poderosos para ter o que quisessem e conquistar quem desejassem (o General von Kleig surge como o esteriótipo do nazista clássico). Além deles, o que dizer dos franceses, clichês nacionalistas que poderiam cantarolar a Marselhesa diariamente ao acordar? Ou, de Marguerite, que após o marido ser enviado para combater na guerra, deixa-se seduzir por Julio só para se dividir entre a responsabilidade matrimonial e a súbita e oportunista paixão? Por falar no romance, ele tem tantas idas e voltas que tornam impossível decifrar o que se passa na cabeça de Marguerite. Num momento, ela avisa estar apaixonada e o desejo de casar com Julio; na cena seguinte, ela nega a possibilidade de se divorciar renegando o amor recém anunciado.

Personagens unidimensionais, direção clichê: do discurso exaltado de Adolf Hitler em tons vermelhos diabólicos e desconfortáveis closes à invasão da cidade de Varsóvia e os excessos visuais no retrato de crianças e mulheres correndo, Vincente Minnelli não hesita conferir à narrativa somente o mais óbvio que se esperaria da segunda guerra. E, mais preocupado com esta abordagem datada, o cineasta se esquece de desenvolver a cronologia de maneira convincente. No princípio, letreiros saltam na tela avisando em que ano a narrativa se encontra (um recurso preguiçoso); posteriormente, o desenrolar adota uma confusa aleatoriedade, algo que atinge também personagens que simplesmente desaparecem da história: a irmã de Julio, Chi Chi, é capturada pela Gestapo, depois é solta, torna a ser capturada, e enfim descobrimos o fatídico destino da moça em uma conversa, desperdiçando o potencial dramático deste desfecho.

Até que, para não escapar do jeito Minnelli de ser, os tais cavaleiros do apocalipse surjam novamente em cena, cavalgando sobre suas bestas infernais para fins de choque meramente visual. Nesse momento, porém, já estava pensando nas boas horas de sono que a narrativa viria a me proporcionar.


Esta crítica integra o especial do Cinema com Crítica que celebra o aniversário de clássicos que completaram 50 anos de idade. Na próxima edição, A Morte (La commare secca).

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2 comentários em “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”

  1. Agradeço e elogio a crítica ora feita. Mas, quando assisti o filme, há muitos anos, me tocou profundamente porque ocorre com personagens e cenários supostamente argentino e européu. Como sou oriundo da Argentina conheci o espírito de " bon vivent " do Julio e até eu experimentei um pouco dessa liberdade louca e gostosa…A divisão familiar abordada é assunto atual, lamentavelmente. A película é bastante triste, mas apesar de defeitos que podem ser detectados por olhos profissionais, quero assisti-lo novamente. Recomendo o filme pela mensagem que traz e depois de ver tanta porcaria atual, este filme é uma mosca branca! Como todo bom filme com conteúdo temático sólido, recomendo assistir após um bom repouso, como um outro chamado Brazil: o filme. Obrigado

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