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360

360, Inglaterra/Áustria/França/Brasil, 2011. Direção: Fernando Meirelles. Roteiro: Peter Morgan baseado na peça de Arthur Schnitzler. Elenco: Lucia Siposová, Gabriela Marcinkova, Johannes Krisch, Jude Law, Peter Morgan, Jamel Debouzze, Dinara Drukarova, Vladimir Vdovichenkov, Rachel Weisz, Juliano Cazarré, Maria Flor, Ben Foster, Anthony Hopkins. Duração: 110 minutos.


Fernando Meirelles tem sido um nome fundamental para o atual estágio de desenvoltura do cinema nacional, tanto como produtor e distribuidor de obras tupiniquins quanto como uma espécie de ícone a ser seguido por nossos cineastas que sonham com uma carreira internacional. Como diretor, porém, sua contribuição tem sido menos consistente. Dono de uma elegante e normalmente funcional linguagem visual, o sucesso de Cidade de Deus (2002) deu-lhe a oportunidade de assumir produções de grande orçamento – e certamente, convites não faltaram. Ao invés de aceitá-los e submeter-se às imposições dos estúdios, ele escolheu um caminho autoral que permitisse o controle pleno sobre a produção, revelando um admirável compromisso artístico no excelente O Jardineiro Fiel (2005) e no irregular Ensaio sobre a Cegueira (2008), adaptações dos renomados autores John Le Carré e José Saramago. Sua escassa filmografia, inversamente proporcional à sua reputação, ganha nova adição com o inventivo, mas ineficiente, 360.

Escrito pelo competente Peter Morgan (dos ótimos “O Último Rei da Escócia”, “A Rainha” e “Frost/Nixon”), o roteiro de 360 estabelece um intrigante panorama circular onde pequenas ações interferem na vida de uma celeuma de desconhecidos dispersos ao redor do mundo, e retornando ao catalisador dos eventos fechando a figura geométrica sugerida no título. A partir de pontos tangenciais definidos nos encontros, as vezes forçadamente acidentais, a história discorre sobre o efeito borboleta – a alegoria da teoria do caos na qual o bater de asas de um desses insetos poderia provocar um furacão no outro lado do globo – e quando é bem sucedida, consegue retratar de maneira singular o desenvolvimento de seus personagens. Logo no começo, somos apresentados a Mirka (Siposová), uma mulher decidida a ganhar a vida na rede de prostituição chefiada por Rocco (Krisch), para reprovação de sua irmã recatada Anna (Marcinkova). O seu primeiro trabalho é em Viena durante a feira de automóveis da qual participa Michael Daly (Law), um inglês introvertido vivendo um casamento distante e frio com Rose (Weisz). Ela, por sua vez, tem um relacionamento extraconjugal com Rui (Cazarré), um fotógrafo brasileiro residente em Londres e namorado da carioca Laura (Flor). Estes relacionamentos conexos compreendem ainda um muçulmano argelino (Debbouze), um pai amargurado (Hopkins), um criminoso sexual (Foster), a russa Valentina (Drukarova) e o guarda-costas Sergei (Vdovichenkov).

Aturdido pela engenhosidade do formato proposto, Fernando Meirelles falha em conferir a uniformidade exigida pela narrativa, alternando altos e baixos nas suas quase 2 horas. A exuberante fotografia de Adriano Goldman até consegue criar vínculos estreitos entre as múltiplas histórias através da estética visual de cores lavadas calcadas em um brutal realismo urbano. Contudo, ainda que a proposta, e o formato antológico, sugira a relevância igual de todos os personagens, existe uma predileção de uns em detrimento de outros. A subtrama passada em um aeroporto atingido pela nevasca é satisfatória, assim como a envolvendo personagens do leste europeu; por outro lado, o casal vivido por Jude Law e Rachel Weisz é desinteressante e banal para merecer só uma superficial pincelada, enquanto Juliano Cazarré, Dinara Drukarova e James Debbouze são praticamente descartados sem um desfecho apropriado.

Pensando dessa forma, os personagens de 360 bem que mereceriam uma hora a mais: enquanto a doce Anna não desgruda do seu exemplar de Anna Karenina, ensaiando uma atitude impulsiva igual a heroína do romance de Tolstói, a paixão tímida do argelino esbarra nos dogmas do islã, corroendo-o mesmo que ele tenha aprendido a não demonstrar seus sentimentos (o minimalismo da atuação de Debbouze é algo louvável). Mesmo Michael e Rose teriam algo mais a revelar além do casamento arruinado, o que a direção de arte faz com competência na frieza e impessoalidade de uma residência sem sequer um porta-retratos romântico na cabeceira da cama. Falta homogeneidade à narrativa, compensada pelas boas atuações, sobretudo do conflituoso Ben Foster (com sua tradicional cara psicótica), do brutamontes de bom coração vivido por Vladimir Vdovichenkov e Anthony Hopkins, em uma atuação discreta e paternal, embora obrigado a recitar um testemunho demasiadamente comprido.

Sem conseguir dar substância ao conceito, Fernando Meirelles saí-se melhor na obsessão por espelhos, transformando-os na rima visual das decisões que movem a narrativa, as tais bifurcações, e da ambiguidade dos sujeitos neles refletidos, além de funcionarem esteticamente para conferir um ar enigmático a mise-en-scène. Criticando a inércia que aflige seus personagens, Meirelles os põe em movimento constante proporcionando encontros em meios de transporte (ônibus, avião ou durante um passeio de carro) que mostram a importância de seguir adiante e sair do repouso – veja como o cineasta é inteligente ao tornar imprescindível uma viagem para reconciliação de um casal. Especialmente a montagem de Daniel Rezende (indicado ao Oscar por Cidade de Deus, além de Tropa de Elite e Árvore da Vida) transmite a ilusão de movimento através do uso da tela dividida e cortinas, aninhadas lado-a-lado da mesma forma como se corrêssemos os olhos por dentro de um círculo.

Se acerta muito, certas intervenções de Meirelles só poluem gratuitamente a narrativa nas mudanças de foco despropositadas e na ilustração exibicionista de um motorista dirigindo com sono. Da mesma maneira, a escolha musical é preguiçosa e as composições de gosto duvidoso conferem uma identidade cultural rasteira a cada nacionalidade.

Fácil de ser dissecado em uma análise racional, mas incapaz de atingir as emoções do espectador e tornar seus personagens mais humanos, 360 padece da ambição do seu diretor em uma receita de sabores diversos, pouco recheio, muito confeito e um sabor singular, mas pouco prazeroso. Mas, mesmo diante desse novo percalço, o cinema nacional ainda deve muito a esse sujeito.

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5 comentários em “360”

  1. Você tem boas críticas, mas as vezes tem tanta necessidade de escrever em quantidade, se importando em colocar mais palavras pra tornar o texto bonito, que o torna cansativo e prolixo.

  2. Estou interessada em ver o filme. apesar das críticas, gosto dos filmes do Meirelles, inclusive ensaio sobre a cegueira. Acho que foi uma adaptação aceitável.
    Gostei da sua crítica. Espero assistir em breve.

    Carissa
    Arte around the World

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