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À Beira do Caminho

À Beira do Caminho, Brasil, 2012. Direção: Breno Silveira. Roteiro: Patrícia Andrade baseado no argumento de Léa Penteado. Elenco: João Miguel, Vinícius Nascimento, Dira Paes, Ludmila Rosa, Denise Weinberg e Ângelo Antônio. Duração: 104 minutos.


Mantenha Distância

Deveria existir um verbete no dicionário só para traduzir a solidão dos caminhoneiros durante as longas viagens nas desertas e escuras estradas brasileiras. Na companhia do ronco do motor, músicas no rádio e superstições, e com restrito contato humano, a cabine torna-se o único lar para alguns homens fugindo do passado. Este é o caso de João, personagem do João Miguel e protagonista do ótimo À Beira do Caminho, estudo de personagem tematicamente similar ao fascinante argentino Las Acacias. Misantropo, de palavras contadas, olhar pesaroso e um enorme peso carregado nas costas, João não se esforça em ser agradável nem com o estranho que se senta à sua mesa em um restaurante de beira de estrada, nem tampouco com Duda, um órfão de mãe que encontra escondido no caminhão. A princípio por circunstâncias alheias à sua vontade e depois por compaixão, João promete levar Duda a São Paulo onde o garoto sonha reencontrar o pai que o abandonou antes de ter nascido. Mas no trajeto, o motorista defronta-se com memórias amargas na tentativa de se reconciliar com o seu passado.

Viver é como Desenhar sem Borracha

Introduzindo flashbacks pontuais de uma juventude cálida ressaltada nos tons amenos da fotografia de Lula Carvalho, o diretor Breno Silveira (do também ótimo Os Filhos de Francisco) revela o passado do seu protagonista sem recorrer à exposição exagerada. Ao invés disso, somos visitados por doces lembranças de dois amores do passado, Rosa (Paes) e Helena (Rosa), e as circunstâncias que levaram um jovem bonachão, quase um sósia do rei Roberto Carlos, a se transformar em um homem amargurado cuja melancolia protrai-se ao longo de sua contemplativa jornada. Mais do que investigar quem é João, Breno Silveira também utiliza as idas ao passado para explorar o contraste com o presente e discutir o peso de nossas ações e as suas consequências, e desta forma, o coração aperta diante da incapacidade de João de escolher as palavras certas para concluir uma carta (que no final revelam-se as mais simples e eficazes opções).

Para quem não tem nada, metade é o dobro

Enquanto isso, a presença de Duda inadvertidamente relembra João do maior erro do seu passado, mas a energia contagiante e os sentimentos sinceros do garoto enfim o levam a sorrir discretamente e preencher, aos poucos, o vazio da sua existência. Por sua vez, João substitui, ao menos temporariamente, a figura paterna buscada por Duda, e Breno Silveira é inteligente em registrar a aproximação gradual dos dois: do afastamento acentuado pela profundidade de campo na cabine até o tocante momento em que Duda se dedica a um João tomado pela bebedeira, a amizade desenvolve-se naturalmente, pois ambos se completam. Isto é acentuado nas ótimas atuações centrais, de um lado o extraordinário João Miguel e a sua capacidade de evocar diversos sentimentos em único olhar marejado, e do outro, o jovem Vinícius Nascimento que conquista com a sua esperança e inocência, além de conferir autenticidade a momentos simples (jogar futebol ou brincar no rio) como nos mais agudos (o choro aprisionado há muito tempo). Mas como ignorar a ainda apaixonada Rosa, vivida com sensibilidade por Dira Paes, que em um único aperto de mãos e um pedido para carregar a sua mala supera imediatamente a desconfiança de Duda – observe que essas duas ações banais foram refutadas de pronto por João, numa rima narrativa singela.

Quando a saudade não cabe no peito, ela transborda pelos olhos

Imersos em uma triste nostalgia, a narrativa inspirada nas canções de Roberto Carlos é também pontuada com rara felicidade pelas músicas do Rei. Organicamente introduzidas seja no CD que toca no rádio, seja na trilha incidental, clássicos como “A distância”, “Como vai você”, “Outra vez” e “Eu voltei” desempenam papéis-chave em pontuar o estado de espírito de algum personagem. Assim, enquanto escutamos os versos de “Esqueça”, durante a linda cena ao redor de uma fogueira, vislumbramos que Rosa consegue finalmente desvincilhar-se da sua prisão emocional; por outro lado, quando Duda começa a cantarolar “Amigo” e João o corrige, uma semente de afeição é plantada.

Não há mal que perdure, nem há dor que não se cure

Contudo, mesmo preenchido pelo espírito de Roberto Carlos, Breno Silveira evita o pieguismo de suas melodias na maior parte do tempo e constrói uma narrativa minimalista que é tão áspera quanto é emocionante. Se a paisagem árida dialoga com o endurecido coração de João na vida a que ele escolheu se submeter, ao ser questionado por Rosa “Como você está?”, a sua resposta, “Igual”, traduz bem e de forma concisa os seus últimos anos vagando como moribundo. Além disso, é mais doloroso rever em silêncio um mural de fotos do que contar à história numa narração artificial (como outros diretores costumeiramente fazem). O que, porém, não escusa a narrativa de pregar nos desnecessários diálogos de Duda, ironicamente o menos indicado a aconselhar alguém: “a gente não pode abandonar quem a gente ama” ou “olhe para frente”.

Espere o melhor, prepara-se para o pior e aceite o que vier

Apresentando momentos discretos de humor (a visita a uma delegacia é divertida), o surgimento de um personagem no terceiro ato e o desfecho otimista pareceram-me dispensáveis. Mas esta não é uma questão de insensibilidade, pois mentiria se dissesse que não me emocionei, é só que após percorrer quilômetros de chão com João e Duda, esperava que o ponto final de À Beira do Caminho não se satisfizesse com soluções fáceis. Até chegarmos no destino, porém, nosso coração já fora conquistado por estes dois viajantes aflitos porém esperançosos.

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3 comentários em “À Beira do Caminho”

  1. Verei…ando sempre em busca de produções nacionais de qualidade..e pela sua sugestão não deixa dúvidas…muito obrigada .

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