Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

Ato de Coragem

Act of Valor, Estados Unidos, 2012. Direção: Mick McCoy e Scott Waugh. Roteiro: Kurt Johnstad. Elenco: Tenente-comandante Rorke, Comandante Dave, Comandante-sênior Van D., Alex Veadov, Roselyn Sanchez, Emilio Rivera, Nestor Serrano, Jason Cottle. Duração: 110 minutos.


Se o Tio Sam, o velhinho de cartola símbolo dos Estados Unidos, dedo indicador em riste e os dizeres “eu quero você” convocando jovens para se alistarem no exército, pudesse elaborar uma lista de seus melhores filmes, Ato de Coragem certamente estaria no topo. Propaganda belicista disfarçada de homenagem aos seus heróis da vida real, os SEALs (a força de operações especiais da Marinha), o filme tenta resgatar o orgulho patriótico norte-americano, mas somente consegue dar provas contundentes da repugnante indústria de guerra: a paranoia e alienação alimentadas ao público nas terras gringas, a mania de perseguição instaurada pelo governo, pois “todos querem matar norte-americanos”, e um complexo de super-homem desde o instante em que vestem os uniformes, permitindo até mesmo que a costura da bandeira interrompa a trajetória de um foguete disparado à queima-roupa. Não é arte e/ou entretenimento, só um vergonhoso instrumento de recrutamento de jovens para perecerem nas areais quentes do Oriente Médio ou outra região que os Estados Unidos venham meter o nariz na sua cruzada pela defesa da democracia.

Dirigido por Mike McCoy e Scott Waugh, ex-dublês, e escrito por Kurt Johnstad (de 300 que não primava pela sutileza), o roteiro apresenta uma equipe de SEALs, que segundo a narração em voice over são “guardas da liberdade contra as forças do terror e da tirania”, convocados para resgatar a agente disfarçada da CIA Lisa Morales mantida refém pelo perigoso traficante Christo. Depois da missão, eles descobrem que Abu Shabal, um fanático terrorista, planeja um atentando ainda maior do que o 11 de setembro no solo americano. Em uma corrida contra o tempo para impedir os planos genocidas desse lunático, os soldados partem para defender valores nobres como a honra, liberdade, justiça, família e o estilo de vida americano, em uma missão de alta complexidade no México. Agora, se esta sinopse padrão de um filme de ação B da década de 80 foi capaz de irritá-lo, você ainda não chegou na pior parte.

Claramente incapaz de produzir um conteúdo imaculado pela ideologia beligerante republicana, Ato de Coragem também não funciona como exemplar do cinema de ação. Mas como poderia, se os diretores parecem ter perdido mais tempo jogando Call of Duty do que decupando as confusas sequências de ação? Assim, limitados à perspectiva de primeira pessoa com a câmera acoplada na arma e o uso excessivo da câmera subjetiva, a dupla sequer consegue esclarecer a geografia das cenas – onde estão os personagens durante o tiroteio na região do tráfico mexicano? – e transforma os inevitáveis confrontos em orgias de tiros disparados para todos os cantos. E, para piorar mais, a montagem retalha as sequências beirando a incompreensão o que acaba ratificando a inspiração dos cineastas em Falcão Negro em Perigo, não obstante, outro filme panfletário e intransigente sobre a guerra.

Por sua vez, as missões também não exigem grandes demonstrações de coragem, exceto uma pontual já no terceiro ato, e mesmo as bem-planejadas e executadas ações táticas (emboscadas, na verdade) eventualmente cansam pela repetitividade de um franco-atirador eliminando os inimigos até que o restante da equipe conclua o seu objetivo. Porém, é a visão maniqueísta dos “arautos da liberdade” e dos terroristas o que mais incomoda na narrativa: Christo, embora humanizado por sua família, comanda a dolorosa e cruel tortura de Lisa, já Abu não demonstra remorso em matar dezenas de crianças além de ostentar uma enorme cicatriz no rosto para mostrar a sua maldade e caminhar batendo o pé e fazendo bico; enquanto isso, os heróis não se desviam nem um centímetro do politicamente correto e até evitam ameaçar para obter informações vitais, como no interrogatório em que o comandante limita-se a afirmar que um vilão passará tempo longe de sua família, mesmo podendo ir mais além na sua intimidação.

Porém, se o chamariz do projeto é a presença de SEALs reais interpretando a si mesmos, o roteiro falha em torná-los personagens tridimensionais, e sob a pesada camuflagem todos parecem iguais, não homens, mas pedaços de uma única ideia militar. A desastrada inclusão de dramas pessoais artificiais prejudica ainda mais a narrativa, e o desejo de Rorke de cumprir a sua promessa e retornar à família é incessantemente martelada na cabeça do público com a aborrecida afirmação de que os soldados estão “sempre tentando chegar em casa”. Finalmente, apresentados impessoalmente não pelo que são, mas pela quantidade de idas aos combates, aqueles homens ingenuamente revelam o pior aos jovens: a banalização da guerra, nada mais do que um trabalho corriqueiro, e um equivocado senso de indestrutibilidade, atenuado somente para explorar alguma virtude dos soldados, como o sacrifício pelo próximo.

Com a péssima fotografia de Shane Hurlbut que distorce as tonalidades do pôr-de-sol e mostra-se incapaz de lidar com a luminosidade excessiva, e a inexplicável decisão de usar os ângulos mais obtusos durante um simples diálogo no navio, Ato de Coragem mal consegue atingir a sola das botas dos SEALs. Muitos deles, homens iludidos pela cruel propaganda de que a única contribuição que podem dar ao seu país passe pelos caminhos do combate. Para eles, infelizmente, a casa é um sonho distante e idílico, ameaçada não por sádicos, déspotas e terroristas, mas por aqueles sujeitos que lucram com a guerra e certamente patrocinaram essa bobagem reprovável.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

14 comentários em “Ato de Coragem”

  1. Vários fatos e críticas sobre o filme me fizeram rir muito. É muito provável que eu não veja (por falta de interesse e tempo), mas… quem sabe? E, respondendo: ótimo texto!

  2. Só uma pequena correção: eles são Seal's e não fuzileiros ! Chame um Seal de fuzileiro e ele não vai digamos, gostar muito !

  3. Assisti o filme.. Não é nenhuma super produção, mas é legal de ver. Trilha sonora BEM legal.. (keith urban- for you) Música massa!! Em suma, filme legalzinho, acho que pegaram meio pesado nas críticas..

  4. Assistir um filme e não gostar por ter um teor politico que você é contra é uma imbecilidade sem tamanho, assistam o filme ele é um otimo filme de ação como jarhead entre outros mais novos.

  5. Sua afirmação é imprecisa e imponderada. Usei o teor político como forma de contextualização da narrativa no primeiro parágrafo, e no restante discuti com argumentos que mesmo como exemplar de ação ou meramente de cinema, Ato de Coragem é falho.

    Agora, você não pode evitar de comentar de um filme que abraça orgulhosamente sua proposta beligerante e convocatória.

  6. De fato ele idealiza, ao alistamento.. me fez até refletir, o por que eu não "servi" o quartel.. hasuhashs
    Mas o filme é muito bom! a historia é boa, os poemas que eles usam são lindos, e as cenas de ação?!.. . cada uma melhor que a outra!!
    Recomendo.

  7. filme muito bom, história muito emocionante, para aqueles q não gostaram do filme, fica criticando isso e aquilo, vão assistir novela ok !!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Críticas
Marcio Sallem

Dois Papas

Crítica de Dois Papas, produção estrelada por Jonathan

Rolar para cima