Aumentando seu amor pelo cinema a cada crítica

Search
Close this search box.

50 Anos | Sob o Domínio do Mal

The Manchurian Candidate | Estados Unidos | 1962 | Direção: John Frankenheimer | Roteiro: George Axelrod baseado no livro de Richard Condon | Elenco: Frank Sinatra, Laurence Harvey, Janet Leigh, Angela Lansbury, James Gregory, Leslie Parrish, John McGiver, Henry Silva, Knigh Dhiegh| Duração: 2h9min

Um dos momentos mais elucidativos já vistos no cinema acerca do verdadeiro significado da Política acontece em Sob o Domínio do Mal no decorrer de uma festa à fantasia, em que Eleanor Shaw, vestida de pastora, puxa com um cajado o pescoço do marido, o senador John Iselin, caracterizado de Abraham Lincoln, um dos grandes presidentes da história norte-americana, quiça o maior. Considerando ainda que Eleanor é a única a fazer política no recinto, enquanto os demais participantes estão mais ocupados em se divertir, dançar e beber, o diretor John Frankenheimer apresenta um pertinente e contemporâneo retrato de como os cidadãos (as ovelhas do rebanho) estão propensos a ignorar as decisões mais importantes para a sociedade, as que afetam direta ou indiretamente a vida cotidiana, desde que seja mantido à sua disposição o pão e o circo. Pior: nem mesmo os eleitos nas urnas são os quem tomas tais decisões revelando-se tão ovelhas quanto os demais, escondidos detrás de interesses maiores. Cegos e embriagados, mal vemos as cordas sendo puxadas para manter a ilusão da Política, e até os mais absurdos métodos passam desapercebidos, como a manipulação mental praticada nesta obra-prima.
Baseado no livro de Richard Condon, o roteiro de George Axelrod é ambientado durante a Guerra do Coréia com o retorno aos Estados Unidos de Raymond Shaw (Laurence Harvey) e do seu superior Benjamin Marco (Frank Sinatra). Agraciado com a medalha de honra e recepcionado como um herói por sua mãe Eleanor (Angela Lansbury, indicada ao Oscar por este papel) e seu padrasto John Iselin (James Gregory, o filhotinho que resultaria de Joseph McCarthy e Richard Nixon), que apenas querem usar a sua popularidade para alavancar a carreira política desse, Raymond prefere distanciar-se da mãe, com quem tem uma relação conturbada, e assumir um emprego em um jornal supostamente comunista — terminologia usada gratuitamente durante a Guerra Fria para alimentar a paranoia da população e a perseguição política, e de quebra render preciosos minutos de holofote para Iselin. Enquanto isso, Ben Marco sofre com pesadelos recorrentes acerca de um experimento que poderia ter sido realizado com o seu batalhão e supostas memórias enxertadas relacionadas ao heroísmo de Shaw. Mas após descobrir que outro soldado tem tido os mesmos sonhos, Marco decide investigar uma conspiração que envolve a lavagem e o condicionamento cerebral de Raymond, ativado sempre que necessário para cumprir as missões exigidas por Eleanor.

Elevando a paranoia a níveis extremos, John Frankenheimer é inteligente ao evitar soluções precipitadas para os conflitos da narrativa. Sabemos que existe um propósito para que Raymond seja manipulado e isto vem sendo revelado aos poucos: em primeiro lugar, assumir o jornal em que trabalha; depois, auxiliar decisivamente na escolha do seu padrasto como candidato à vice-presidência. Assim, se alguns norte-americanos, embora se revelem patriotas ostentando uma águia dourada na sala de estar, agem como inimigos da nação, os personagens ditos comunistas e opositores do regime democrático, como chineses e soviéticos, reforçam o caráter conspiratório existente na narrativa. Um tom que atinge um extraordinário nonsense durante a sequência onírica que tanto aflige Ben Marco, na qual é forjada um herói de guerra, apropriadamente descrito como um “mecanismo”, sob a égide de Stalin e Mao Tsé-Tung.
Descendo os degraus do poder ao mais íntimo, a narrativa acerta na trágica figura de Raymond Shaw: através de uma interpretação cuidadosa de Laurence Harvey, que não teve o reconhecimento merecido pelo papel, Raymond carrega o peso de ser filho de sua mãe (há um tom incestuoso na relação) e amaldiçoa o fato de não ter sido “amável”, confidenciado a Ben em um momento emocionante. Incapaz de estar com Jocelyn (Leslie Parrish), a mulher que ama, ou de fazer o que sonhava, os raros momentos de felicidade de Raymond surgem caprichosamente nas escassas memórias do verão antes da guerra. E quando enfim supera a manipulação mental da mãe e pode ficar com Jocelyn, Raymond é vítima do seu senso de justiça participando até as últimas consequências do impactante terceiro ato da narrativa. Não menos conflituoso, Ben Marco não evita tecer um comentário invejoso ao ver a medalha pela primeira vez (“há 20 anos no exército e nunca tinha visto uma dessas”) nem de usar Raymond da mesma forma com que a sua mãe fizera (usando um baralho), e Frank Sinatra é competente ao ilustrar que nem mesmo seu personagem seja tão heroico assim.
Enquanto isso, Angela Lansbury ostenta um semblante assustadoramente frio e o discreto plano-detalhe envolvendo uma garrafa de ketchup só comprova como ela conseguia manipular qualquer um sem que o roteiro precisasse enfatizar isto em diálogos expositivos. Já o restante do elenco feminino com as belas Janet Leigh e Leslie Parrish acrescenta um elemento emocional incompatível com o tom da narrativa, e justamente por isso, servem como a redenção almejada por Ben e Raymond.
Inteligente no emprego de planos fechados e inclinados, no uso de ângulos baixos durante a confissão de Eleanor e na construção da gigantesca tensão do terceiro ato com o auxílio da ótima montagem de Ferris Webster, John Frankenheimer revela o limiar em que políticas e paranoia se confundem; e o resultado não é menos do que espetacular.

P.S.: a ótima refilmagem dirigida por Jonathan Demme e estrelando Denzel Washington, Meryl Streep e Liev Schreiber adapta a história para a Guerra do Golfo.

Esta crítica integra o especial do Cinema com Crítica que celebra o aniversário de clássicos que completaram 50 anos de idade. Na próxima edição, três filmes com algo em comum: O Mais Longo dos Dias, A Conquista do Oeste e Muralhas do Pavor.

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

1 comentário em “50 Anos | Sob o Domínio do Mal”

  1. Rapaz, até você me propor este filme paar o especial, nunca havia me interessado verdadeiramente. Devia ter pego ele e O Sol é Para Todos, então. =P

    Enfim, esse clima de paranoia instaurado nos EUA é realmente bizarro. Beira o cômico, na verdade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você também pode gostar de:

Rolar para cima