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Crítica | Dredd

Dredd | 2012 | Direção: Pete Travis | Roteiro: Alex Garland baseado nos personagens de Carlos Ezquerra e John Wagner | Elenco: Karl Urban, Olivia Thrilby, Lena Headey, Warrick Grier, Wood Harris, Domhnall Gleeson, Langley Kirkwood | Duração: 1h35min.

Lembram-se do juiz Dredd interpretado por Sylvester Stallone no medíocre O Juiz de 1995? Se a resposta for afirmativa, então tenho uma boa notícia: o reboot Dredd veio enfim apagar da memória os resquícios daquela bobagem. Mesmo contando com uma história simplória e banal, a narrativa é fielmente comprometida com a personalidade violenta, sádica e fascista do personagem-título baseado nos quadrinhos de Carlos Ezquerra e John Wagner. Nestes termos, sempre é muito fácil gostar de um filme honesto às suas origens que não atenua seu lado mais desagradável só para atrair um público maior, e Dredd é exatamente este tipo de filme.
Escrito por Alex Garland (dos ótimos Não me Abandone Jamais, Sunshine – Alerta Solar e Extermínio), o roteiro apresenta um futuro distópico consumido pela radiação e que levou a civilização a habitar dentro de gigantescas metrópoles, como a decadente e superpovoada Mega City Um. Com 800 milhões de residentes espalhados nos sujos prédios-condomínio de 200 andares, a cidade é um antro de violência, drogas e crimes combatidos ostensivamente pelos membros do Salão de Justiça: os juízes. Cobrindo o seu rosto com capacetes que tanto simbolizam a atuação da justiça quanto asseguram o anonimato e impessoalidade, os juízes têm a missão de prender, julgar e executar os condenados no ato, um trabalho que mal consegue conter a explosão da criminalidade na cidade.

Dentre esses juízes, destaca-se Dredd (Karl Urban), um homem seguro, disciplinado e rígido, há bastante tempo no serviço (observem as marcas no seu capacete) para incorporar uma frieza estritamente legalista e uma indiferença à brutalidade das ruas, características acentuadas pela voz grave e inflexível de Karl Urban. Um dia, Dredd é convocado para avaliar se a médium Anderson (Olivia Thrilby) está apta a ingressar no rol dos juízes do Salão de Justiça e a submete a um dia de treinamento que os leva a investigar três mortes ocorridas no bairro comandado pela traficante Ma-Ma (Lena Headey, assustadoramente boa). Para não expor o esquema de produção de uma nova droga, a slo-mo, cujo efeito desacelera o cérebro e convenientemente deixa tudo em câmera lenta (realizando ainda os sonhos de diretores da estirpe de Paul W. S. Anderson e Zach Snyder), Ma-Ma aprisiona em um dos prédios-condomínio mencionados Dredd e Anderson, que devem lutar para permanecer vivos até a chegada de reforços.
Mas sobreviver não parece ser uma tarefa tão difícil para o protagonista pois, mesmo quando confrontado por devastadoras rajadas de metralhadora e encurralado por dezenas de bandidos, ele consegue transformar a experiência adversa em uma maneira de testar o potencial de Anderson para o ofício. A novata, por sua vez, é a única personagem da narrativa a exibir algum traço de humanidade, e despi-la do capacete (“ele interfere nas minhas habilidades psíquicas“) é uma das boas decisões narrativas: primeiro porque permite sentir a hesitação antes de executar à queima roupa um condenado e o remorso de descobrir ter matado um pai de família; e ainda, porque cria um contraste com Dredd, que não o remove em momento algum, dando margem para o senso de humor negro do sujeito (“uma bala vai interferir ainda mais“). E mesmo estabelecida sobre o clichê da órfã, cuja única recordação da família resume-se ao retrato amassado que guarda no bolso, a bonitinha Olivia Thrilby é competente para evitar que a ingenuidade da sua personagem a transforme na mocinha indefesa, sendo capaz de métodos tão cruéis de violência quanto aqueles praticados por Dredd.
Demonstrando menosprezo à vida humana a cada nova sequência, o diretor Pete Travis compromete-se com uma visão extrema e violentíssima da narrativa, não economizando nas mortes gratuitas (a de um transeunte e de um mendigo provam isso), no banho de sangue provocado pela perfuração e explosão de cabeças e membros e nas sádicas mortes em câmera lenta, cuja fotografia chapada salienta a selvageria da cena. A partir de um fiapo de história nada original, o diretor encontra soluções inteligentes parar ilustrar o desconforto das habilidades mediúnicas de Anderson através da distorção do segundo plano, da intensificação da luz e dos cortes secos. O que ele não consegue fazer é desviar do esquemático e atropelado terceiro ato, desastradamente introduzindo novos vilões (cuja identidade é descoberta pelos “heróis” de forma preguiçosa… duas vezes!) e apostando na chegada salvadora de um deus ex machina, saídas fáceis demais ante aos altos padrões até então estabelecidos.
Criticando a desumanidade policial cotidiana através da extrapolação dos métodos do protagonista, só menos cruéis do que os da vilã por estarem amparados na lei, o juiz Dredd enfim ganha uma narrativa à sua altura: impactante, eficiente e sanguinária. Uma grata e inesperada surpresa.

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3 comentários em “Crítica | Dredd”

  1. Sinceramente acreditava mesmo que seria algo parecido com a versão de Stallone. Para minha sorte, como fã de quadrinhos, li o segundo elogio ao filme.

    Fiquei instigado.

  2. O fato de não ter visto a primeira adaptação protagonizada por Sylvester Stallone (só conferi alguns dias depois da cabine que peguei desta versão do Pete Travis) não me fez criar expectativas, embora tenha ficado bem surpreso com os elogios conferidos a este reboot desde que foi exibido no Comic-Con. Eu não gosto muito do primeiro ato, acredito que ele não é capaz de nos situar totalmente no universo que deseja retratar, mas a ação flui muito bem a partir do instante em que os personagens adentram daquele enorme e decadente edifício. Só lamento que esta versão não deva encontrar o seu público (ao julgar pelo resultado nas bilheterias), o que impossibilitará uma nova aventura.

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