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Crítica | As Aventuras de Pi

Título original: Life of Pi | País de origem: Estados Unidos | Ano de lançamento: 2012 | Dirigido por: Ang Lee | Escrito por: David Magee baseado no livro de Yann Martel | Elenco: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Tabu, Adil Hussain, Gerard Depardieu e Rafe Spall | Duração: 2h07min.

Com uma sensibilidade quase-poética em expor emoções de personagens mais habituados a escondê-las e dono de um apaixonante domínio estético da narrativa, Ang Lee era, a meu ver, o raro exemplo de cineasta que fascinava os olhos e o coração na mesma proporção. Era porque após grandes filmes como O Tigre e o Dragão, Hulk e O Segredo de Brokeback Mountain, o cineasta derrapou no vazio e clichê Aconteceu em Woodstock e ainda não conseguiu se reencontrar neste As Aventuras de Pi, um filme de beleza inegável e uma mensagem espiritual afinada, porém emocionalmente estéril, daqueles cujas experiências e destino da jornada do protagonista não poderiam ser mais irrelevantes.

Escrito por David Magee a partir do livro de Yann Martel, cuja reputação era de ser inadaptável, o roteiro narra a fantástica história de sobrevivência de Piscine Molitor Patel (Suraj Sharma), ou apenas Pi, obrigado a dividir um bote salva-vidas com um tigre de bengala depois que o barco que transportava sua família e os animais do zoológico do seu pai naufragou vítima de uma violenta tempestade. Através do batido mas eficiente recurso de ser relatada em flashback por um Pi já adulto (Irrfan Khan) a um escritor (Rafe Spall), a história é vendida por seu potencial de “fazer acreditar em Deus”, embora esta seja somente uma maneira de ensinar a enxergar os milagres diários da vida, os tais caminhos do carma, e não necessariamente de acreditar na existência de um Ser supremo.

Surpreendentemente antirreligião, ou ao menos insistindo na irrelevância desta para alcançar a espiritualidade, é oportuno destacar que Pi, durante a sua adolescência, migra do hinduísmo ao cristianismo e deste para o islamismo como quem muda de roupa, somente para comprovar que “a fé é uma casa com muitos quartos”. Porém, toda essa ansiosa busca só o leva de volta aos ensinamentos racionais do pai, um ateu casado com uma religiosa e que preferiria discordar das crenças de Pi do que o ver acreditando cegamente nas palavras que lhe são alimentadas, uma lógica marcante que o torna imediatamente o melhor personagem da narrativa.

Estimulando o debate a partir de saudáveis contradições, a narrativa acolhe acertadamente a dúvida como prova de fé. Se Pi não exige do escritor a crença irrestrita no relato contado, ele sempre tenta cativá-lo através do uso de elegantes recursos dos bons contadores de histórias, aparando as ásperas arestas da realidade. Ao reproduzir com precisão a constante matemática que virou o seu apelido, a licença poética do narrador, mesmo que abdique da verossimilhança, serve o relato na bandeja reluzente da fantasia e, portanto, mais palatável. O mesmo ocorre durante a apresentação de Mamaji e o seu porte físico peculiar, noutro exemplo que revela a predisposição do ser humano em preterir a realidade pela ficção, um ataque frontal a religião. Por outro lado, a narrativa ultimamente reconhece a fé como combustível que preserva a exígua esperança do protagonista.

Visualmente espetacular, a fotografia digna de prêmios de Cláudio Miranda confere um ar majestoso à Índia, ao invés do visual miserável com que nos acostumamos em produções como Quem quer ser um Milionário?. Com momentos de indescritível beleza, como o nascer do sol refletido sobre o mar e a presença de peixes tom néon em uma noite escura, o diretor de fotografia também sabe usar os recursos além do apenas belo, como no contraluz de três animais que mascara a brutalidade esperada daquele momento. Já a montagem de Tim Squyres cria transições suaves, como em dissoluções mais do que apropriadas à natureza da provação que Pi encarará.

Mas assim como é bela, a narrativa também é emocionalmente insípida. O esforçado Suraj Sharma, que interpreta Pi na maior parte do tempo, não tem o carisma de um Tom Hanks para carregar o filme sozinho nas costas. Falta-lhe convencer das consequências psicológicas provocadas pelo isolamento em alto-mar ou mesmo físicas, já que só perto do final realmente enxergamos o efeito da exposição ao sol (lábios ressecados, mudança da cor da pele) e da privação alimentar. Algo que não acontece com o tigre, que emagrece diante de nossos olhos e se torna menos agressiva à medida que perde suas forças.

Precisando quase desenhar a explicação do acontecimento central, As Aventuras de Pi propõe uma boa discussão espiritual arrematada com exuberância, exotismo, fantasia mas, infelizmente, sentindo a falta de coração.

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8 comentários em “Crítica | As Aventuras de Pi”

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