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Crítica | Beleza Oculta

Beleza Oculta

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A morte de um ente querido é devastadora; se for a do(a) filho(a), então, a dor do luto é inenarrável. Tanto é verdade que o cinema tratou de buscar dramatizar respostas através de símbolos, como fizera no recente A Chegada. Mas uma coisa é certa nos dramas sobre luto: menos é sempre mais, e observe que as grandes obras do subgênero têm em comum o minimalismo (um dos meus favoritos, O Quarto do meu Filho, era campeão nisto). Pudera, o cineasta não precisa esfregar no rosto do espectador emoções tão palpáveis quanto esta, ao menos não como faz o diretor David Frankel no bem intencionado, mas piegas próximo da insensibilidade Beleza Oculta.

Com roteiro de Allan Loeb (Esposa de MentirinhaCoincidências do AmorO Dilema – provas de que o escritor não é bom em comunicar emoções -, a trama conta a história de Harold (Smith) que, depois de perder a filha há dois anos – algo que descobrimos no início em um dos diálogos expositivos, o tipo de recurso usado por gente preguiçosa para contextualizar o espectador -, viu seu mundo virar de ponta cabeça, literalmente, para tornar-se introspectivo e niilista – ou é isto que entendo de quem pedala a bicicleta na contramão. Este comporamento inspira a preocupação dos amigos e sócios Whit (Norton), Claire (Winslet) e Simon (Peña), interessados em vender a companhia, operação que será apenas concretizada com a assinatura de Harold, mais preocupado em escrever cartas para o Amor, o Tempo e a Morte do que em demonstrar o menor grau de sociabilidade. Mas, depois de interceptar as correspondências, o trio contrata atores de teatro (Mirren, Knightley e Latimore) para interpretar essas entidades e oferecer conforto a Harold.

A narrativa natalina, inspirada em Frank Capra (A Felicidade não se Compra) e em alguma das versões de Os Fantasmas de Scrooge, obra escrita por Charles Dickens, estrutura-se de maneira confortável e previsível: as entidades visitam Harold a ponto de este, gradativamente, reencontrar forças para ir aos encontros do grupo de ajuda organizado por Madeleine (Harris). Em seguida, oferecerem sabedoria a um dos amigos do trio, todos com problemas relacionados a, de novo, amor, tempo e morte: Whit deseja reconciliar-se com a filha; Claire, ser mãe; e Simon não quer comunicar a família que o câncer não está mais em remissão. Isto explode as oportunidades de diálogos de autoajuda bem canastrões, tais como “Você não precisa da permissão dela para ser pai” ou “Os filhos não precisam vir de você”, além de mastigar respostas para pensamentos complexos, como aquele de Albert Einstein que afirma que “O tempo é uma persistente ilusão”.

Privado do dom da sutileza, o diretor David Frankel (O Diabo veste PradaMarley & EuUm Divã para Dois) não deixa passar nenhuma oportunidade de colocar sua mãozona pesada sobre o roteiro já suficientemente problemático apenas para arrancar, a força, lágrimas: em um instante, acompanhamos o relato materno da morte da filha – desconfio inclusive que seja real – enquanto a câmera aproxima-se do seu rosto em movimento de travelling até que esteja totalmente enquadrado no close, instante em que Frankel deseja que todos nós estejámos de lenço na mão chorando copiosamente. Porém o cinema não funciona aos trancos e barrancos, e depois de Olívia, a filha de seis anos de Harold, surgir pela terceira vez – em sonho ou vídeo durante aqueles momentos de felicidade ímpar no jardim de casa, debaixo do sol quente de verão -, está claro que o diretor não confia mais no poder da trama de emocionar e precisa introduzir, artificialmente, elementos capazes de fazê-lo. Isto chega ao ápice durante uma reunião societária que descanba no chororô, tão esquemática quanto o restante da estrutura da narrativa.

Que tem bons momentos, a maioria encabeçado por Helen Mirren, que interpreta uma daquelas atrizes gulosas pela arte. A propósito, soa-me como uma oportunidade perdida a discussão meramente superficial da importância da arte interpretativa para ajudar a superar nossos problemas pessoais – da função escapista à dialética, capaz de interagir com o público e oferecer respostas que ele antes desconhecia, que é o que as entidades (ou “entidades”) oferecem.

Beleza Oculta ainda desperdiça um elenco por que diretores morreriam: Edward Norton, Kate Winslet, Helen Mirren, Michael Peña, Naomie Harris e Keira Knightley, atores de qualidade indiscutível, apesar de não terem o que fazer com personagens essencialmente bons, porém caracterizados exclusivamente por seus problemas pessoais. E se Will Smith luta – e perde – contra o ímpeto de fazer careta para expressar a dor de Harold, a situação piora quando divide tela com o jovem Jacob Latimore, de quem eu não me recordava de Maze Runner: Correr ou Morrer, que faz atuar parecer fácil simplesmente por deixar fluir naturalmente.

Com uma parcela de reviravoltas no terceiro ato – uma incrivelmente funcional; a outra, nem tanto -, Beleza Oculta poderia ser um grande homenagem ao cinema de Capra caso roteirizado com sutileza e dirigido com confiança, mas desconfio que estes não sejam os atributos de quem apela para diálogos como “Eu não estava sentindo o amor. Eu era o amor.”

E sim de quem não sabe o tamanho da dor de perder um(a) filho(a).

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2 comentários em “Crítica | Beleza Oculta”

  1. Gostei do teu post, extremamente interessante o seu enfoque. gostei o seu blog de modo {geral|global) irei retornar aqui mais vezes, eu tenho um site sobre esse mesmo tema, visite ele mais tarde abraços.

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