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Crítica | Os Saltimbancos Trapalhões – Rumo a Hollywood

Os Saltimbancos Trapalhões - Rumo a Hollywood

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Aos 82 anos de idade e 50 longas-metragens na carreira, Renato Aragão confunde-se com o seu alter-ego, o inocente e atrapalhado Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina Mufumbo, nascido justamente no período de maior exceção da história recente do Brasil, a ditadura militar, e responsável por oferecer ao público uma espécie de placebo cômico para curar as chagas físicas, sociais e espirituais, um humor improvisado e autêntico, caracterizado pelo linguajar cômico, pelo pastelão e situações inusitadas e pelos bordões. Mas foi ao lado de Dedé Santana, e dos saudosos Mussum e Zacarias, na trupe Os Trapalhões, que Renato Aragão gravou o nome na história da comédia brasileira junto aos célebres Oscarito, Grande Otelo, Mazzaropi, Costinha, ou ainda Ronald Golias e Chico Anysio, estes menos assíduos nas telonas. Uma das razões para tamanho sucesso é a clássica comédia musical Os Saltimbancos Trapalhões, 1981.

Que agora é reapresentada a uma nova geração na refilmagem Os Saltimbancos Trapalhões – Rumo a Hollywood, baseada também na peça teatral homônima lançada em 2014, que preserva a trama central do clássico oitentista: o Circo Sumatra está em decadência, obrigando seu dono, Barão (Guilherme, membro da trupe), incentivado pelo ganancioso Satã (Frota), a alugar o espaço para que o prefeito Gavião (Freitas) realize leilões, comícios e outros eventos em nada relacionados à arte circense para desespero do sonhador Didi. Porém, com o retorno de Karina (Colin), filha do Barão, Didi ganha uma importante aliada a emplacar um novo espetáculo.

É certo que os pontos de virada ou os conflitos do roteiro de Mauro Lima não são particularmente inovadores, nem os personagens menos maniqueístas – a dupla Satã e Tigrana apresenta traços visuais característicos de vilões, como dentes de ouro, leque na mão ou até collant de couro preto -, mas existe charme em explorar as engrenagens que fazem o texto fluir a despeito dos clichês: a honestidade com que a trama enxerga-se como uma obra anacrônica, igual à arte mambembe que retrata, sem medo de aparentar sê-lo à geração individualista das redes sociais, cujo parâmetro de humor são YouTubbers espremidos na resolução máxima dos smartphones ou ipads. Exige-se coragem em ser o oposto do que a comédia contemporânea quer ser: em vez de cínica, ingênua; no lugar de mordaz, brincalhona. Trocar o sobrenome de Sylvester Stallone por “Estálonge” ou o de Vin Diesel por “Gasolina” ou então criar a versão duplicada do Oscar (“Os Caras”) são tiradas tão inocentes, que provocam o sorriso gostoso de infância.

E logo suposição torna-se “supositório“; Cirque du Soleil“du chulé”; ou implante, implemento, na forma que Renato Aragão acha de rir da própria idade e da do parceiro Dedé (como não ficar feliz em conferir que a dupla refez o vínculo amistoso e deixou no passado as mágoas?). É da interação entre eles que nascem os melhores momentos da refilmagem – e os mais bobos, pra falar a verdade -, resultado do improviso e da habilidade de, mesmo presos nos limites do roteiro, antecipar o que o outro irá dizer e interromper-lhe antes de concluir o pensamento emendendo algo novo bem característico da personalidade daqueles dois jecas ou broncos – na linguagem típica do humor brasileiro.

Como comédia, a refilmagem dirigida por João Daniel Tikhomiroff sente a ausência de Mussum e Zacarias – insubstituíveis – e até poderia dispensar as intervenções sonoras que pontuam o instante exato em que os risos são aguardados, ou empregá-las com parcimônia, ao passo que, como musical, a narrativa aproxima-se da linguagem teatral, e por esta razão as performances mostram-se frustrantes nas telonas, já que incapazes de explorar o potencial que poderia ser obtido da combinação das artes cinematográfica e circense. Mas as canções escritas por Chico Buarque continuam no seu ímpeto implacável de arrancar um risco de lágrima dos olhos, não somente pela nostalgia que inspiram, mas sobretudo por retratar a história de pessoas que fazem o que está ao alcance pela arte que amam. E se um concerto composto por Piruetas, Rebichada ou Todos Juntos não for suficiente para fazer-lhe sentir com o espírito leve, bem, não sei mais o que seria.

Talvez o sorriso da doce e espirituosa Letícia Colin, que herdou o posto de Lucinha Lins, mas não se acovardou, conquistando o público tão logo reencontra, com os olhos marejados, o Circo Sumatra. Entre nomes celebrados, Marcos Frota é uma escolha de casting irônica, por causa de sua profissão atual, Maria Clara Gueiros continua no intuito de fazer-me confudi-la com Kristen Wiig, ao passo que Nelson Freitas não tem muito o que fazer com um personagem sem senso de humor.

Algo que Renato Aragão tem de sobra: basta tirar da cartola uma gag envolvendo a quantidade necessária de estrelas da calçada da fama de Hollywood para comportar o nome completo de Didi Mocó, ou então confundir Dan Stulbach com Tom Hanks (todos já pensaram nisso). Mas nem só disso vive um comediante: a emoção genuína de Didi ao assistir o espetáculo tornar-se realidade, ao invés de participar dentro do picadeiro, é a cena mais emblemática da carreira de Renato Aragão, um sonhador que passou dias, noites e décadas ensinando o Brasil sobre a importância de sorrir, e agora pode espiar, detrás das cortinas, a sementinha que plantou ao lado dos Trapalhões gerar frutos: não Rumo a Hollywood, como insinua o subtítulo para ser desconversado na narrativa, mas sim em direção ao cânone do humor brasileiro.

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1 comentário em “Crítica | Os Saltimbancos Trapalhões – Rumo a Hollywood”

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