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Pantera Negra

Pantera Negra

135 minutos

Em todos os aspectos, Pantera Negra é somente uma história de origem de super-herói, saída da linha de produção da Disney e Marvel Studios e com seu selo de qualidade, o que garante cenas de ação competentes, apesar de nada memoráveis, senso de humor, atores do primeiro time interpretando personagens carismáticos e o know-how sobre seu universo cinematográfico para evitar tropeçar nas próprias pernas. Entretanto, seria uma tremenda injustiça reducionista atirar o herói, já apresentado antes em Capitão América: Guerra Civil, no mesmo balaio de produções tematicamente inferiores, embora competentes a sua maneira, como os recentes ‘Thor: Ragnarok‘, ‘Homem-Aranha: De Volta ao Lar‘ e ‘Guardiões da Galáxia, Vol. 2‘.

A questão da representatividade vem logo à cabeça – característica similar à registrada em Mulher-Maravilha‘ – e, com ela, a consciência sócio-histórica desenvolvida com maestria pelo diretor e co-roteirista Ryan Coogler (dos ótimos ‘Fruitvale Station: A Última Parada’ e ‘Creed – Nascido para Lutar’). É verdade que T’Challa (Boseman) não é o primeiro super-herói afro-americano a surgir nas telonas (lembram-se do Blade de Wesley Snipes ou Steel de Shaquille O’Neal?) ou nas telinhas (Luke Cage e Raio Negro também estão aí), mas é aquele que se insere além das fronteiras da sociedade pluri-racial dos filmes citados enquanto se devota, de modo exclusivo, à raça negra e aos séculos de subjugação, escravidão e exploração, aspecto que não era enfrentado nas séries acima. Enquanto faz isto, a narrativa reconhece e homenageia séculos de tradição africana, a iniciar pelo design de produção de Wakanda, que privilegia a individualidade cultural do continente aliada a sua soberania tecnologia, passando por figurinos étnicos e coloridos e a trilha sonora heroica convencional, mas marcada por tambores e percussão africanos.

Afora isso, o roteiro resgata os conflitos tribais por que passou o continente ao narrar, no prólogo, o surgimento de Wakanda, e como o vibranium permitiu o avanço desenvolvimentista da nação, que optou por ocultar a tecnologia do restante do mundo, e a união dos povos em torno de um líder comum, o Pantera Negra, escolhido durante um ritual tradicional. Neste cenário, após vencer o líder de uma tribo adversária, M’Baku (Duke), e herdar o trono do pai, T’Challa, auxiliado pela general Okoye (Gurira) e a espião Nakia (Nyong’o), deve rastrear Ulysses Klaue (Serkis, já visto em Vingadores: A Era de Ultron), que contrabandeou vibranium e pretende vendê-lo no mercado negro. Trata-se de um típico MacGuffin com o propósito de introduzir o verdadeiro antagonista, Erik Killmonger (Jordan), um descendente do trono que parte para exercer seu direito e desafiar o atual Pantera Negra.

Bem superior aos numerosos vilões que a Marvel já apresentou desde antes de o ‘Homem de Ferro’ vestir a Mach-1, Erik é movido por uma causa admirável, o resgate do seu povo agora sufocado nas periferias das grandes cidades, ao mesmo tempo em que alimenta o ódio pela morte do pai (Sterling K. Brown, de ‘This is Us’, dono da cena mais tocante de toda a narrativa). É o típico vilão que todo ator ama interpretar: ora por não ter mais nada a perder, ora por optar pelo recurso beligerante e armamentista já usada pelos colonizadores e escravizadores quando penetraram no continente africano, e isto sem abrandar o elemento humano que o incendeia. E Michael B. Jordan aproveita a oportunidade, eclipsando, com certa facilidade, Chadwick Boseman, preso à caretice típica dos heróis e à tentativa de se reconciliar com os pecados do pai. Por sua vez, Lupita Nyong’o e Danai Gurira estabelecem mulheres fortes e independentes, ao passo que Letitia Wright limita-se a fazer as vezes de uma ‘Q’ (de James Bond).

Já a direção de Ryan Coogler beneficia-se do fato de a Marvel ter deixado mais folgadas as rédeas com que controla os seus realizadores (James Gunn e Taika Waititi são provas disto), e pincela, ainda que de modo superficial, tópicos contemporâneos (a crise de refugiados), locais (o comércio clandestino de marfim) e outros que exigem a suspensão da descrença (a viagem astral para reencontrar os antepassados, dando um ar semelhante ao de O Rei Leão à cena entre T’Chaka e T’Challa). Faz isto sem esquecer do quesito aventura, note no virtuosismo da luta no interior de um cassino, narrada em um plano sequência falso que mascara os cortes detrás dos movimentos rápidos de câmera, e da comédia, no nível aceitável para não prejudicar a ambição da narrativa… e, no meio disto tudo, inserir rinocerontes gigantes de guerra!

O resultado é um aventura ágil e empolgante, histórica e socialmente relevante e bastante representativa, a ponto de cultivar e inspirar uma geração tanto quanto fizera com o garoto que, boquiaberto, admira seu novo ídolo. E, dado o retorno comercial acima das expectativas, ainda pode estimular a Marvel a investir em autores com voz, sem a necessidade cada vez menos frequente de calá-los apenas por causa da fórmula.


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