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Uma Escala em Paris

Uma Escala em Paris

83 minutos

Somos apresentados à comissária de bordo Gina, protagonista de Uma Escala em Paris, através da narração solene e onisciente da ótima Anjelica Huston. “Invisível e “romântica”, Gina perde o toque com a realidade após o companheiro, Paul, cometer suicídio e culpa-lá ante a ausência ínsita à profissão. Após período não especificado na narrativa, Gina viaja à Paris com as colegas de trabalho e, ludibriada por uma cartomante, teima a acreditar que o barman Jêrome, empregado há década em um cabaré decadente, é o homem da sua vida. Uma noite de sexo – para ele, casual – é o bastante para ela abandonar e a profissão e mudar de endereço, entretanto seu comportamento obsessivo encontra óbice no regresso de Clémence, o antigo amor de Jêrome.

A atmosfera da narrativa, tirada majoritariamente do ponto de vista de Gina, é banhada em filtros multicoloridos e retratada através da fotografia ruidosa e granulada de uma Paris suja e marginal, longe da mágica e encantamento usualmente associados à Cidade-Luz. Estes aspectos técnicos só reforçam o compromisso do diretor e co-roteirista Nathan Silver com o transtorno dissociativo da protagonista, cuja conjuntivite contraída de Jêrome parece não ter embaçado, temporariamente, somente sua visão, como também seu discernimento. Não demora para Gina alugar o apartamento defronte do de Jêrome e sufocá-lo de todas as formas que apenas stalkers conseguem fazer.

Mas Lindsay Burdge evita que Gina deteriore-se, rapidamente, ao olhar do espectador, que dificilmente simpatizaria com uma stalker / voyeur. Sua solidão e ingenuidade delirante auxiliam a narrativa a permanecer nos eixos, e note que ao interpretar a canção The Time Is On My Side, dos Rolling Stones, não captamos a malícia das personagens obsessivas típicas; pelo contrário, a sensação é a de estarmos em um conto de fadas, embora muito além da Disney.

Curiosamente, podemos sentir ojeriza e repulsa de Jêrome, em tese a vítima. Entretanto, isto desaparece diante da paciência e, em certos casos, preocupação que sente por Gina, além do desprezo que sente por si próprio: há mais de uma década, tem prometido abrir sua danceteria, mas não o fez.

A profundidade de campo rasa e os primeiríssimos planos – o diretor de fotografia Sean Williams, inclusive, não tem pudor em cortar partes do rosto dos personagens – tornam o espectador cúmplice de Gina e salientam a dificuldade de a visão periférica enxergar algo afora a “paixão” por Jêrome. Enquanto isto, o desconforto narrativo introduzido por Nathan Silver, com inspiração na obra de Roman Polanski a Brian De Palma (com o uso split dioptre do diretor) e certo erotismo blasé com uma trilha sonora característica do cinema setentista, bem como a abordagem original, fazem de Uma Escala em Paris uma experiência única e irresistível para quem procura fugir da mesmice em direção à autoralidade.


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