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Wifi Ralph: Quebrando a Internet

Wifi Ralph: Quebrando a Internet

112 minutos

Detona Ralph não merecia ganhar continuação. Calma, eu posso explicar. Sua conclusão sensível e emocionante não deixava brecha para a criação de novas tramas envolvendo o grandalhão Ralph e sua melhor amiga, Vanellope, ainda mais quando imaginávamos vê-lo sendo arremessado do prédio, para assistir às vitórias da princesa na corrida doce. Ao menos a impressão era esta, até que vieram os roteiristas Phil Johnston, que co-dirige ao lado de Rich Moore (de Zootopia), e Pamela Ribon (de Smurfs e a Vila Encantada), aproveitando a vocação inata da animação em ser um poço sem fim de easter eggs, e tiraram da cartola uma história que caminha ao encontro da Disney quando o assunto é progressismo. Enquanto fizeram isto, também discutiram a forma com que nos relacionamos através das redes sociais, e estas interagem conosco e com a sociedade contemporânea, no ótimo WiFi Ralph: Quebrando a Internet.

Com um começo arrastado, gosto de imaginar que é para antecipar e contrapor a quantidade de estímulos existentes na metrópole da internet, a trama emprega a busca por um item específico como desculpa para comentar acerca da emancipação feminina e a dificuldade masculina em aceitá-la. Assim, Vanellope apresenta-se como a garota de uma cidadezinha minúscula, que jurava que seu sonho era reviver, diariamente, os percursos a que já está acostumada, quando na verdade é na cidade grande que estão os desafios que a obrigarão a ser a melhor versão de si mesma. A quebra do controle do fliperama (repito, controle!), a princípio evento desesperador a ponto de lhe provocar angústia e ansiedade em forma de tilts, representa o brusco rompimento com os fios invisíveis do comodismo que a impediam de voar – ainda que ela apenas vá descobrir isto mais adiante. Ao seu lado, Ralph surge fazendo o que faz de melhor, ser a força antagônica e destruidora do fliperama, manifestando o temor em decepcionar a amiga ao tentar, dos modos mais tolos, honrar o lance que ofertou no eBay, enquanto revela sua insegurança emocional no processo.

É curioso como, de certa maneira, a jornada de autodescoberta e aceitação de ambos relembra Divertida Mente em seus melhores momentos. Não apenas por causa do design de produção, rico em referências visuais e temáticas, e pela quantidade de mensagens camufladas sutilmente em forma de gags – motivos pelos quais não é difícil se imaginar desejando re-assistir à animação a fim de tentar captar tudo o que ela tem a dizer. Mas a maior semelhança está em como a ausência de um vilão, ao menos fisicamente, serve como meio para revelá-lo na forma de um comportamento (ou sentimento) cada vez mais comum nos dias atuais. Um capaz de sufocar, mesmo detrás de gritos de amiga, e incomodar.

A forma com que o roteiro caminha em direção a essa revelação é inteligente, povoando o caminho com pistas (como fez no antecessor) sem chamar a atenção para isso, e o subtítulo feminista é ainda melhor. Observe como todas as mulheres da narrativa são fortes e permanecem em posição de poder sem serem contestadas em razão do sexo (Shank e Yesss), enquanto as princesas da Disney, aquelas que um dia precisaram do beijo do amor verdadeiro de um príncipe encantado para serem salvas, podem se virar por conta própria. O revelador nisso tudo é como a Disney, sutilmente, confessa empregá-las como produtos para alegrar o público frequentador dos parques temáticos, apenas para que a chegada de Vanellope subverta ao menos o figurino, trocando os vestidos desconfortáveis por moletons com frases ou símbolos que as identifiquem (nap queen ou princesa da soneca para Aurora, just let it go para Elsa).

Por falar nisso, se a passagem pelo estúdio do Mickey Mouse permite à narrativa abrir seu leque de personagens para inserir participações especiais inesperadas (eu que não serei o chato em soltar spoilers) e comentários divertidos (como aquele que explica o comportamento de uma princesa por ser do “outro estúdio”, a Pixar) é no mundo da internet que tanta informação disponível sequestra nossa atenção e provoca reflexão nos mais grandinhos, mas sem nos distrair do que é essencial: a trama e seus personagens.

A esse respeito, os personagens coadjuvantes, embora divertidos à primeira vista, manifestam aspectos negativos da internet a partir de elementos aparentemente irrelevantes ou discretamente inseridos: o Tudo Sabe, o buscador com olhos arregalados iguais aos de um desenho animado e cuja opção autocompletar é motivo para confusões, menciona acerca da aula de balé de determinada usuária (alô, perda de privacidade). Já o Pop-up é modelado a partir do típico vendedor de porta em porta, magro com olheiras fundas e residente em um casebre onde mal consegue encontrar seus produtos, e é também aquele que leva Ralph ao submundo, digo, a deep web. Além disso, a trama constrói situações como forma de introduzir verdades-absolutas da internet (nunca ler os comentários e como os avatares trolls tendem a esconder adolescentes imaturos e espinhentos) e estabelece soluções visuais interessantes a fim de retratar a flutuação do foco do usuário diante do smartphone, saltando de conteúdo a outro sem nenhum critério aparente, e a dinâmica de cliques na internet, com aspiradores de pó que parecem sugar os dedos do usuários através da internet.

Mesmo bombardeando-nos com informações na velocidade da luz, a narrativa sempre puxa o espectador de volta ao relacionamento entre Ralph e Vanellope. E, se alguém pode criticar a dupla de co-roteiristas pela passada de pano no terceiro ato ou pelo desfecho piegas, especialmente em comparação com o antecessor, a ponto de utilizar o pingente cara-metade como rima visual, ao menos Wifi Ralph: Quebrando a Internet é inteligente para advogar em favor de sua mensagem acerca da indispensabilidade de mudanças para revelar amizades sólidas, que dispensam o martelo do Félix para repará-las. A estas, basta apenas a confiança e o respeito.


 

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