Che – O Argentino é a primeira parte do épico dirigido por Steven Soderbergh sobre o médico e guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara (Benicio Del Toro). Nesta primeira metade, acompanhamos a Revolução Cubana na qual Che lutou junto com o bando de Fidel Castro (Demián Bichir) para a libertação do Estado cubano do governo do ditador Fulgencio Batista. A formação da guerrilha, a tomada das principais cidades e elementos em solo cubano são intercelados com a famosa visita de Che a Nova York para discursar na ONU (fotografadas em preto & branco em formato documental). Diretor perfeccionista, Soderbergh cria uma narrativa soberba totalmente em espanhol – conferindo veracidade ao projeto, e imagine como seria o desastre se os atores falassem inglês com sotaque, algo comum em Hollywood – que confia plenamente na capacidade de observação de seu público. A própria ida e vinda dos personagens secundários – tais como Raul Gárcia (Rodrigo Santoro) e Fidel Castro – e as manobras dos guerrilheiros exige envolvimento do espectador, o que torna fundamental o plano inicial de 2 minutos apresentando a geografia de Cuba, suas províncias e principais cidades.
Benício Del Toro empresta seu carisma à aura mítica de Che, construindo um personagem sensível e coerente. Apresentado de forma reverente, no plano-detalhe de seu cigarro, o cineasta humaniza Che na imagem abatida enquanto atravessa uma crise de asma. Sua doença também não é usada como muleta de interpretação, mas como elemento de superação e vulnerabilidade. E reparem a disciplina de Del Toro que evita chamar a atenção nas suas crises de asma.
Com um elenco de apoio consistente – desde de um camponês à entrevistadora Lisa Howard (Julia Ormond) -, o que mais me surpreendeu foi a semelhança entre Demián Bichir e o jovem Fidel Castro, na aparência e em todo o gestual do notório ditador cubano.
Dedicando um ritmo mais lento na primeira metade, a segunda enfoca os combates com imenso realismo, onde nenhum soldado gasta munição desnecessariamente. A ótima edição de som ressalta com precisão os tiros, movimentos na selva e bombas.
Jamais visto como um herói, Che participa de cenas de execução e Soderbergh não se exime de chamá-lo de “Assassino”. Todo este apuro culmina na antológica tomada de Santa Clara, encerrando com chave de ouro esta primeira parte do épico com um belo e sutil gancho para a continuação.
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Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.