Dirigido por Lee Daniels, a narrativa sempre busca amenizar o a brutalidade cotidiana introduzindo sequências oníricas que retratam a imaginação escapista da protagonista e onde conhecemos suas ilusões de fama, a concretização de uma paixão ou a imersão em um filme italiano em preto e branco. Retornando, em seguida, ao desglamourizado mundo real, Lee Daniels investe em constantes movimentos de aproximação e afastamento da câmera e mudanças de ângulo que, se à princípio não dizem nada à respeito da história, ajudam a manter o clima instável da personagem.
Mantida em um estado de letargia e incômoda passividade a tudo ao seu redor, Gabourey Sidibe (indicada ao Oscar) mantém sua pronúncia e conjugação verbal sempre erradas – e a legenda presta um desserviço enorme ao não ilustrar esta sua faceta, como quando ela menciona “I is learning” e ao invés de termos a ideia do erro da jovem (o equivalente a “Eu está aprendendo” em português), a legendagem acaba tomando as vezes de corretor.
Igualmente eficiente está a sua mãe Mo’Nique (vencedora do Oscar de atriz coadjuvante) e que acumula os sentimentos maternos, em menor grau, com os de uma pessoa traída pela própria filha que, no seu entendimento, “roubou” o seu marido. Seu ápice é aquele no gabinete da assistente social (interpretada por Maria Carey, sem maquiagem e apagando a sua estreia desastrosa nos cinemas). Finalmente, a professora interpretada por Paula Patton fascina pelo zelo e amor em ensinar.
Minimalista, mantendo a trilha sonora apenas nos momentos de maior catarse narrativa quase como uma melodia de ninar que contraste a dureza e amargura daquela vida com a ingenuidade infantil, a narrativa também tem uma crítica ácida para quem julga que a beleza – em sua essência – existe somente em loiras turbinadas. E o arco dramático de Precious é a prova de que, independentemente da cor, raça e situação social, você pode ser bela (mesmo que em uma narrativa afogada em sofrimentos).
Eventualmente beirando o sadismo na sua tentativa de ser ultrarrealista, Precious é um grande filme, mas que exige um estômago enorme e um punhado de restrições para ser aprovado.
Avaliação: 4 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.