Bastante parecido com o clássico de Alfred Hitchcock, Psicose, a direção de Michael Lander não esconde do espectador a natureza de seu protagonista, e logo após o prólogo inicial somos enganados ao descobrir que Emma não é uma mulher. Aliás, de maneira geral, a narrativa de Face Oculta é competente o suficiente para não questionarmos a decisão do diretor. No entanto, mentiria se não afirmasse que refleti sobre os caminhos que o roteiro de Michael Lander e Ryan O’Roy poderiam tomar caso a dupla personalidade de John fosse a grande revelação do filme.
Mas, é Cillian Murphy quem faz funcionar plenamente a idéia de quem existem, de fato, duas pessoas co-habitando a mesma mente. Assim como Christopher Reeves fez em Superman, Murphy cria dois personagens tão distintos que é fácil entender como ninguém na pequena cidade de Peacock suspeitaria se tratar da mesma pessoa. John, extremamente metódico, o que se revela na precisão de seus horários, mal consegue levantar os olhos para falar com outra pessoa. Necessitando adotar uma postura mais firme em alguns casos, John é tão emocionalmente inepto que ele força sua voz, como uma criança imitando um adulto a falar grosso, e acentua a insegurança no seu próprio olhar.
Contudo, um inusitado acidente de trem que funciona como alegoria para o descarrilhamento das personalidades, expõe Emma à população da pequena cidade, que se revela surpresa ao constatar que não sabia que John tinha uma esposa. Sempre fotografada de forma etérea, Emma a princípio é tímida, porém no decorrer da narrativa começa a assumir, com segurança o posto de personalidade dominante, subjugando John – ilustrado no curioso recurso desta deixar lembretes em papel com ordens para ele.
Se Michael Lander se deixa conduzir pelas mesmerizantes atuações de Murphy, ele ocasionalmente se entrega a um ritmo frouxo. Aparentemente, falta à narrativa um grande conflito, um enorme contrassenso diante da natureza do protagonista. Além disto, o final é questionável, pois contraria até em determinado momento a lógica da própria narrativa. Felizmente, o elenco de apoio com Susan Sarandon, Ellen Page, Bill Pullman (excelente!) e Josh Lucas confere um ar de familiaridade ao espectador.
Mesmo inevitável a comparação com Psicose, ao invés de imitar o mestre do suspense, Face Oculta homenageia o clássico de Hitchcock sem deixar de soar autêntico e, com o perdão do trocadilho, cheio de personalidade.
Avaliação: 3/5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
2 comentários em “Crítica | Face Oculta”
Acabei de ver o filme e gostei muito. Recomendo.
Filme sobre a andrógina natureza humana que a civilização patrocinada pelo ego embaralhou e emporcalhou a tal ponto que mesmo para um artista de talento torna-se quase impossível dar-lhe tratamento belo e criador. Francisco Carneiro da Cunha.