Narrado por um dos poucos personagens imaculados da narrativa – embora a sua bondade seja questionável -, logo no início testemunhamos o acidente de um médico que sofre uma fratura em sua clavícula. Instante depois, uma mulher morre na fazenda do barão mais rico da cidade. Todos creem se tratar de acidente, porém a abdução e tortura do filho do barão não deixa dúvidas de que algo está acontecendo. A única semelhança entre os casos é que um grupo de crianças (dentre elas, há os filhos de um pastor) estava presente junto ao incidente.
Evitando revelar a autoria dos crimes, Haneke enfoca os atos isolados das crianças, como a culpa de Martin ou a crueldade de Klara com um passarinho para demonstrar o significado da fita branca do título. Símbolo de inocência e pureza, ela somente é o cruel adereço cuja natureza não podia ser menos do que um pedaço de pano velho ao invés de ser reflexo do âmago dos jovens.
Opressivamente fotografado em preto e branco por Christian Berger, Haneke assume um tom ligeiramente documental brincando metalinguisticamente ao sugerir, sem pretensão, para colorir um álbum de fotografia. Mas o que confere identidade à narrativa também a enfraquece, e a distância e frieza de Haneke afastam o envolvimento emocional do espectador, estarrecido demais com os fatos à sua frente. Ao se despedir da esposa, a câmera opta por não revelar as lágrimas derramada; a punição de Martin e Klara é a portas fechadas, e apenas ouvimos os gritos sem compartilhar as suas penitências.
O objetivo do diretor é claro ao se eximir de julgamento adotando a postura de observador através dos olhos do professor da escola da aldeia que buscava a certeza fazer alguma acusação (algo que jamais ocorreria). Exceto, evidentemente, se os símbolos fossem explorados: como durante um incêndio em que o reflexo de uma cruz surge em uma crítica à religiosidade e representação da condenação.
Demonstrando a consequência de todo mal perpetrado, é desenvolvida uma cadeia de eventos que envolve o pai amarrando o filho à cama, a humilhação praticada pelo médico da aldeia, a fuga literal, no adeus à aldeia, ou figurada, na prática de suicídio, e os pecados guardados por laços de família, medo ou egoísmo de se expor. Nesse sentido, A Fita Branca é um cruel retrato de um mundo não tão distante de nós e que, no caso específico (o surgimento do nazismo), felizmente estamos separados por uma grande tela branca.
Avaliação: 4 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.