Homem genial, característica que o roteiro de John Collee representa na desenvoltura e multidisciplinaridade do protagonista em assuntos como fotografia e a degradação das rochas oceânicas, Darwin (Paul Bettany) era sobretudo curioso, detalhista e um voraz observador, atributos essenciais de um grande cientista. Diante de um coelho entrando na sua toca, ele exaure as possibilidades do complexo ciclo de vida e morte que dará continuidade ao equilíbrio da natureza, e o que os cristãos referiam-se à vontade divina, Darwin expunha e racionaliza como ciência.
Não que a narrativa dirigida por Jon Amiel faça justiça ao personagem, dividindo-se em duas linhas temporais a partir da prematura morte de Annie, a filha mais velha de Darwin. Conhecemos o gênio antes de perder a sua fé quando era um pai de família e amigo do pastor interpretado por Jeremy Northam bem como o homem entregue à loucura, pálido, curvado e com evidente distúrbios psíquicos. Mas, enquanto permite contrastes entre antes e depois como na utilização da hidroterapia, o filme acaba simplificando demasiadamente Darwin transformando a morte da filha no estopim do confronto contra o Deus que não a salvou e criando raízes subconscientes para sua insurreição (o que é dramaticamente óbvio).
Por outro lado, Jon Amiel compõe belas sequências, como o encontro dos navegadores com os nativos, em que a distância que os separa na praia sugere o abismo cultural intransponível entre aqueles homens. O uso de planos inclinados também é apropriado para retratar a natureza perturbada de Darwin, interpretado com sensibilidade por Paul Bettany, o que pode ser visto nos debates dentro dos limites da animosidade e na misoginia e insegurança resultantes da tragédia que vivera. Ao seu lado, a belíssima Jennifer Connelly é o anteparo moral e humano daquele gênio e a jovem Martha West uma jovem promessa que além de expressar um fascínio ingênuo ao escutar as histórias do pai, também se revela uma Darwin em miniatura.
Evitando preencher as lacunas da mente daquele homem (seria impossível fazê-lo), Criação perde-se no tom episódico e no debate religião versus ciência que nunca soa suficientemente convincente nos seus argumentos e ideias propostas. Prova disto é que o momento mais sensato é justamente na distinção de fé e religião proposta por um médico em um contexto distinto dos embates vividos por Darwin.
Ainda assim, Criação retrata bem o “cientista com medo de enxergar o que pra ele estava claro“, um homem que revolucionou a forma de ver a ciência e um dos primeiros que impulsionou o surgimento das grandes genialidades em um mundo dominado e sufocado pela religião.
Avaliação: 3 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.