28 anos depois, a continuação faz jus a todos as qualidades e defeitos do antecessor. E, desta maneira, Tron – O Legado é um filme que jamais cessa de impressionar pela criatividade com que apresenta o universo da Grade e a escala de utilização do 3D ao passo em que se mantém nostálgico ao retomar inúmeros dos componentes existentes no filme de 1982 (atualizados para o universo da Apple). Não surpreende também que esta nova visita ao mundo digital seja justificada por uma narrativa inconsistente, investindo novamente em uma analogia religiosa ineficaz e no fraco relacionamento pai e filho.
Sam Flynn (Garett Hedlund) se tornou o herdeiro da corporação Encom após o misterioso desaparecimento do seu pai Kevin Flynn (Jeff Bridges). Alheio às decisões da empresas, ele interfere com pontuais sabotagens, como ao enviar um importante sistema operacional para o domínio público. Mas, ao receber uma mensagem do antigo fliperama do seu pai, Sam é transportado para a Grade, onde o encontrará de novo, aprisionado por Clu (a versão digitalmente rejuvenescida de Jeff Bridges), programa criado para criar a utopia da perfeição.
Falhando em tornar amigável o universo para os espectadores, os roteiristas Edward Kitsis e Adam Horowitz apresentam um mundo povoado de Programas onde apenas Kevin e Sam são Usuários. Assim, experimentando o ar de novidade de Sam, os espectadores são arremessados a batalhas de discos e a uma corrida de motocicletas de luz, assumindo a natureza de entretenimento destes jogos. Pior: depois de reencontrar seu pai, lá pelo meio da projeção, o roteiro investe em um flashback expandindo conceitos como algoritmos isomórficos e até jazz digital.
Se a coisa é confusa para os não-iniciados, o diretor estreante Joseph Kosinski saí-se admiravelmente bem. Contido, Kosinski evita os excessivos cortes que tornam a ação incompreensível ao mesmo tempo em que usa, de maneira harmoniosa, a câmera lenta e a inversão do eixo. Outro bom elemento da narrativa é a trilha sonora de Daft Punk, na linha daquela ouvida em O Cavaleiro das Trevas e A Origem, criando uma quase balada eletrônica – os DJs ainda interpretam a si mesmos em um bar.
Mas é realmente o visual que merece destaque. Da direção de arte do esconderijo de Kevin Flynn, um ambiente etéreo, ao bar de Castor (Martin Sheen, em uma versão hi-tech do Charada de Jim Carey), tudo naquele ambiente se encaixa perfeitamente. Melhor é quando re-aproveita e atualiza os elementos do universo de antes, como as naves em forma de arco ou as motocicletas de luz. O figurino também merece destaque escapando do ar careta e retrô e adotando uma repaginação bem vinda e jamais excessiva. Enfim, construindo um contraste entre a realidade e o universo digital através do uso do 2D/3D este é um dos poucos filmes que vale a pena gastar um pouco mais para a experiência tridimensional.
Divertindo-se na pele de Clu, Jeff Bridges cria um vilão ameaçador e de uma mágoa e rancor palpáveis observadas no desprezo com que enxerga Sam Flynn pela primeira vez. Além disto, no outro papel, como Kevin Flynn, Bridges retoma o ar descontraído do nerd de computação ao investir em longos momentos de meditação e na sua retórica filosófica. Garett Hedlund não tem o mesmo carisma, mas não compromete. E o destaque fica com a bela Olivia Wilde (Quorra), expressiva e de uma ótima presença em cena.
Falhando pontualmente, ora na mudança de comportamento de um importante personagem nos minutos finais ora na alegoria religiosa de diálogos como “Ele é o filho do nosso criador” e “Falsa Divindade”, Tron – O Legado revive o mesmo percurso do pai com relativa autenticidade: uma empolgante viagem a um mundo digital impecavelmente criado apesar de imperfeito.
Avaliação: 3 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
2 comentários em “Crítica | Tron – O Legado”
achei muito estranho este filme, parece que foi intencional, querendo comparar Deus, o diabo, e Jesus, fica claro em toda a parte do filme, querendo colocar o Deus como criador que perdeu o controle da criação, deixando todas a merce de um ser perfeito que ele criara, no caso real lucifer, da qual deixa de obedecer suas ordens, e o filho sam, que foi tentar salvar o erro do pai, ou seja, mais uma das tentativas de comparação
Essa é uma leitura pertinente e esperada dos realizadores deste, e do seu antecessor de 1982. Acrescenta a narrativa uma dimensão a mais, porém eles exploram superficialmente.