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Crítica | Além da Vida

Uma das cenas mais recorrentes deste novo trabalho do diretor Clint Eastwood encontra um personagem de pé em um corredor contemplando uma porta fechada. Seu significado é deveras óbvio, tendo em vista que Além da Vida namora o pós-vida e aquilo escondido detrás da porta conhecida como morte, bem como a ansiosa busca por respostas. Mas o simbolismo do diretor alcança também os enquadramentos (a câmera plongé que observa os personagens do alto) e a mise-en-scène (as espiadelas através de janelas e o momento, quando ao deitar, em que o personagem de Matt Damon mantém seu olhar fixo no teto).

Sendo um trabalho de Clint Eastwood, porém, esses recursos são usados sem preocupação com sutileza, embora atendam aos fins narrativos do cineasta quase octogenário e que parecendo levar para o lado pessoal a dúvida que aflige a humanidade: o que acontece depois da morte. Servindo de fio condutor para três narrativas paralelas que acabam se encontrando (um filhote de Alejandro González Iñárritu portanto), o roteiro de Peter Morgan ignora a existência de conflitos narrativos, preferindo só acompanhar a trajetória dos personagens.

Mal explorando o formato de múltiplas narrativas, Eastwood peca não na maneira com que s conduz, mas na interconexão entre elas. Em certo momento, acompanhamos o médium George (Matt Damon) e, com um corte seco, mudamos o foco para os garotos Marcus e Jason. Os encontros entre os personagens beiram o artificial e a narrativa ainda falha no aspecto cronológico, incapaz de precisar a passagem do tempo, pois considerando a simultaneidade das narrativas, como poderia a jornada do médium durar 10 semanas enquanto a escritora Marie LeLay (Cécile de France) estar há meses escrevendo seu livro?

Tomadas individualmente, porém, as histórias são interessantes: George encara a sua habilidade de se comunicar com os mortos como uma maldição, já que interfere em seu contato com os vivos; já Marie LeLay, depois de ser vítima de um tsunami, ficou em coma por alguns instantes, observando a famosa luz branca; finalmente, Marcus tem tido visões do seu irmão gêmeo Jason, morto em um acidente automobilístico. Maduros e tridimensionais, mesmo os coadjuvantes vividos por Richard Kind (o grego), Bryce Dallas Howard (a colega de cozinha) e Lindsay Marshall (mãe de Marcus e Jason) têm momentos emocionantes bem desenvolvidos pelo cineasta.

E se peguei no pé de Eastwood antes, ele exibe uma vitalidade sobrenatural. Embora não assine cada história, ele e o diretor de fotografia Tom Stern imergem a câmera dentro de uma densa penumbra e empregam enquadramentos claustrofóbicos e sufocantes que auxiliam na criação de um clima triste e amedrontador. Também é brilhante a decisão de banhar de luz natural a cama em que Jason dormia, o que não acontece com a de Marcus. Uma imagem que ganha paralelo na própria fotografia de George no seu site mediúnico, em que uma parte de sua face está banhada de luz e a outra na escuridão.

Com a trilha sonora languida de Clint Eastwood, Além da Vida é um convite a questionar a própria mortalidade. Uma esperança para que possamos curar a ansiedade de olhar do outro lado da porta ou espiar pela janela, e aprendamos a viver a vida desapegados da ideia da morte.

Avaliação: 3 estrelas em 5.

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