A indústria farmacêutica tem vivido uma série de críticas e ataques na forma com que relaciona saúde e lucros. Não é estranho que gigantes do setor tenham seus nomes associados a escândalos éticos por patrocinarem eventos médicos em que além de venderem suas pesquisas, buscam multiplicar suas vendas, atropelando qualquer princípio moral. A doença de Parkinson é um mal degenerativo que assola as funções motores das pessoas, provocando distúrbios como tremores e rigidez nos movimentos. Uma doença pouco explorada em Hollywood – recordo-me de Ali -, que parece servir de escada para que Anne Hathaway comprove seu talento como intérprete. Dois adultos desenvolvem um relacionamento maduro, baseado em sexo e casualidade, até que descobrem que estão apaixonados um pelo outro.
Se este parágrafo expôs boas idéias e conceitos, mas não demonstrou coerência, é apenas reflexo do trabalho do diretor e roteirista Edward Zwick em Amor & Outras Drogas. Diretor experiente e “quadradão” (bons filmes carregam sua assinatura, como Tempos de Glória, O Último Samurai e Diamante de Sangue), ele não consegue desenvolver satisfatoriamente nenhum dos arcos narrativos propostos e nem os amarra de maneira convincente, apesar de que vista de fora, a embalagem apareça sedutora. Cometendo o erro de nunca saber que gênero está trabalhando, Zwick introduz um personagem engraçadinho com graves problemas de sexualidade, desenvolve o relacionamento do casal a partir da premissa de “eles se odeiam, mas se amam” ou “eles só querem sexo, mas não conseguem viver longe um do outro” e usa o mal de Parkinson como forma de extrair lágrimas, confundindo todos os gêneros românticos do cinema.
A história apresenta Jamie (Jake Gyllenhaal), um rapaz extrovertido, charmoso e boa-pinta e que consegue tudo o que deseja seduzindo as pessoas ao seu redor. Depois de ser demitido da empresa em que trabalhava, ele se torna vendedor de medicamentos e aprendiz de Bruce (Oliver Platt). Ao assediar o Doutor Stan (Hank Azaria), ele acaba conhecendo Maggie (Anne Hathaway), uma paciente de Parkinson, que desperta uma atração sexual e o “lado humano” do rapaz. A partir daí, o roteiro revela-se esquemático e segue as convenções dos romances, e eu confio no espectador em os enumerar sob risco da crítica se tornar clichê.
Aí é que entram os ótimos protagonistas e a decisão do diretor em desenvolver cenas de sexo intensas e explícitas, que revelam a intensidade carnal do relacionamento. Mas Gyllenhaal é muito prejudicado porque seu personagem não tem uma moral bastante definida: em um momento ele é o cafajeste divertido, noutro um baita mau caráter capaz de subornar um médico e comercializar receitas médicas, e finalmente se torna um sujeito compreensivo e caridoso ao lidar com a doença de Maggie (embora sua simulação de infarto seja um momento vergonhoso na carreira do ator). Já Maggie é mais tridimensional, demostrando uma bipolaridade oriunda das características de sua doença, apesar da atriz evitar usar a doença como muleta de interpretação. Pelo contrário, ela se dedica a detalhes sutis, como o olhar impotente e frustrado diante da incapacidade de cortar uma foto e a felicidade ao descobrir não estar sozinha em uma terapia de grupo. Abraçando todas as nuances de Maggie, Anne Hathaway é ousada ao participar de cenas de nudez e sexo, tornando crível a química entre os personagens.
Considerando-se bem mais divertido do que realmente é, Amor & Outras Drogas chega a ultrapassar os limites do aceitável ao mostrar o irmão do protagonista “assistindo” a um vídeo de sexo gravado por este e Maggie e a infame cena dos efeitos colaterais do Viagra. Utilizando montagens musicais para avançar a história e vender CDs, e apostando no vilão antiquado do tipo valentão do colegial trajando terno Armani e dirigindo um Porsche, o filme ao menos pode se beneficiar da leve fotografia de Steven Fierberg que aproveita o charme da década de 90.
Apostando em um desfecho “bonitinho” pra mandar o espectador para casa com um sorriso no rosto, mesmo que não exista o chamado final feliz para Maggie e Jaime como estamos acostumados, Amor & Outras Drogas corresponde de uma maneira falha à personalidade dos dois protagonistas: ambicioso como Jaime e confuso e bagunçado como Maggie.
Avaliação: 3 estrelas em 5.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Crítica | Amor & Outras Drogas”
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