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Crítica | Biutiful

Retrato denso, sufocante e visceral, Biutiful é o novo trabalho de Alejandro González Iñarritu em que o cineasta abandona a estrutura de múltiplas narrativas (Amores Brutos, 21 Gramas e Babel) e dá um novo significado ao adjetivo miserável. Ironicamente, esta foi a forma que o cineasta escolheu para homenagear o seu pai, em um filme que faz jus à beleza mal-redigida do título original.

Emprestando vida e alma à figura paterna, Javier Bardem (indicado ao Oscar) destrói como Úxbal, um homem cujo único objetivo é garantir a segurança e felicidade dos filhos. Em uma Espanha marginalizada, suja e violenta, Úxbal explora imigrantes africanos ilegais e intermedeia a contratação de mão de obra chinesa. Diagnosticado com câncer de próstata – a reação de Bardem ao receber a notícia de que terá 2 meses a mais de vida basta para arrebatar o espectador -, Úxbal também é um médium com a habilidade de se comunicar com os mortos. Algo que além de criar belas rimas visuais, funciona como uma forma de flertar com o cinema de terror.

De maneira geral, o trabalho de direção de Iñarritu é irretocável, incluindo a magnífica direção de atores e a elegância com que concebe e enxerga a miséria em inúmeras formas. Hábil em costurar múltiplas narrativas (sua especialidade), Iñarritu evita as coincidências que prejudicaram e conecta os coadjuvantes de uma forma ou de outra a Úxbal: seu irmão Tito, sua ex-esposa Marambra, os imigrantes senegalenses Ige e Ekweme e os chineses. E à medida em que a vida de Úxbal desmorona completamente, a das pessoas ligadas a ela também começa a ruir.

Sugando a beleza e vida dos elementos que compõem a cena, a direção de arte de Marina Pozanco e Brigitte Broch investe na emblemática infiltração no teto do apartamento de Úxbal que reflete a metástase do câncer. Já o interior da delegacia revela na pintura desgastada e nos móveis destruídos a pobreza espanhola. Da mesma forma, a fotografia de Rodrigo Pietro apresenta ambientes mal iluminados, sufocantes e apertados que, mesmo banhados em cores quentes, jamais transmitem a ilusão de paz (novamente, isto traduz a beleza do título).

Como Ana, filha de Úxbal, determina certo momento ao soletrar “como ela ouve”, a beleza cumpre um papel subjetivo, e aos olhos da garotinha pode ser apenas uma viagem em família à neve. Pena que, por mais poética a beleza enxergada por Ana, ela não compensa a carga dramática, como a exumação de um personagem ou o enquadramento de um homem utilizando uma fralda geriátrica, retrato da impotência dele diante da situação (e o que afirmar da bela rima temática ao ver pai e filho vivenciando problemas urinários).

Diante do investimento emocional investido em Biutiful, é triste observar personagens humanos sofrerem tanto. A ironia é que esta é a realidade de um mundo cruel em que a maioria apenas sobrevive e a felicidade é algo tão efêmero como uma humilde festa de aniversário. A impassividade do espectador diante da miséria é representada categoricamente ao enxergarmos um Úxbal retraído no canto inferior esquerdo da tela e banhado em uma fotografia deprimente.

Retratando o desejo de Úxbal de não vencer a doença, mas apenas “não ser esquecido” por seus filhos, o protagonista não mede esforços para auxiliar os filhos a enxergar a beleza (agora sem itálico), nem que esta seja surja apenas na imaginação dos pequenos. Uma bela homenagem de Iñarritu cujo enorme coração, escondido atrás de uma carcaça podre, exige a entrega e identificação total do espectador.

Avaliação: 5 estrelas em 5.

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2 comentários em “Crítica | Biutiful”

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