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Crítica | Água para Elefantes


Sempre causa preocupação quando a personagem mais doce e carismática de um romance seja interpretada por uma elefanta! Longe de ser um comentário hiperbólico, Água para Elefantes sofre do descomprometimento daqueles que deveriam ser o coração e alma do projeto, o apático casal vivido por Robert Pattinson e Reese Witherspoon. O que dá espaço suficiente para que a simpática paquiderme Rosie e, aqui e acolá, o magnético Christopher Waltz roubem a cena na regular tentativa de contar um drama circense durante o período da grande depressão econômica norte-americana. É um filme às antigas, o que tem sua dose de charme, mas ainda abaixo da média.

Valendo-se de uma narrativa convencional, popularizada nas décadas de 80/90, na qual um personagem idoso começa a contar os eventos de sua vida para um completo estranho, conhecemos Jacob Jankowski (Hal Holbrook), ex-membro do circo Benzini e testemunha de uma das grandes tragédias da história circense em 1931. Ele, como bom e agradável senhor de terceira idade, não se incomoda de relatar com detalhismo invejável as histórias de sua vida durante o trabalho como veterinário do circo. Retrocedendo algumas décadas, Jacob rejuvenesce no corpo de Robert Pattinson – comprovando ser possível um rapaz aborrecido envelhecer em um agradável senhor.

Imigrante polonês egresso da faculdade de Veterinária de Cornell, Jacob fugiu de sua cidade e embarcou no trem do circo após a morte dos pais. Acolhido por um conterrâneo polonês, Jacob caí nas graças de August (Christopher Waltz), que antes quase o matara jogando-o do trem, de Marlena (Reese Witherspoon), e da afetuosa de Rosie. Obedecendo ao clichê do jovem de fora que, após enxergado com desconfiança pelos integrantes da trupe, acaba conquistando a todos, o que se revela um mistério porque Pattinson tem a cara de quem come um limão azedo antes de cada tomada, Jacob sobe na hierarquia do circo até ser convidado a dividir refeições com August e Marlena.

Jantares esses bastante enigmáticos, pois se o primeiro é para dar as boas vindas oficiais ao circo, os demais revelam um sadismo nítido em torturar o amor platônico de Jacob e/ou a burrice estúpida de August ao se embriagar e deixar a esposa a sós com um (dizem) bonito rapaz. De qualquer forma, Jacob e Marlena se apaixonam, o que não imprevisível pois August é um tremendo babaca e cruel. Habituado a arremessar os integrantes fora do trem para economizar gastos, a não pagar salários, a maltratar os animais e a ter acessos de fúria, é estranho como todos aceitam pacificamente a sua presença como líder e sequer cogitem um motim até Jacob sugerir. Beira o cartunesco, a alegria despretensiosa dos membros durante a calmaria e o sucesso do circo, e o beijo que Marlena dá em August a olhos vistos é uma burrice desproporcional de alguém que deveria conhecer as reações do marido.

Ingênuo, Água para Elefantes exige concessões do espectador em aceitar as ações dos personagens para funcionar, não atingindo na enorme Rosie. Engraçada, sensível e enchendo os olhos com os truques que realiza, a paquiderme transmite carinho e inocência porque apesar de seu tamanho e sua idade, ela age como uma criança, o que torna revoltante o maltrato com uso do fustigador. Apostando nisto, o diretor Francis Lawrence permite uma montagem revelando as atuações da elefante que, combinada à ilustração dos outros integrantes da trupe (malabaristas, trapezista, etc), acaba transformando-se em um dos melhores momentos do filme.

No entanto, Francis Lawrence falha em conferir à narrativa um ritmo fluido, pecando também pela abrupta mudança de foco da elefanta para o trágico romance. É engraçado inclusive que nos eventos prévios ao clímax, Marlena pede para Jacob conduzir Rosie para uma surpresa que jamais se concretiza, tornando a presença da paquiderme meramente decorativa. A fotografia de Rodrigo Prieto (colaborador habitual de Alejandro González Iñarritú de Biutiful, Babel ou 21 Gramas) é outra presença equivocada, pois a precária iluminação é incompatível com a história contada, que pedia uma paleta de cores mais vibrante e iluminada. Basta reparar que na primeira vez em que Jacob olha Marlena conduzindo os cavalos não existe nenhuma espécie de recurso que justifique o amor à primeira vista do rapaz – pelo contrário, este plano vem apenas nos minutos finais quando, aí sim, Marlena é fotografada apropriadamente, embora a necessidade do recurso tenha se esvaído.

Interpretando Jacob como se estivesse vivendo o vampiro Edward, Robert Pattinson revela uma tremenda limitação em superar o tom monótono de sua expressão. Assim, o ator retrata a indignação em testemunhar a violência contra animais, a tristeza em identificar no necrotério os pais mortos ou a estupefação ao ouvir os relatos dos companheiros de circo da mesma forma. O que seria até desculpável se esta também não fosse a mesma cara com que o rapaz declara seu amor a Marlena ou brinca diariamente com Rosie. De maneira parecida, Reese Witherspoon, carismática, não encontra o tom certo para sua Marlena: à princípio, ela se preocupa com August a ponto de afirmar que este apenas “precisa de um amigo”, após ela soa como uma mulher amarrada ao homem que a “descobriu“, aceitando passivamente as agressões verbais e físicas.

Porém, sempre que Christopher Waltz surge em cena, Água para Elefantes ganha sobrevida. Intenso e perturbado, August disfarça um olhar pernicioso sob o sorriso simpático, o que torna perigosas as ameaças do vilão. Exibindo um complexo de inferioridade e uma personalidade inconstante, a fragilidade de August apenas reforça sua brutalidade quase como um requisito natural de sua sobrevivência.

Reforçado pela boa trilha sonora de James Newton Howard, uma direção de arte e reconstituição de época acertadas e acrescentando uma bela rima visual que contrasta o esforço e o suor na montagem do circo com a facilidade em cortar os barbantes que sustentam as tendas, Água para Elefantes consegue a proeza de decepcionar e satisfazer em iguais medidas.

3 estrelas em 5.

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2 comentários em “Crítica | Água para Elefantes”

  1. Eu penso que o filme esteja realmente próximo disso que você escreveu em sua resenha. Falta nele uma vivacidade, principalmente no que tange o amor dos personagens principais e também na interpretação de Pattinson.

    Assistindo ao filme, concluí que talvez se tivesse optado por conter o romance entre Jacob e Marlena, que optaram por fazê-lom co-existir em relação aos outros elementos do filme e não em priorizá-lo. Mas, eivdentemente, concluí isso assumindo tratar-se de uma consequência e não de uma premeditação.

    Acho que o filme seja assistível. Não é desses que incomodam, tampouco é desses que se tornam inesquecíveis. Inevitável não ceder à magnífica interpretação de Waltz – sendo, como você mesmo disse, ele e a paquiderme Rosie o charme do filme.

  2. Murilo Cesar Soares Soares

    O filme é bem fraco, como argumento, embora a produção seja bem feita. Eu acho que essa é uma característica do cinema de Hollywood: roteiros ruins com boa realização técnica.

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