Nicolas Vanier é um mais do que um cineasta, é um exímio aventureiro apaixonado pelas paisagens geladas. Em Lopo, ele combina duas paixões e extraí da bela paisagem da Sibéria a história de uma tribo de esquimós, pastores de renas, frequentemente ameaçados por famintos lobos. Infelizmente, as qualidades técnicas se sobrepõem à narrativa em um exemplar cuja fotografia de Laurent Charbonnier, Thierry Machado e Gérard Simon é digna de uma enorme moldura e todo o restante, do saco de lixo mais próximo.
Escrito por Vanier e Ariane Fert, o roteiro apresenta o Sergei, escolhido como novo pastor do clã para proteger as renas. Porém ao testemunhar pequenos filhotes de lobo brincando, o rapaz de uma maneira incompreensível e sem justificativa na sua educação e no primeiro quadro da narrativa, acaba se afeiçoando à matilha abandonando a ponto de ignorar a guarda das renas. Mais do que o confronto entre os interesses dos homens e da natureza, Lobo introduz uma avalanche de clichês exaustivos, como a briga entre dois irmãos, o jovem que deve provar seu valor a sua tribo e seu relacionamento dele com a bela Nastazya.
Acertando ao apresentar os lobos não como vilões e nem tampouco os esquimós como heróis, Vanier ilustra um ponto de vista correto no diálogo de Nastazya sobre o papel de cada um na natureza e na plástica cena da caçada da matilha a um bando de renas, desorganizando o bando até alcançar a rena mais fraca. Mas, por mais que a trilha sonora de Krishna Levy seja emblemática e poética, ela é intrusiva o bastante para prejudicar mais do que contribuir aos momentos de maior destaque da narrativa, que seria melhor nas telas do National Geographic; certamente, Nicolas Vanier teria mais conhecimento para um projeto como este.
04) Os Nomes do Amor (Le Nom des Gens, 2010, França). Direção: Michel Leclerc. Roteiro: Michel Leclerc, Baya Kasmi. Elenco: Jacques Gamblin, Sara Forestier, Zinedine Soualem. Duração: 100 minutos. Cotação: 4 estrelas em 5.
O antagonismo de Arthur Martin e Bahia Benmahmoud nasce desde seus nomes: o dele, um dos mais comuns na França, enquanto o dela, único, de descendência argelina. Baseado nisto, o diretor Michel Leclerc investe em um roteiro que privilegia os opostos e conduz a personalidade de cada personagem ao extremo sem recair em esteriótipos, muito pelo contrário, abraça os maneirismos e excentricidades de cada um ao passo em que lhes confere doçura, charme e humanidade. Auxiliado pelo longo prólogo inicial, no qual narra a história de Arthur e Bahia e de seus pais, ele também serve como mostra dos diversos comportamentos que os dois mostrarão ao longo da narrativa.
Nessa linha, Michael Leclerc é genial ao retratar as lembranças dos avós judeus de Arthur trajando figurinos diferente das fardas dos guetos ou campos de concentração, pois esta era a única forma de os imaginar em face do segredo da mãe de jamais revelar o seu traumático passado. Mais do que isso, comumente as neuroses de Arthur ganham vida na imagem do seu Eu-adolescente (ou mesmo do Eu-mirim) que possibilita a introdução de uma sequência criativa quando vemos Arthur e Bahia, adultos em um banco no parque, e em outro banco ao lado suas versões mais jovens.
Deturpando completamente as expectativas do espectador, como na cena do casamento, e demolindo os clichês que suportam comédias românticas similares, Michel Leclerc realiza composições de quadros e cortes que dizem muito mais sobre a personalidade dos personagens do que diálogos expositivos poderiam fazer. Seja no belo plano de Arthur segurando um cisne morto ao saber da morte de um familiar ou então no corte seco após uma cena de sexo que, acompanhado dos acordes de um piano, remonta ao passado de abusos sofridos por Bahia. Sobretudo, Michel Leclerc acerta nas rimas que encerram situações semelhantes vistas de maneira diferente, como os velhinhos e a “corrida” para chegar ao metrô antes deste fechar as portas ou ainda o destino de alguns caranguejos.
Interpretado por Jacques Gamblin e Sara Forestier, o casal têm uma química perfeita que auxilia a aceitação daquele amor incomum. Mas não apenas eles, Zinedine Soualem constrói um personagem doce, porém servil, e que protagoniza um dos momentos de maior sensibilidade da narrativa. De forma semelhante, a família Martin com Jacques Boudet e Michèle Moretti, além de boas gags em sua paixão irrefreável por invenções inúteis, trazem uma grande carga dramática no pensamento deveras lógico que apresentam – o fato de Arthur somente conseguir imaginar o pai na sua versão idosa diz muito sobre a vida exaustiva e emocionalmente demandante que ele deve ter vivido.
Mais do que uma comédia romântica, Os Nomes do Amor trabalha o clichê dos opostos que se atraem de uma maneira inusitada, divertida e visualmente encantadora. Acima de tudo, encerra com uma visão bastante positiva do amor.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.