A simbologia do xadrez na vida de Hélène é evidente e exposta exaustivamente pela diretora Caroline Bottaro: subjetivamente, o esporte representa o véu intelectual e emocional que separa as dificuldades financeiras e um casamento sem a paixão e intensidade de antes de uma vida repleta de possibilidades, de amor próprio e de superação dos obstáculos impostos pela vida, pelo casamento precoce e mudança para uma cidade distante de Paris. Não por menos, o primeiro contato da camareira Hélène com o esporte é justamente enquanto testemunha uma casal jogando apaixonadamente.
Mais ainda, aprender que a Dama é a “peça mais forte do jogo” soa como uma afronta à Hélène, aprisionada em uma vida sem sorrisos e rotineira, sistematicamente elogiada pela chefe, ignorada sexualmente pelo marido e desrespeitada pela filha. Até aí, Xeque-Mate funciona às mil maravilhas, ainda que as múltiplas representações de tabuleiros pareçam exageradas – a toalha da mesa de jantar de um restaurante italiano, a pia onde estão dispostas os cosméticos e mesmo o piso do terraço do hotel.
Transformando-se em uma verdadeira obsessão na vida daquela mulher, o xadrez acaba funcionando mais como a perda dos sentidos da realidade do que necessariamente um grito de liberdade; os atrasos no trabalho são cada vez mais constantes, o desleixo em casa é notório e até o marido é chamado de corno na cidade.
A entrada de Kroger (Kevin Kline, bem humano), um homem recluso e permanentemente em luto pela morte da esposa transforma a narrativa em uma espécie de “Xadrez Kid“. Ademais, o enfoque repetitivo nos jogos, culminando em um torneio, e chegando ao ápice de dispensar até o tabuleiro em um jogo pessoal entre mestre e aprendiz, prejudica o ritmo narrativo, comprometendo os bons esforços até então, especialmente na construção de Hélène.
Pena, porque apesar do trabalho de Sandrine Bonnaire estar longe do excepcional, a narrativa era muito mais interessante nas entrelinhas.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.
1 comentário em “Festivais | Varilux de Cinema Francês (Dia 4)”
Caramba, foi mais que perfeita sua sacada do "Xadrez Kid"… rsrsrsrsrs