O desaparecimento do estudante de ensino médio Simon Werner tem uma sensível influência no microuniverso de um colégio francês. Para os professores, ele é mais um nome na chamada; para os colegas de turma, um sujeito estranho que resolveu assumir a sua homossexualidade ou fugiu para traficar drogas em Marrocos; nem mesmo a sua namorada, Alice, ou a sua amante, Clara, depreendem muitos esforços em sua procura. Seu sumiço é só mais um acontecimento na vida daqueles garotos, uma desculpa para elaborarem teorias, eventualmente envolvendo alguma espécie de serial killer, e se distraírem do dia-a-dia escolar.
Nesse sentido, o grande mérito de Fabrice Gobert não é o mistério em si, mas a dinâmica entre aqueles jovens. Estruturada a partir dos pontos de vista de cada um dos alunos, a narrativa amarra as pontas dos acontecimentos à medida em que conhecemos um novo lado da história. Porém, nenhuma visão é realmente relevante para a solução do mistério, auxiliando apenas a pôr os pontos nos “is” no final, pois Gobert decide incluir o ponto de vista do próprio Simon que, apesar de construir alguns paralelos interessantes com os outros alunos, extraí todo o suspense do mistério, cuja solução advém naturalmente.
Uma ótima brincadeira narrativa que joga uma luz na adolescência francesa, mas que perde a preciosa chance de ser mais do que a soma das suas partes.
09) Uma Doce Mentira (De Vrais Mensonges, França, 2010). Direção: Pierre Salvadori. Roteiro: Benoît Graffin, Pierre Salvadori. Elenco: Audrey Tautou, Nathalie Baye, Sami Bouajila. Duração: 105 minutos. Cotação 3 estrelas em 5.
Émilie (Audrey Tautou) é uma das sócias de um salão de beleza que se vê às voltas com um admirador secreto na figura do ajudante de serviços gerais Jean (Sami Bouajila). Intimidada intelectualmente pelo sujeito que, fala diversas línguas e tem formação superior, a narrativa é desenvolvida com delicadeza e bom humor sem nunca se levar a sério ou buscar afastar o “sentir-se bem” das comédias românticas. Nem mesmo quando a amargurada mãe de Émilie, Maddy (Nathalie Baye), divorciada há quatro anos surge em cena, a narrativa abandona a suavidade.
Engrenando depois que Émilie toma a carta de Jean e modifica o seu destinatário, buscando aumentar a auto-estima da mãe a partir do flerte de um terceiro, surge um jogo de encontros e desencontros e pequenas mentiras com consequências desastrosas. Neste incomum triângulo amoroso, a narrativa supera a incredulidade de determinadas situações com bom humor, seja o caminhão de lixo que em segundo plano recolhe todos os pertences de Jean ou na sequência de demissões e re-admissões.
Independentemente da profundidade da narrativa, Uma Doce Mentira tem faíscas o para sustentar a frivolidade de seu roteiro, nem que para isto ele precise encontrar a sua “próxima vítima”.
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.