Capitão América: O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger, Estados Unidos, 2011). Direção: Joe Johnston. Roteiro: Christopher Markus, Stephen McFeely. Elenco: Chris Evans, Hugo Weaving, Hayley Atwell, Sebastian Stan, Tommy Lee Jones, Dominic Cooper, Stanley Tucci, Toby Jones. Duração: 124 minutos. Cotação: 3 estrelas em 5.
O Capitão América literalmente veste a bandeira do patriotismo na tentativa de vender a esperança do exército americano no curso da Segunda Guerra Mundial. Não é de causar espanto, portanto, que Capitão América: O Primeiro Vingador peque na completa falta de sutileza do seu herói nesta aventura à moda antiga. Exemplar mais insosso – junto com Homem de Ferro 2 – dos produtos da Marvel Studios, a abordagem é a irregular e a cada acerto, como o visual retrô e a montagem dinâmica, comete uma falha condenável, como a fotografia demasiadamente escura e as pouco empolgantes cenas de ação.
Último super-herói a ganhar aventura solo antes da reunião em Os Vingadores, Steve Rogers (Chris Evans) é um rapaz franzino e de saúde frágil costumeiramente rejeitado nas convocações do exército para combater os nazistas. Obstinado, Rogers caça uma briga no cinema apenas para defender a propaganda dos solados americanos, embora saiba que o resultado do duelo seja para lá de desanimador – ressaltado com bom humor quando Steve aponta os lugares onde já tomou uma surra. Essa determinação ganha a atenção do Dr. Erskine (Stanley Tucci), que o considera o candidato perfeito para o experimento do supersoldado. Mas é se atirar sobre uma granada, a meu ver, mais uma destemperança e estupidez do que valentia, o que convence o Coronel Chester Phillips (Tommy Lee Jones) a aceitá-lo no projeto que lhe dará força e agilidade sobre-humanas.
Estabelecido a partir de um grande flashback, o roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely é perspicaz ao enxergar no Capitão América mais uma fantoche publicitária do que um efetivo soldado. Assim, os roteiristas encontram uma ponte rica em significados para associar esta produção aos filmes e seriados de outrora na melhor cena da aventura: a montagem das aparições do Capitão América trajando o uniforme clássico e levando crianças à loucura após esbofetear Hitler ao som de uma música cafona. Mas, melhor do que isto é o corte seco posterior que encontra Capitão América palestrando para um exército que o despreza e o enxerga como motivo de piada.
Também é feliz a direção de Joe Johnston ao encontrar os momentos ideais para associar a imagem do Capitão América a um herói pacífico mesmo em tempos de guerra. Nesse sentido, o escudo que orgulhosamente empunha é um símbolo da proteção, não de ataque, e que encontra a correspondência exata na personalidade de Steve Rogers que usa uma tampa de lata de lixo e uma porta de carro para se defender.
Apesar disso, o roteiro abandona bons temas drasticamente: a conversa entre Peggy (Hayley Atwell) e Steve Rogers sobre os efeitos colaterais do soro no seu metabolismo não encontra porquê narrativo, pois sequer é usado como calcanhar de Aquiles. Outro aspecto infeliz é como a morte de dois personagens importantes não consegue sacudir a inabalável personalidade do herói além de um momento de luto, jamais interferindo na faceta de bom moço do sujeito ou sequer levando-o a cogitar vingança. Aliás, o “bandeiroso” é um dos personagens mais desinteressantes dos quadrinhos e a sua fraqueza inicial serve somente para provocar um contraste após sua conversão em super-herói.
Por outro lado, é de se destacar o respeito de Joe Johnston aos quadrinhos ao apresentar de maneira ideal os seus dois vilões, Johann Schmidt e Armin Zola. Este, é visto inicialmente em uma lente que aumenta o seu rosto (basta uma consulta no Google com o seu nome para entender a referência). O outro, o Caveira Vermelha, tem o seu nome sugerido no sangue que molha a insígnia da HIDRA e na tinta vermelha usada para produzir o seu retrato, antecipando a sua real aparência.
Oscilando entre altos e baixos, a reconstrução da década de 40 ajuda na construção de uma aventura retrô, ao estilo Indiana Jones, com uma vasta riqueza de detalhes na direção de arte, a fotografia de Shelly Johnson confere aura etérea à narrativa no sépia desgastado e a montagem de Robert Dalva confere dinamismo nas transições, como a de uma banca de jornal para o quarto general subterrâneo ou a que associa um salto em meio a uma explosão e a digitação em uma máquina de escrever; já as cenas de ação são burocráticas e nem a luta final com o Caveira Vermelha – que supostamente tem os mesmos poderes sobre-humanos – desperta o menor interesse, enquanto isso o romance entre Steve Rogers e Peggy, com direito a crises de ciúmes, empalidece por este não ser o campo de domínio de Joe Johnston.
Interpretando Steve Rogers/Capitão América com a costumeira entrega e energia, Chris Evans transmite o bom mocismo esperado do rapaz, sem esquecer da ponta de frustração nos primeiros momentos da guerra ao descobrir ser apenas um mascote. Já Hugo Weaving foge da composição óbvia com uma voz pausada precisamente matemática e inflexível, e transforma o Caveira Vermelha em um adversário frio e egocêntrico. E se Hayley Atwell não convence como mulher durona ou “marrenta” e Dominic Cooper, o pai Homem do Ferro, não chegue aos pés de Robert Downey Jr. em matéria de sarcasmo, o restante do elenco com Tommy Lee Jones, Toby Jones ou Stanley Tucci desempenha com competência os seus papéis.
Abraçando a falta de sutileza do personagem durante a invasão do herói a uma estação da Hidra com o chamativo escudo nas costas ou no nome das cidades sobre as bombas em uma aeronave, Capitão América: O Primeiro Vingador é agradável e que comete um último deslize nos desnecessários minutos finais do epílogo, mais adequados para uma cena pós-créditos.
Ainda assim, parabéns a Marvel que, se nunca conseguiu transpor seus heróis em obras desafiadoras, como O Caveleiro das Trevas ou X-Men – Primeira Classe, sempre os tratou (assim como os espectadores) com o respeito necessário para realizar bons filmes. E que venha Os Vingadores!
Crítico de cinema filiado a Critics Choice Association, à Associação Brasileira de Críticos de Cinema, a Online Film Critics Society e a Fipresci. Atuou no júri da 39ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo/SP, do 12º Fest Aruana em João Pessoa/PB, do 24º Tallinn Black Nights Film na Estônia, do 47º TIFF – Festival Internacional de Cinema em Toronto. Ministrante do Laboratório de Crítica Cinematográfica na 1ª Mostra Internacional de Cinema em São Luís (MA) e Professor Convidado do Curso Técnico em Cinema do Instituto Estadual do Maranhão (IEMA), na disciplina Crítica Cinematográfica. Concluiu o curso de Filmmaking da New York Film Academy, no Rio de Janeiro (RJ) em 2013. Participou como co-autor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017) e Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018). Criou o Cinema com Crítica em fevereiro de 2010 e o Clube do Crítico em junho de 2020.