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Crítica | Meia Noite em Paris


Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, Estados Unidos/Espanha, 2011). Direção: Woody Allen. Roteiro: Woody Allen. Elenco: Owen Wilson, Rachel McAdams, Michael Sheen, Carla Bruni, Marion Cotillard, Kathy Bates. Duração: 94 minutos. 5 estrelas em 5.

As vezes coerentes, as críticas de que Woody Allen recicla história e reutiliza seus personagens em novas produções parecem esbarrar no maravilhoso mundo nostálgico que criou em Meia-Noite em Paris. Fruto de um dos grandes autores do cinema, que aos 76 anos faz o ofício de criar e contar histórias parecer natural com sempre um (as vezes até dois) lançamentos em um mesmo ano, a prosa honesta do seu roteiro dá seguimento a sua fase europeia com uma nova fábula bem ao estilo de A Rosa Púrpura do Cairo e Simplesmente Alice.

Enxergando no roteirista Gil Pender (Owen Wilson) o novo alter-ego do cineasta, é só natural imaginar Woody caminhando pelas boulevards parisienses, aproveitando dias de sol e chuva nos parques e conhecendo os históricos monumentos enquanto elaborava o seu novo argumento. Essa naturalidade contamina, no bom sentido, Gil que parece viver um caso de amor com a cidade-luz, estimulando a sua criatividade literária e afastando a pressão burguesa da sua noiva Inez (Rachel McAdams), seus sogros esquivando da pressão burguesa de sua noiva Inez (Rachel McAdams), seus sogros (Kurt Fuller e Mimi Kennedy) e do esnobe e pedante Paul (Michael Sheen).

A Paris das andanças de Gil é um grande mosaico de arte moderna, e Woody como profundo amante busca referências pertinentes para discutir sua mensagem de que a arte nunca se cria, mas é fruto de influências da bagagem artística da humanidade. Nada mais natural do que Gil redescobrir ídolos como Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e T. S. Elliot, ou partilhar bons momentos ao lado de Pablo Picasso, Luis Buñuel ou Salvador Dalí. E não é difícil imaginar o desejo de Woody em voltar no tempo e dividir espaço com Luís Buñuel e Federico Fellini, ídolos assumidos do cineasta.

Revivendo a “Época do Ouro”, o cineasta mareja os olhos nostálgicos do público e dá asas aos sonhos dos que acreditam pertencer ao passado, não ao presente. Sabidamente, porém, o debate apresenta argumentos prós e contra: de um lado, é impossível não se encantar em reviver os anos 20 de uma Paris deslumbrante que respira novos ares pós Belle Époque, do surrealismo e romanticismo da linguagem ao reencontro de célebres artistas no seio de uma sociedade boêmia; por outro, é natural atribuir o pejorativo covarde, alienado ou iludido aos amargurados que só acham conforto no passado. Nesse sentido, a bela Adriana (Marion Cotillard) desempenha um papel de pivô na narrativa: ao mesmo tempo em que ela é o passaporte para um mundo onde tudo parece possível, ela também é um espelho que, ironicamente, reflete Gil visto pelos seus próprios olhos.

Com diálogos sofisticados, surge espaço para questionar o medo da morte e a finitude, o que vindo de um autor no terço final de sua vida só comprova a coragem do material. Contudo, a verborragia típica, as frustrações e anseios na figura de Gil, as tiradas bem humoradas e o olhar curioso em revelar o cotidiano das pessoas estão lá como nas demais obras do cineasta, que se dá ao luxo de explorar a premissa completamente e extrair dela tudo o que pode oferecer.

Destacando-se o ótimo elenco, Owen Wilson sugere a descontração e paixão de um sujeito ingênuo enquanto Rachel McAdams revê seus tempos de menina malvada na pele de uma patricinha atraída pela pseudo-cultura de name dropping de Paul (vivido com malícia por Michael Sheen). Mas é o elenco de coadjuvantes que diverte: o casal Fitzgerald (Alison Pill e Tom Hiddleston), o divertido Salvador Dalí e sua paixão por rinocerontes (Adrien Brody), Gertrude Stein (Kathy Bates) e o meu favorito, Hemingway (Corey Stoll).

Enriquecido pela direção de arte de Anne Seibel, nossa viagem no tempo revive carros luxuosos e luminárias clássicas, acrescida da decoração das festas ou dos figurinos de Sonia Grande. A trilha sonora, costumeiramente escolhida a dedo por Woody Allen, encontra espaço para um dos seus ídolos de jazz, Cole Porter.

Meia Noite em Paris é lindo, leve, simples e ingênuo, sinônimo de uma música apaixonante, de uma pintura misteriosa e atraente e de uma viagem inesquecível. Acima de tudo, uma declaração de amor de um autor que, banhado por um imensurável amor pelas artes e pelos seres humanos, atingiu em vida a sonhada imortalidade na nostalgia de sua obra.

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4 comentários em “Crítica | Meia Noite em Paris”

  1. Ótimo texto, parceiro. Interessante vermos como o diretor conseguiu, depois de um fraco e um pouco pesado "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" trazer um filme tão leve, tão adorável, tão genial.

    Woody Allen é meu diretor preferido, e a cada ano, eu entendo entendo cada vez mais o por quê. =)

  2. Luiz,

    Eu tenho minhas dúvidas que é o maior cineasta norte-americano vivo (Allen ou Scorcese), e a cada ano que passa a dúvida aumenta mais e mais.

    Loro,

    Valeu cara. Deu vontade de ver de novo já? -)

  3. Marcio,

    Fantastica a critica, com certeza a obra de Woody Allen e imortal!

    ps> O cartaz original, alem de expressar melhor o conteudo da obra, tambem e muito mais bonito e ludico, fazendo referencia a Van Gogh!

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