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Confiar

Confiar (Trust), 2010, Estados Unidos. Direção: David Schwimmer. Roteiro: Andy Bellin, Robert Festinger. Elenco: Clive Owen, Catherine Keener, Liana Liberato, Chris Henry Coffey, Jason Clarke, Viola Davis. Duração: 106 minutos.
Filmes como Confiar têm diversos motivos para dar errado ou, pelo menos, passar desapercebidos. Este novo longa dirigido por David Schwimmer (o Ross do falecido seriado Friends) aparentemente esconde-se debaixo da máscara de uma produção direcionada para a televisão, apelando para cortes a cada novo diálogo e enquadramentos apropriados a este formato, e apresenta uma mensagem de alerta a adolescente – que infelizmente não a escutarão – e aos pais, que os deixará mais neuróticos e protecionistas com o que os filhos andam vendo ou fazendo na internet, na companhia do seu netbook e de quem quer que esteja do outro lado. À primeira vista, portanto, é um filme quadrado, cuja mensagem de “cuidado com quem você fala na internet” ou “não confia em estranhos” parece martelar a cabeça do espectador, mas que acaba se revelando em uma grata surpresa e em um filme rico em subtítulos e boas atuações.

A jovem Annie (Liana Liberato, que eu inadvertidamente confundi com Madeline Carroll) de 14 anos passa as noites no seu computador com seu amigo virtual Charlie. Tímida, mas não introspectiva, a jovem é prestativa e amável aos pais Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener). Ocasionalmente, Annie descobre que Charlie mentiu a sua idade, o que ela ignora e dispensa com um pedido de desculpas. Mas, ao conhecê-lo na vida real, ela descobre que ele é um homem maduro, um pedófilo e maníaco sexual da internet que não hesita em levá-la a um motel e a abusar sexualmente. As consequências para ela e a família são desastrosas, e sobre isto, o diretor David Schwimmer e os roteiristas Andy Bellin e Robert Festinger se debruçam.

Evitando inúmeras armadilhas anunciadas, e as vezes, ensaiadas, os roteiristas chegam a sugerir um comportamento justiceiro de Will, principalmente nas rondas que ele faz na vizinhança à noite, mas essa subtrama é prontamente abandonada. A participação da polícia também não se ancora meramente à perseguição do pedófilo, e a certeza de saber que ele está livre é o bastante para movimentar a ação de uma força tarefa na prevenção de crimes similares. Esses pequenos desvios fazem muita diferença e demonstram a maturidade e segurança dos roteiristas preocupados com a análise íntima e psicológica das consequências do estupro da jovem Annie. E as suas mudanças de comportamento são enormes: de garota infantil, vibrante e alegre, ela se revela introvertida e agressiva, e muitas vezes, inserindo-se em uma particular espécie de síndrome de Estocolmo – sem o sequestro, evidentemente.

Por sua vez, o seguro e centrado Will aterrorizado com pesadelos, acaba revelando uma faceta impotente e uma incapacidade de lidar com a traumática experiência sofrida pela filha. Rapidamente, ele me lembrou William Hurt em Na Natureza Selvagem, e Clive Owen transita muito bem entre a dureza exigida para o papel, e a sensibilidade refletida na dor de um pai. Lynn, a mãe, é menos explorada pelo roteiro, e embora ela deseje manter os laços familiares intactos, na medida do possível, é inegável que ela anseie por justiça; e Catherine Keener consegue expor esse contraste com enorme sutileza.
A direção de David Schwimmer, assim como o filme, parece repleta de vícios e defeitos. Tome o jantar logo nos primeiros minutos de narrativa, cheio de erros básicos e grosseiros, Schwimmer faz muito mal a escolha dos planos e contra-planos, posicionando Will ora a esquerda, ora a direita, ora olhando para um lado, ora para o outro, e a estranheza da cena traduz-se na incapacidade do pública de decifrar quem está do lado de quem na mesa sem o auxílio de um plano mais aberto. Exagerando nos erros de continuidade – e aquele em que Annie e Charlie estão tomando um sorvete no shopping é emblemático -, é evidente que Schwimmer tem uma formação precária em formatação de quadros, cortes ou decisão da mise en scène; mas como ele sabe dirigir e guiar os seus atores.
Dessa maneira, Schwimmer consegue extrair grandes atuações de todo o elenco, principalmente a jovem Liana Liberato. A adolescente tem todas as suas imperfeições reveladas e por mais que se esforce, ela não consegue se encaixar no cotidiano da escola, apesar de encontrar carinho no lar e uma amizade verdadeira. Por sua vez, a psicóloga interpretada por Viola Davis foge da postura passiva, evitando esteriotipá-la como uma garota estúpida – infelizmente, um erro que muitos irão cometer -, mas reconhecendo a inexperiência e ingenuidade da moça e auxiliando-na verdadeiramente a superar a tragédia.
Encerrando sem alardes e grandes fogos de artifício, o que denota a triste realidade da situação – afinal, o trauma sofrido acompanhará Annie, inequivocamente, pela vida inteira, e um fechamento artificial apenas prejudicaria a pequena redenção que ela encontra nos braços da família -, David Schwimmer corajosa e ousadamente acrescenta uma gravação de vídeo no final. Um elemento revoltante, que serve aos propósitos da narrativa e a finca no mundo real, mas que não consegue apagar o afago, a cumplicidade e amor de uma adorável garotinha e a família que a ama.

Um pequeno momento otimista para abrandar o sufoco de uma história traumática contada, sobretudo, com plausibilidade e respeito a todas as milhares de jovens e mulheres que sofreram alguma espécie de abuso sexual.

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2 comentários em “Confiar”

  1. Cara, vou ver o filme hoje, mas não sei se escreverei – ainda tenho que escrever sobre Conan e Missão Madrinha de Casamento, além de Premonição 5, que ainda nem vi.

    Admiro seu ritmo de produção, e gostaria de conseguir mantê-lo em meu blog também. 🙁

    Um abraço e continue escrevendo!

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